1

Diocese de Assis

 

Ouvimos falar, constantemente, sobre liturgia. Mas, o que é liturgia!?

A chave de compreensão da liturgia como lugar de encontro homem-Deus-homem é a MEMÓRIA. Não como simples lembrança de algo que já passou e não volta mais. Como algo vivo que continua nos movendo e dirigindo. Estamos falando de memória como ato de Re-cordar, Re-lembrar, Re-tomar, Re-ver, Re-viver, Re-atualizar, Re-fazer, Re-aver…

Memória, em liturgia, não se trata de um mero exercício mental; de uma capacidade intelectual.  Trata-se, outrossim, de uma reabilitação da experiência em termos vivenciais feita através de gestos, símbolos, palavras…  No âmbito da fé, até as coisas que parecem mais insignificantes ganham importância e sentido.

A liturgia é exatamente isso, a reatualização de uma experiência vivida, como se estivesse acontecendo exatamente naquele instante, comigo dentro.

A razão desta simultaneidade são as experiências fundantes da fé.

Passemos em revista as grandes experiências bíblicas que fundaram e refundaram a vida litúrgica das comunidades sendo, por sua própria força, um divisor de águas, marcando um antes e um depois da sua existência.

ÊXODO: Escravidão (força de trabalho)  ð Libertação ð Terra Prometida ð Seder Pascal (Ceia Pascal – memória)

O que chamamos de Êxodo é a libertação do povo de Deus que era escravo no Egito. Ligadas a isso estão a caminhada do povo pelo deserto, a festa da Páscoa, a celebração da Aliança com Deus, os Mandamentos recebidos no nome Sinal, a fuga do Egito e a experiência do deserto. Tudo isso está nos livros do Êxodo, Números, Deuteronômio, Levítico. Mas, a toda hora a Bíblia se refere a esses acontecimentos.

Até mesmo no Novo Testamento, o evangelista Mateus apresenta Jesus como um novo Moisés e a Páscoa dos cristãos, a culminância da libertação que era celebrada pelos judeus lembrando a saída do Egito.

EXÍLIO: Expropriação (Terra/Lei/Templo) ð Repatriação ð Reconstrução do Templo ð Circuncisão (pertença – memória ).

O Exílio foi a experiência dolorosa que o povo passou quando se viu expulso de sua terra, obrigado a sobreviver numa cultura diferente. O Êxodo e o Exílio são lembrados em muitos Salmos (Sl 137).  É o povo que reza cantando a história da interferência de Deus na sua vida. Profetas também falam disso e contam de novo os fatos. O mesmo faz o livro da Sabedoria (a respeito do Êxodo) e o livro das lamentações (a respeito da Exílio).

RESSURREIÇÃO: Anúncio (promessa) e Nascimento ð Missão ð Paixão-Morte-Ressurreição ð Eucaristia (páscoa – memória – 1Cor 11,17-26)

Durante muito tempo não havia nada escrito sobre Jesus, só havia a forte impressão deixada por ele nas pessoas que o conheceram. E essa impressão ganha novo sentido com a morte e ressurreição de Cristo.  Foi essa  experiência que provocou nas pessoas uma resposta diferente para a pergunta: Quem é esse Jesus de Nazaré? Por isso, a morte e ressurreição de Jesus são um tema que volta sempre nas cartas de Paulo e no Apocalipse.

NASCIMENTO DA IGREJA: Pentecostes ð Ensinamento dos Apóstolos/Comunhão Fraterna/Fração do Pão/Oração ð Comunidade (corpo místico – memória (At 2,42-47; 1Cor 12,4-31)

A Igreja que nasce em Pentecostes é que produz todos os livros do Novo Testamento, que só começaram a ser escritos muitos anos depois da morte de Jesus.  O que foi escrito é o que foi recordado e vivenciado com Jesus e a partir de Jesus

LITURGIA, a partir dessas considerações é: a reatualização da vida, compreendida dentro dos mistérios da fé – a Paixão, Morte e Ressurreição de Jesus – ritualizada através de gestos, símbolos, sinais, palavras e ações, para ser celebrada.

