A vacina, a saúde dos brasileiros e o proselitismo político
Por Marcelo Aith
No capítulo 12, versículo 15 do livro do Provérbios da Sagradas Escritura, que trata sobre a sabedoria prática, a moral, o bom senso, a maneira correta de proceder dos indivíduos, o Rei Salomão, segundo tradução adaptada para os dias de hoje (NTLH), afirma que “O tolo pensa que sempre está certo, mas os sábios aceitam conselhos”.
Os brasileiros ficaram absolutamente anestesiados com a atitude do Presidente da República que determinou o imediato cancelamento do protocolo de intenções de aquisição de 46 milhões de doses da vacina produzida pelo Instituto Butantan em parceria com a Chinesa Sinovac. O presidente agiu como “tolo” ou como sábio?
O “coronavírus” já vitimou mais de 155 mil brasileiros e as maiores autoridades mundiais destacam que apenas uma vacina eficiente pode combater e impedir novas mortes pelo mundo. A vacina que está sendo desenvolvida no Butatan, conhecida como CoronaVac, está em fase avançada de testes e tudo indica com uma resposta bastante favorável.
Considerando o sucesso dos testes e a busca de preservar vidas, o Ministro da Saúde Eduardo Pazuello firmou com o Instituto Butatan um protocolo de intenções para a aquisição em larga escapa da vacina, para que a população brasileira, e não só o Estado de São Paulo, pudesse ter acesso a imunização contra esse inimigo invisível.
Não podemos nos esquecer que a Constituição da República estabelece no artigo 196, que a “saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”. Seguindo esse mandamento constitucional, o Ministro Pazzuelo sinalizou, oficialmente, o interesse nacional na vacina.
A assinatura do protocolo de intenções, conforme destacado no jornal Folha de São Paulo, era de conhecimento do Presidente, que teria anuído com a formalização do interesse na vacina. No entanto, diante da manifestação contrária, especialmente nas redes sociais, dos seus apoiadores, o Presidente foi a público e desautorizou o Ministro da Saúde. O que teria levado o Presidente a agir de forma tão insensata e com absoluta falta de empatia?
Não podemos perder de vista que a vacina busca imunizar contra um vírus que já ceifou centenas de milhares de brasileiros. Não se está em jogo ideologias ou posições políticas, mas sim a saúde de 210 milhões de pessoas, que não podem ficar alijadas dessa proteção por capricho de um governante.
Retomando a pergunta: o que levou o presidente a tomar uma medida anti-vacina chinesa?
Para entender a fala do presidente há que ter em mente as eleições presidenciais de 2022. Nesse momento, o político que desponta como rival na disputa presidencial é o governador de São Paulo. Mas, o que isso tem a ver com a vacina chinesa? Tudo! Quem firmou, inicialmente, acordo com a empresa Sinovac foi o governo do Estado de São Paulo, com objetivo de desenvolver a vacina no Instutito Butatan. Portanto, na visão dos apoiadores de Bolsonaro, o sucesso da “CoronaVac” seria um incremento político substancial para João Doria Júnior (Governador de São Paulo). Diante disso, o presidente ficou “mordido” e declarou que não fará acordo algum com o governador paulista.
Todavia, o Presidente esquece o compromisso assinado era com o maior Instituto da América Latina e maior fornecedor de vacinas para o ministério da Sáude e não com o governo do Estado de São Paulo. Além disso, esquece que o Ministro da Saúde objetivava a salvaguarda das vidas dos brasileiros, que foi escanteada, descaradamente, por Bolsonaro.
A indignação com a fala do presidente se reverberou entre os governadores. O Governador do Maranhão Flavio Dino, um dos políticos mais sensatos do país, destacou que o Instituto Butantan é “patrimônio do povo brasileiro, fundado há mais de 100 anos, e merece respeito”. O Chefe do Executivo pernambucano, Paulo Câmara, declarou que “a influência de qualquer ideologia em temas fundamentais, como a saúde, só prejudica a população”. O Governador gaúcho Eduardo Leite asseverou que “a escolha da vacina “deve ser eminentemente técnica, e não política” e seguiu apontando “que deve ser observado é a condição de segurança, a viabilidade técnica e também a agilidade para disponibilizar a população”. Renato Casagrande, governador do Espírito Santo, foi mais um a se posicionar nesse sentido ao pontuar que “não há espaço para discussão sobre assuntos eleitorais ou ideológicos“. Camilo Santana governador do Ceará disse que “não se pode jamais colocar posições ideológicas acima da preservação de vidas“. Fátima Bezerra, governadora do Rio Grande do Norte declarou que o “povo brasileiro não pode e não deve aceitar é retrocesso! Que prevaleça a união e a responsabilidade com a defesa e a saúde das pessoas. E que o que foi pactuado ontem (terça) seja assegurado, que é a vacina gratuita para todas e todos os brasileiros“.
Presidente, negar o acesso amplo a uma vacina que poderá salvar a vida de milhões de brasileiros, em defesa de um proselitismo político barato, é crime contra a humanidade.
Como se define um crime contra a humanidade? O Saudoso Professor Luiz Flavio Gomes esclarece no seguinte sentido: “por força dos Princípios citados são crimes contra a humanidade: o assassinato, o extermínio, a escravidão, a deportação e qualquer outro ato desumano contra a população civil, ou a perseguição por motivos religiosos, raciais ou políticos, quando esses atos ou perseguições ocorram em conexão com qualquer crime contra a paz ou em qualquer crime de guerra”.
O Estatuto de Roma, internalizado no ordenamento jurídico brasileiro pelo Decreto nº 4.388, de 25 de setembro de 2002, em seu artigo 7º estabelece um rol exemplificativo dos crimes contra a humanidade e no parágrafo 1, alínea “k”, descreve a conduta típica na espécie: “Outros atos desumanos de caráter semelhante, que causem intencionalmente grande sofrimento, ou afetem gravemente a integridade física ou a saúde física ou mental”. Não há dúvida que negar, intencionalmente, aos milhões de brasileiros o acesso a imunização ao vírus, pode sim configurar o crime contra a humanidade.
Agora cabe ao presidente saber se quer passar para a história como “tolo” ou “sábio”!
Por fim, vale ressaltar essa passagem da carta de São Pedro: “I São Pedro 5:5 (…) revesti-vos de humildade; porque Deus resiste aos soberbos, mas dá a sua graça aos humildes (Pr 3,34)”.
Marcelo Aith é advogado especialista em Direito Público e professor convidado da Escola Paulista de Direito