A urgência do aprendizado de História
Em “Perguntas de um Operário Letrado”, Bertolt Brecht diz:
Quem construiu Tebas, a das sete portas?
Nos livros vem o nome dos reis,
Mas foram os reis que transportaram as pedras?
Babilônia, tantas vezes destruída,
Quem outras tantas a reconstruiu? Em que casas
Da Lima Dourada moravam seus obreiros?
No dia em que ficou pronta a Muralha da China, para onde
foram os seus pedreiros? A grande Roma
está cheia de arcos de triunfo. Quem os ergueu? (…)
Depois de quase quarenta anos trabalhando com o ensino de História do Brasil no último ano do Ensino Médio, posso afirmar que, a maioria dos jovens passa, ao longo da Educação Básica, por uma espécie de vácuo de aprendizado sobre o passado, em geral, e do Brasil, em particular e, ao final desse período, poucos sabem responder como chegamos até aqui como Nação e como País. Sim, esse é um quadro desolador e não, não é responsabilidade de um só governo, mas da falta de um modelo educacional capaz de ensinar crianças e jovens a ler e a compreender o que leem em termos gerais e, particularmente, em termos históricos. Temos um modelo que se preocupa mais em saber o que deve ser ensinado – com sua burocracia infernal de conteúdos a serem vencidos e provas bimestrais, provas de recuperação, notas de trabalhos obrigatórios – e não em verificar com profundidade e extensão o que foi aprendido. Isso, definitivamente, não é um modelo de Educação.
Deveríamos partir do simples e do concreto: somente a partir de um aprendizado consolidado, internalizado, deveria ser possível avançar, até que os passos das crianças, primeiro lentos e hesitantes, ganhem velocidade e firmeza. As séries não deveriam ser divididas por anos e idades, mas por núcleos de aprendizados, como se faz com o ensino de uma língua estrangeira. Se uma criança não sabe ler, não saberá destacar as ideias principais de um texto. Se não sabe quais as ideias principais de um texto, não saberá sua importância e, menos ainda, como relacionar esse texto com o seu contexto. E não haverá a mínima chance de usar esses conhecimentos nas suas próprias tomadas de posição. O ensino de História é testemunha desse deserto fabricado. Então, de que adianta para essas crianças avançar nas séries e perpetuar suas deficiências? A escola deveria ser uma rede de aprendizados e o avanço não precisaria ser linear. Assim, uma criança poderia estar no oitavo ano de Ciências e no sexto ano em Matemática. Não importa. O que deveria ser garantido, a qualquer custo, é o aprendizado. A criança e o jovem avançariam para o próximo círculo de aprendizado, até alcançar uma meta comum de aprendizados e, só então, sua Educação Básica estaria completa. E seria hora de escolher sua carreira profissional técnica ou sua área de formação acadêmica. Mas o mais importante estaria garantido: sua cidadania.
Como essa deficiência estrutural afeta o conhecimento histórico e, consequentemente, a produção de uma consciência histórica? No meu mestrado em Educação Histórica – que é uma linha de pesquisa voltada para a compreensão do aprendizado e para a pesquisa sobre o que ocorre na sala de aula, na escola e no processo de formação do estudante – perguntei ao meu grupo de pesquisa, formado por 163 estudantes de Ensino Médio, se eles gostavam das suas aulas de História, e a resposta foi um grande “sim”. Depois perguntei se eles usavam os conhecimentos aprendidos nas aulas de História na sua vida cotidiana e a resposta foi um enorme “não”. Quando perguntei a razão dessa discrepância, a explicação foi clara: a História que aprendemos não inclui a História que vivemos. Fala-se de governos, Estados, de golpes, guerras, e de economia e de produtos exportados ao longo do tempo, mas não se fala de jovens e de seus interesses, seus problemas e a história da construção desses problemas, não se fala de cultura e não se fala das questões da vida de hoje.
No meu doutorado, perguntei a editores, autores, professores e alunos como seria o livro didático ideal e, entre as respostas, uma das mais interessantes foi “que me fizesse querer saber mais sobre o meu passado”. Isto é, uma aula e o material didático precisam ser atraentes para os jovens e despertar neles o interesse de fazer perguntas e de construir respostas a partir das pistas disponíveis.
O que devemos fazer, como professores/pesquisadores que somos, é unir esforços e olhar para a grande vítima desse processo tão desolador que é o País e a chance de um projeto civilizador. Se não somos capazes de ler e de compreender as fontes históricas que permitem traçar os caminhos que nos trouxeram até aqui, como poderemos saber como interromper erros, anular armadilhas, reverter desastres e construir algo melhor? Ficamos no escuro, às apalpadelas, ou pior, entregando nosso destino nas mãos dos profetas de ocasião e suas promessas de que só eles conseguem enxergar algo no futuro.
O que um ensino incapaz de gerar aprendizado eficiente provoca em termos de prejuízo não tem tamanho. Os custos sociais e políticos são enormes. E a solução, como já ensinava Sócrates, começa por admitirmos o problema. Temos um problema. Os responsáveis por determinar os parâmetros da Educação Básica precisam garantir a História na sua matriz obrigatória, para todos, desde os primeiros momentos da escolarização. E a História ensinada precisa ter como promessa fundamental o aprendizado, que é a formação de uma consciência capaz de entender o fluxo do tempo e o uso desse tempo como ferramenta de transformação da nossa realidade. Isso precisa ser feito de maneira atraente e atual, partindo das questões que permitam às crianças e aos jovens se interessarem a participar ativamente do mundo, como protagonistas que são. Daí sim, algo realmente bom poderá acontecer.
Daniel Medeiros é doutor em Educação Histórica e professor no Curso Positivo.
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@profdanielmedeiros