PE. EDIVALDO PEREIRA DOS SANTOS 




Diocese de Assis

 

A canção infantil nos diz que ela bota ovo amarelinho. Uma pepita de ouro por dia! Envolta na mais pura clara, qual néctar dos deuses, sua gema brilha tanto quanto o ouro mais puro das minas de Salomão. Parece conto infantil, mas é pura realidade. Num mundo globalizado, onde tudo o que acontece no quintal alheio chega ao conhecimento de todos, até os ovos da pobre galinácea que cisca seus entulhos é capaz de nos despertar a cobiça. Porque os melhores ovos estão no quintal vizinho e não no nosso?

Vivemos tempos de ganância e cobiça extremas. Se o tênis do amigo tem uma estrela a mais, um milímetro de sofisticação e tecnologia lhe altera o valor, o meu tem que ser melhor. Se a grife que o outro usa é mercadologicamente melhor, hei de encontrar outra mais rara, mais cara. Se o perfume lhe marca a presença pela exclusividade do aroma, o meu há de ser tão ou mais personificado que anunciará minha presença antes mesmo de estar presente. Se o carro que me veste (sim, carro hoje é indumentária) não despertar maiores exclamações estará chegada a hora de substituí-lo por outro mais moderno. Nossos referenciais ultrapassaram a beleza da simplicidade que veste os corações mais puros. Já não sou eu quem vive, é o mundo que vive em mim. Ser e ter estão na essência da moda e do consumo que nos alimenta. Nada seremos sem o peso dessas medidas de sucesso.

Paradoxalmente, não é essa a essência da vida. Há mais riquezas onde a sofisticação escasseia. O excesso tecnológico dos dias atuais, muitas vezes, nos faz recordar com lirismo os dias passados. Quem nunca aspirou pela simplicidade. Pela objetividade da comunicação via correio – tinha até os “elegantes” que torpedeavam corações apaixonados – do simples botão dial de nossos velhos aparelhos eletrônicos, do velho coador de pano que simplesmente coava, sem apitos, sem desperdícios; do feijão sem inflação, do “amarelinho” da carijó, direto do produtor ao consumidor. Mas saudade não põe a mesa. Todavia, inveja ainda mata Abel.

Sinto claramente a intensificação desse crime fraticida. O excesso de conforto está matando o respeito ao que é do outro. A inveja tornou-se grande aliada da ambição pessoal. Até no campo sentimental, cobiça ao que não nos pertence torna-se um desafio que bem alimenta o orgulho pessoal, esse que só sabe desrespeitar vitórias e conquistas que não sejam próprias. Mata-se não só fisicamente, mas moral, espiritual e até sentimentalmente o outro, porque aquilo que desejamos só se conquista com a derrota, a usurpação, a eliminação do outro que trilha um mesmo caminho nosso. A competitividade toma conta. A esportividade já não é esporte, mas guerra! Nesse jogo, que vença o melhor, que brilhe o mais esperto, que o pódio seja do mais poderoso, aquele que é forte porque pode, mas por dentro é tão fraco quanto banana podre, vazio como ovo choco, gorado. Belo por fora, fétido por dentro!

Em tempos de competições, que se reavaliem nossos jogos de vida. Ou de morte. As conquistas do vizinho são dele. As nossas talvez lhes despertem admirações tanto quanto admiramos e aplaudimos as dele. Essa reciprocidade é a alegria que nos falta numa sociedade estritamente materialista e consumista. Não se deixe instrumentalizar pela ambição sem medidas. Somos mais que meros competidores. Somos iguais, mas distintamente diferentes nos sonhos, na ambição, no instinto de reconhecer nossos méritos e respeitar os méritos do outro. “Ó abismo de riqueza, de sabedoria e de ciência em Deus! Quão impenetráveis são os seus juízos e inexploráveis os seus caminhos!” (Rom 11,33).  

