Alianças profanas impulsionam a agricultura digital
Por Cintia Leitão de Souza
A palavra profano vem do latim Profanus e é oriunda da junção de duas palavras: para o e fanum que significam, literalmente “diante do templo”. Historicamente utilizada como representação de algo que não é sagrado ou fora dos padrões, o termo era visto até então como pejorativo. No cenário atual de velocidade das mudanças exponenciais, o termo ganha nova conotação e notoriedade. Profano ganha então a roupagem de tudo o que gera valor em ecossistemas de negócios, sendo fora dos padrões tradicionais ou de negócios naturalmente complementares.
Grande parte das empresas se sente confortável em trabalhar com organizações e fornecedores tradicionais ou similares à sua indústria ou tipo de negócio. Tem sido assim ao longo da evolução da sociedade. Empresas farmacêuticas trabalham em parceria com empresas biomédicas, empresas automotivas trabalham com montadoras e assim por diante. O ser humano é assim. Costuma buscar conforto no que é conhecido e tradicional. Os iguais tendem a escolher os iguais e as alianças tendem a seguir no padrão do mesmo propósito.
Segundo Peter H. Diamandis, presidente executivo da Singularity University, as empresas devem começar a criar “alianças profanas”. Devem começar a construir alianças com empresas que estejam completamente fora do seu campo de negócio ou ramo de atuação, mas que sejam capazes de enriquecer ecossistemas. As empresas e pessoas precisam de pensamentos não ortodoxos que os forcem a pensar de forma perpendicular à sua estratégia e cadeia de valor existentes. É preciso desconstruir para construir o novo, repensado e diferente. É assim que nascerá a inovação exponencial.
De acordo com uma pesquisa realizada pela Olin School of Business dos Estados Unidos, 40% das empresas que estão listadas hoje na Fortune500 deixarão de existir até 2025. Para que consigam se reinventar, estas organizações deverão buscar saídas inovadoras. Talvez uma das saídas mais importantes seja incentivar que as pessoas, dentro das próprias organizações, se tornem “unlokers” – o termo em inglês que traduz as pessoas que auxiliam a destravar as ideias inovadoras. São pessoas atentas às mudanças, que implementam negócios digitais de alta performance e que conseguem manter a eficiência dos negócios sem deixar de lado a inovação e disrupção. Em português, são os intraempreendedores ou intrainovadores. Tocam os negócios atuais com o olho no futuro e na disrupção.
Costumo debater com muita frequência sobre a necessidade das mudanças digitais no agronegócio, área onde atuo há mais de 14 anos. Quando falamos ou pensamos em transformação digital no agronegócio brasileiro, não podemos nos furtar à urgente necessidade de evolução de infraestrutura de conectividade e ainda de telecomunicação no país. Temos sérios problemas estruturais a serem superados através de investimentos públicos e privados. Sem o investimento e a resolução destes problemas pouco se fará em relação à transformação digital no agronegócio. São as alianças profanas que viabilizarão que o agronegócio 4.0 aconteça em um curto espaço de tempo. E encurtar o espaço de tempo é necessário em função da rapidez com que as mudanças acontecem.
Inclusão
Imaginemos uma pirâmide onde a infraestrutura é a base e o alicerce para toda e qualquer transformação digital. É através da infraestrutura de cabos, sensores, e satélites que poderemos evoluir para que a conectividade aconteça e se estenda às mais diversas regiões do país. A camada de conectividade da pirâmide não acontece sem a base de infraestrutura esteja instalada e funcionando. Acima da conectividade vem a integração e conexão de dados. De todo e qualquer tipo de dado disponível através dos órgãos públicos ligados à agropecuária e também os dados coletados através de sensores, tablets, smartphones ou máquinas utilizadas nas fazendas. Com os dados conectados, evoluímos para a camada de gestão. Nesta camada é a adoção de sistemas de gestão que fará com que as transformações aconteçam. Os softwares conectam os dados e geram informações em tempo real para que as tomadas de decisões sejam baseadas em análises de performance eficientes. São as decisões baseadas em Analytics. Porém, toda esta organização piramidal de transformação digital do agronegócio ainda não acontecerá se não for trabalhada a inclusão digital. É preciso que as pessoas saibam operar os sistemas e entendam os dados extraídos e organizados por eles.
Esta transformação digital não acontecerá da noite para o dia e sem esforço. Acreditamos e fomentamos as “alianças profanas”. Acreditamos que elas são fator decisivo da mudança digital no agronegócio brasileiro. Precisamos nos unir. Empresas de tecnologia com empresas de telecomunicação, com a indústrias de máquinas, IoT, institutos de pesquisa, de educação, pulverização, com agências públicas e privadas, bancos, ONGS, enfim, tantas e quantas empresas estejam dispostas a fomentar a inovação exponencial e que não queiram ficar inertes linearmente ao passar do tempo. A transformação digital do agronegócio é real, mas a grande mudança ainda está por vir.
*Cintia Leitão de Souza é diretora de Agronegócio da Senior Sistemas