A cultura da misoginia versus a força das mulheres no setor de construção
Um vídeo que viralizou nas redes sociais e que foi compartilhado pelo deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) relacionou, de forma preconceituosa, a contratação de mulheres para a obra da Linha 6-Laranja do Metrô de São Paulo com o acidente que provocou a abertura de uma cratera na Marginal Tietê. A edição do traz imagens institucionais da empresa responsável pelo projeto, com entrevistas com funcionárias, intercaladas com imagens do desmoronamento de parte do asfalto no último dia 1º. Além do absurdo de correlacionar a contratação das profissionais a um “resultado que não costuma ser o melhor”, a mensagem demonstra medo. Porque, ainda que sejam minoria, o número de mulheres tem aumentado nos cursos de graduação e nos postos de trabalho.
Segundo dados do do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) citados pela Comissão dos Direitos da Mulher da Câmara dos Deputados, são mais de 200 mil trabalhadoras no ramo e, de 2007 a 2018, houve um crescimento de 120% no número de mulheres na área. Os números mostram que não há diferença de capacidade, mas simplesmente o aumento do interesse das profissionais por esse setor e a maior abertura das empresas pela diversidade nas equipes – o que tende a gerar decisões mais qualificadas.
Sou uma CEO em uma startup de construção civil especializada em reformas em 90 dias de imóveis na planta, a ApeMais, em que a maioria da equipe são de funcionárias, em todos os cargos. A construção civil pode ser um ambiente masculinizado, mas como em todo o ambiente de trabalho, é preciso ter respeito. E isso há, ao menos entre os que atuam no setor.
Passei por várias empresas e funções, em diferentes setores econômicos, ao longo de 20 anos. Testemunhei comentários que depreciavam trabalhadoras porque “engravidariam e largariam o trabalho”, por questões estéticas, ou por pura inveja pelo sucesso alheio. Sempre respondi educadamente a esses apontamentos e busquei contribuir para que as melhores condições fossem dadas para que essas trabalhadoras não fossem excluídas do ambiente organizacional.
Talvez por isso a empresa na qual trabalho tenha hoje uma maior presença de mulheres. Porque se sentem representadas e respeitadas. Já houve um caso em que uma gestora de obras relatou que um empreiteiro não quis discutir o projeto com ela, por ser mulher. Ela, profissionalmente, resolveu a questão. E, recentemente, em conversa com funcionárias da ApeMais, elas afirmaram que não se lembram de terem sofrido qualquer preconceito de gênero, em escritórios ou canteiros de obras.
Reforçar a relação respeitosa no setor é uma das formas de contribuir para um ambiente mais sadio para todos e todas. Outras ações se fazem igualmente necessárias. Em uma campanha para prospectar fornecedores, a designer gráfica retratou uma pintora no material. A representação foi notada e, assim, gerou debates positivos. Por isso, temos também um plano de criar um braço de capacitação para mulheres na execução de obras. Mais precisa ser feito no sentido de contribuir para o setor, um dos principais motores da economia nacional.
Então, qual a razão de, em pleno 2022, alguém se dar ao trabalho de editar um vídeo e relacionar a contratação de mulheres ao acidente na construção da linha do metrô paulista? Por que tanta gente compartilha esse tipo de informação e não enxerga a falta de respeito, a misoginia e a irracionalidade do argumento?
A construção civil é um setor que busca se fortalecer por meio de ações como contratar mais mulheres. As engenheiras, pintoras, eletricistas não estão nesse mercado porque querem o espaço dos outros. Elas querem o próprio espaço, o que tem conquistado com competência e profissionalismo. Avancemos.
Amanda Cordeiro é CEO da ApeMais, startup especializada em gerenciar reformas em apartamentos, com 20 anos de experiência em segmentos de tecnologia, imobiliário e de construção