WAGNER PEDRO MENEZES [email protected]




Diocese de Assis

 

 

Num tempo de tantos mestres e doutores, qual o verdadeiro mestre? Que mestre devemos seguir? Com saber se estamos sendo formados ou deformados? Como evitar a enganação e os oportunismos? Como escapar do conhecimento que é fanatismo e obsessão? Como superar a “mesmice” e o indiferentismo?

Um só Mestre! É preciso dizer sem demora que Jesus é o único, o verdadeiro e o insubstituível Mestre. É ele mesmo quem diz: “Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida. Ninguém vai ao Pai, senão por mim!” (Jo 14, 6). Ele é o mestre da vida que dá a própria vida pela nossa. Por isso, “quanto a vocês, nunca se deixem chamar de mestres, pois um só é o Mestre de vocês e, todos vocês são irmãos” (Mt 23,8).

Prudentes e sem malícia. As nossas inquietações são justas, mas, as vezes, as respostas que procuramos e esperamos são verdadeiras armadilhas. Ao invés de um caminho e de uma direção, vivemos encurralados, num beco sem saídas. O medo de voltar atrás, de recomeçar, de perder, de correr riscos, de confrontos e frustrações, nos empurram ao conformismo destruidor, fazendo-nos acomodar à solução mais fácil: ficar aqui mesmo para não sofrer mais. A este respeito o Evangelho é bem claro: “Tomem cuidado com o fermento dos fariseus que é a hipocrisia” (Lc 12,1).  E acrescenta: “Sejam prudentes como as serpentes, mas sem malícia como as pombas” (Mt 10,16).

Sem discernimento não se vai longe. A falta de discernimento daquilo que é bom e verdadeiro, nos coloca diante de situações de risco, e, a nossa vida vai perdendo o seu sentido. De tal sorte que, o nosso conhecimento servirá, mais como corda ao nosso pescoço do que como sandálias aos nossos pés. “Vai chegar o tempo em que não se suportará mais a doutrina; pelo contrário, com a comichão de ouvir alguma coisa, os homens se rodearão de mestres ao seu bel-prazer. Desviarão seus ouvidos da verdade e os orientarão para as fábulas” (2Tm 4,3-4).

Síndrome de onipotência.

Ninguém é perfeito e detentor de toda a verdade. Ninguém atingiu o grau definitivo de mudança e conversão. Todos nós estamos a caminho. O fato de termos uma experiência a mais ou de termos atingido um grau maior de conhecimento, de descoberta e de mudança, não significa que estamos em melhor posição do que os outros. Todos nós estamos em processo e a caminho. Se não houver humildade não haverá mudança. Se não houver confiança, não haverá entrega. Se não mudança, não haverá conversão. Os que não se permitem à obra de Deus não veem a salvação que vem de Deus porque vivem da própria onipotência como síndrome. Abaixo os autossuficientes e os orgulhosos!

Tagarelas e Papagaios. Diz o ditado que: “peixe morre pela boca”. Neste sentido, nossa falta de critério quando falamos, afirmamos ou proclamamos algo, nos coloca diante de complicações. Nem tudo o que ouvimos devemos reproduzir como verdade. O apego a algumas “verdades” que ouvimos ou aprendemos em certa ocasião, demonstra muito mais a fraqueza do que a força das pessoas. Se ficamos agarrados às palavras, mesmo as mais sábias, sem a força do exemplo é porque não sabemos o que fazer com a vida. Nesse sentido, alguns se destacam como bons tagarelas e papagaios.

Finalidade do Conhecimento. A finalidade objetiva do conhecimento é “o amor, que procede de um coração puro, de uma boa consciência e de uma fé sem hipocrisia. Alguns já se desviaram desta linha e se perderam num palavreado inútil; pretendem se passar por doutores da lei, mas não sabem nem o que dizem e nem o que afirmam tão fortemente” (1Tm 1,5-7).

