PREFIRO BOLO DE FUBÁ NO SILÊNCIO
Por Alcindo Garcia
Ceias de Natal são sempre barulhentas. Todo ano é a mesma coisa. Apesar do preço da carne de boi não falta na mesa o pobre leitão assado com uma maçã na boca. Geralmente a vítima é um peru, mas ele escapou pela cerca do vizinho. Barulheira de pratos e travessas. A mulherada, indo e voltando da cozinha e limpando as mãos no “no avental”. Não vai faltar o espumante “Cerezer”. Dinheiro curto faz o espumante borbulhar mais que champanhe legítimo. A anfitriã repreendendo a empregada. A Nanda se esqueceu das taças de cristal. Onde já se viu tomar “champanhe” em copo de geléia?
Em meio ao tumulto, um menorzinho, de oito anos, engata um berreiro dos diabos. Escorregou numa coxinha de frango perdida no piso de lajota encerada e patinou adoidado indo parar debaixo da mesa. A mãe pega o garoto e assopra o dodói. A mistura de sons vai de choro de criança, corintiano berrando no celular, mulheres cortando panetones, ao som da Ivete Sangalo na televisão, além de um CD tocando jingles bells. Os maridos disfarçam tirando uma casquinha do peru Sadia, aquele que traz um baita termômetro regulador de forno enfiado na barriga.
Toca um celular daqueles que competem com os carrilhões da matriz. Alguém atende no meio da multidão e grita numa mistura de sons difícil de agüentar: “É o Geraldo mãe, ta ligando de Ribeirão Preto. Diz que só vem na passagem do ano”. Outro telefonema, da prima Cotinha, de São Paulo, avisando que o carro ta na oficina e não tinha mais passagens na rodoviária. A festa vai perdendo o entusiasmo à medida que o cansaço chega. Por volta de duas horas da manhã dá sinais de exaustão. O corinthiano meio vesgo, e arrotando champanhe Cerezer, é proibido de dirigir por motivos óbvios. Um primo se oferece para ocupar o volante.
Começam as despedidas. Crianças dormindo no ombro dos pais. As mulheres trocando beijinhos. Só se ouve perguntas do tipo “cadê minha bolsa” ou “onde foi parar a minha bolsa?” “Alguém viu a minha bolsa”? Como mulher perde bolsa fácil! Todo mundo vai embora. Crianças da casa dormindo no sofá. Restam o casal e a empregada Nanda. Exaustos, olham desolados para o mundo de pratos, travessas e talheres, sujos empilhados na pia. Vão ser lavados no dia seguinte porque ninguém é de ferro. Ano que vem tem mais.
(Alcindo Garcia é Jornalista) e-mail:[email protected]