A VASSOURA DE PIAÇABA

Na adolescência que já vai longe fui escrevente do fórum.  Colecionei histórias que vale a pena recordar. Essas histórias foram publicadas na página de Justiça do Estadão aos sábados na coluna “Fora dos Autos”.  Foi um tempo em que eu começava no jornalismo e achei que valeria a pena transcrever hoje algumas dessas ocorrências forenses. A começar pelo fórum de uma pequena cidade do interior. No fórum os escreventes tinham por hábito qualificar, antes do início da audiência as partes. Nesse intervalo os advogados conversavam em suas salas com as partes que participariam da audiência.  Um velho e experiente advogado aproveitou a oportunidade para orientar a ré, quanto à arma do crime, na verdade uma vassoura de piaçaba.

Para reforçar a tese de que não houvera o propósito de machucar a vítima, agredida a vassouradas pela ré, instruiu a esta para que dissesse que batera com o lado da palha, da piaçaba, e não com o cabo da vassoura. Para o advogado dativo era uma forma de inocentar a ré, numa pequena causa de briga de vizinhos, que nem deveria ser alvo de uma audiência.

Tudo combinado soa a campainha e todos se dirigem à sala de audiências, onde para surpresa da ré, estava presente também a vítima a quem ela mantinha um ódio terrível.  Terminado o interrogatório o juiz passou a palavra ao advogado defensor que então formulou a ré a pergunta combinada nos bastidores. Ele só não previu que o ódio mortal da ré para com a vítima se reacendesse ali, ao revê-la cara a cara e fez a pergunta combinada: A senhora bateu nela com o cabo da vassoura ou com o lado da palha? Foi aí que ele teve a resposta  surpreendente da ré: “Oi doutor eu bati mesmo foi com o cabo, porque com a páia não ia arresorvê nada”, desabafou olhando para a vítima com todo ódio. Nada mais disse nem lhe foi perguntado.

O velho advogado fitou a ré, com um misto de raiva e complacência, desviando o olhar para o teto, que parecia querer desabar sobre a sua cabeça grisalha..

Alcindo Garcia é jornalista (e-mail:[email protected])