Atitude: vigilância! Liberdade em Cristo: “Cuidado para que ninguém escravize vocês através de filosofias enganosas e vãs, de acordo com tradições humanas, que se baseiam nos elementos do mundo e não em Cristo” (Cl 2,8). Fé imbatível: “O Espírito diz claramente que nos últimos tempos alguns renegarão a fé, para dar atenção a espíritos sedutores e doutrinas demoníacas” (1Tm 4,1). Esperança do céu: “Rejeite, porém, as fábulas ímpias, coisas de pessoas caducas. Exercite-se na piedade (…) a piedade é proveitosa para tudo, pois contém a promessa da vida presente e futura” (1Tm 4,7-8).

Se é para seguir como discípulo, que não seja atrás de ‘qualquer mestre’!

PE. EDIVALDO PEREIRA DOS SANTOS




Diocese de Assis

 

É isso mesmo. Por mais estranho que o título lhe pareça, essa é a situação de muitos cristãos no mundo. Estão órfãos! E, o pior, por opção pessoal. Abandonaram a mãe que têm. Digo mais: cristão sem Maria não pode se dizer cristão, membro da família de Cristo. Portanto, não existe. Pronto: disse tudo o que estava entalado, que oprimia meu coração mariano. E, do outro lado, posso ouvir nitidamente: lá vem outro católico defender Maria. Que o digam, pois é isso mesmo!

Então, se você se arrisca em continuar nessa leitura, nada mais oportuno do que seguir uma narrativa bíblica. Está lá, em Lucas (1,39-56) e nos relata a visita de Maria a Isabel. Ocorre que a prima dileta de Maria estava grávida, já no sexto mês, apesar da idade avançada. Maria, menina ainda (alguns dizem ter ela mais ou menos 15, 16 anos), quase que num ato de confirmação do milagre que o anjo lhe anunciara, subiu às pressas as montanhas e seus olhos puderam ver o que seu coração já dizia: para Deus nada é impossível. De fato, o menino no ventre de Isabel pulou de alegria ao sentir a presença do primo que chegava. De fato, as palavras de alegria que selaram aquele encontro não poderiam ser outras: “Bendita és tu entre as mulheres e bendito é o fruto do teu ventre”. Mil vezes bendita, mil vezes bendito! A mãe do Senhor se dignou visitar a mãe do precursor, aquele que iria preparar os caminhos de um novo tempo, que iria realizar as promessas anunciadas pelo anjo e confirmadas também no ventre da idosa Isabel.

Então, a alegria transbordante de Maria não mais tem palavras que exprimam sua intensidade, sua gratidão pela confirmação do milagre. Maria, extasiada, não fala por si. Ao contrário, prostra-se diante da grandiosidade divina, e reza. Profere palavras bíblicas que bem conhece e que seu coração faz transbordar naquele instante. O magnificat espelha a magnificência de Deus e a magnitude do milagre que se opera em seu ventre: “Minha alma glorifica o Senhor”. Explode seu coração. Aos borbotões, Maria despeja vários Salmos que a alegria daquele momento tenta descrever com fidelidade. Até trechos do profeta Isaias são lembrados naquela oração porque seu Deus “olhou para a humildade de sua serva”, aquela que, desde então, seria proclamada “bem-aventurada por todas as gerações”, porque “sua misericórdia se estende sobre os que o temem”. Bendita mulher através da qual  Deus manifestou “o poder de seu braço, derrubou dos tronos os poderosos, exaltou os humildes, saciou os indigentes e despediu os ricos de mãos vazias”. Bendita mulher a quem muitos hoje podem repetir a saudação da própria Isabel: “Donde me vem esta honra de vir a mim a mãe do meu Senhor?”

Se Maria não teve palavras para justificar ou mesmo explicar o tamanho do milagre que se operou em seu ventre, quem somos nós para não valorizar essa maternidade em nossas crenças? Se o próprio Cristo seguiu seus conselhos, cresceu “em graça e sabedoria” diante dela, pediu-lhe a bênção filial, beijou suas mãos com reverência, obedeceu às suas ordens, seremos melhores que Ele? Quão doce para Maria era ouvir Jesus a lhe chamar: “Mãe!” E a nos dizer, um dia, através de João a nos representar diante da cruz: “Eis aí a tua Mãe!”

WAGNER PEDRO MENEZES [email protected]




Diocese de Assis

 

A cena é quase surreal, mas também cômica. Alta madrugada. Escuridão total. Cansados de lutarem contra ondas agitadas e vento impetuoso, faziam a travessia contrariados, mas determinados a alcançar a outra margem, conforme ordens recebidas. De repente, o horizonte riscado por um relâmpago se torna tenebroso e ameaçador. Raios triscam sobre suas cabeças e o vento sopra cada vez mais forte. Está difícil controlar a embarcação e o medo toma conta dos indefesos tripulantes. Eis que, entre um relâmpago e outro, surge no horizonte a silhueta de um homem… um homem caminhando tranquilamente sobre as ondas, seguindo em direção a eles.

– “É um fantasma!” , gritam quase em uníssono.

Mas o “fantasma” continua sua caminhada sobre as águas. Vem até eles a passos firmes, enquanto a tripulação em polvorosa solta gritos de terror.

– “Tranquilizai-vos, sou eu, não tenhais medo!”

O “fantasma” se dá a conhecer. Jesus não só acalma seus temerosos discípulos, como também desafia um deles.

– “Vem!”.

Tinha que ser Pedro, o impulsivo Pedro! Dá seus primeiros passos sobre as ondas, mas logo cai na realidade e afunda como pedra, a pedra que sempre foi. Certamente, a gargalhada foi geral. Não só pelo alívio de se sentirem são e salvos ao lado de Jesus, como também por se verem e se sentirem ridicularizados diante da observação e advertência do Mestre: “Homem de pouca fé, por que duvidaste?” Não só Pedro, mas todos ali se deixaram ruborizar diante dessa afirmativa.

Nesse barco estamos nós, todos nós. Basta um pequeno solavanco ou um sinal mal interpretado que nos interpele nas noites escuras, para demonstrarmos nossa fé sem raízes, nossa fragilidade limitada pela lógica terrena, para ressuscitarmos os fantasmas adormecidos em nossa racionalidade humana e insegura. Quantos fantasmas rondam nossa fé, atormentam nossos corações, põem à pique nossa integridade espiritual? Tal qual crianças insones com medo da escuridão, que se aterrorizam com a própria sombra ou a canção de uma brisa amena em suas janelas, o sussurrar suave de uma pobre coruja sobre seu telhado… Qualquer sinal, mal definido numa madrugada da vida, é tudo, menos Jesus que vem ao nosso encontro. Essa é nossa fé pequena, agindo em nosso inconsciente. Enquanto isso, a outra margem nos acena com a segurança de uma vida renovada, livre das ameaças de uma travessia difícil e ameaçadora à integridade que sonhamos. Essa é nossa travessia; esse é o barco que nos abriga, conquanto quem nos incentiva a alcançar o outro lado, a margem oposta, apenas nos diz: “Vêm, não tenham medo!”.        

WAGNER PEDRO MENEZES [email protected]

 




Diocese de Assis

 

Quantas vezes descobrimos um lugar ameno e aprazível e ali desejamos ficar por mais tempo? Ou a companhia de uma pessoa agradável cuja presença é capaz de nos fazer esquecer o tempo, qualquer outro compromisso ou atividade, para simplesmente aproveitarmos ao máximo a sua companhia? Diria até serem raros esses momentos no afã diário em que hoje vivemos. Mas são acontecimentos pelos quais todos passamos ou passaremos apesar de tudo. Momentos como daqueles apóstolos que um dia subiram uma alta montanha e lá contemplaram a verdadeira face de quem os convidou para aquele passeio. Jesus se revelou transfigurado, com o rosto brilhante e as vestes revestidas de luz. A visão, ao lado de Moisés e Elias, foi um momento de revelação tão grandioso que os três acompanhantes desejaram acampar por lá mesmo, não mais voltar para a realidade de um mundo sempre atribulado e sem a compreensão dos mistérios e da preciosidade que cercava a vida daquele Mestre. “Senhor, é bom ficarmos aqui”.

O encontro com a verdade provoca transformações, transfigura a imagem estereotipada que muitas vezes temos de Cristo e sua Igreja. Não é algo que se possa descrever com palavras simples e objetivas, mas uma experiência pessoal, que só o indivíduo em confronto com a crueldade dos homens ou a transitoriedade do mundo é capaz de compreender e assimilar para sempre em sua vida. O encontro e o confronto com a vida espiritual é o grande milagre que uma conversão suada, sincera, reveladora provoca nas pessoas agraciadas com essa revelação. São também elas transfiguradas com Cristo. O Amor ali presente é capaz de repetir o milagre e transformar a vida de muitos incrédulos. É o momento de um encontro com Deus.

Na tradição hebraica uma montanha era sempre local da morada de Deus. Por isso os grandes orantes sempre subiam o morro, a montanha. Por isso, Moisés num deles recebeu os mandamentos divinos. E Jesus, seguindo a tradição, sempre buscava um desses locais para se por em sintonia com o Pai. Quando não, ao menos um local ermo, um horto ou mesmo o deserto se constituíam em tabernáculo de oração para nosso Mestre. O importante era o afastamento, isolar-se momentaneamente para melhor sintonia com sua essência espiritual. Eis aqui uma bela lição de como deve ser esse nosso momento de encontro com Deus: construir por primeiro um “afastamento” dos nossos conflitos e tribulações cotidianas, para melhor sintonia com os planos e bênçãos divinas em nossas vidas. A oração comunitária – a que mais facilmente fazemos por força de hábito – tem seu valor de intercessão e unidade  – , mas é a oração pessoal, cara a cara, tet a tet , a que melhor preenche nossas carências espirituais. Nesse encontro Jesus se nos apresenta transfigurado e nos encoraja a vencer os grandes desafios que a vida nos apresenta: “Levantai-vos e não tenhais medo”.

Orar, portanto, é subir as montanhas dos nossos dilemas, contemplar o horto das ilusões terrenas, inserir-se no deserto das falsas miragens, isolar-se e esvaziar-se da realidade que sufoca nossas almas, para só então contemplar a face serena e transbordante do Amor verdadeiro. Orar é ouvir a voz de Deus que nos chama e nos clama por reciprocidade: “Este é meu filho amado, no qual  eu pus todo o meu agrado” (Mt 17,5). Como outros cristos no mundo, poderemos também nos transfigurar em filho ou filha diletos do Pai. Basta encontra-lo através da oração. Subir e descer as montanhas que nos separam.

WAGNER PEDRO MENEZES [email protected]

 

 




Diocese de Assis

Tudo é de Deus e leva a marca e o selo de autenticidade do Criador.

Criatividade e originalidade são as marcas de sua obra. Nada igual: tudo único e irrepetível. Não existe rascunho, nem forma, nem cópia!

Porque tudo é de Deus, tudo é sagrado e bendito; tudo é bem feito e bonito; tudo é mistério infinito; tudo é bom!

É esta a expressão bíblica que caracteriza o final de cada dia da criação: “e Deus viu que era bom!” Quando da criação do ser humano, no sexto dia, a expressão ganha uma ênfase de intensidade: “e Deus viu tudo o que havia feito, e tudo era muito bom” (Gn 1,31).

A obra de Deus não para. Deus continua trabalhando, com as próprias mãos. Agora, não para criar originalidades; elas já existem, estão ai, e, são completas. Embora deterioradas, exploradas e mal tratadas por nós.

Agora, o trabalho de Deus se concentra na restauração do homem…

A melhor obra de Deus precisa de ajustes diários e permanentes; precisa de obediência e correção; precisa de disciplina e conversão; precisa de virtude e direção; precisa de recomeço e perdão; precisa de amor e comunhão; precisa de santidade e libertação; precisa de fé e salvação; precisa de vida nova e ressurreição.

O que teria acontecido com a melhor obra de Deus?

Por que toda a originalidade das coisas permanecem completas e a do ser humano não? Por que é preciso ajustes diários e permanentes? Teria Deus falhado em alguma coisa?

Nada de errado na criação do ser humano.

Tudo está de acordo com o plano original da criação: a melhor obra do Deus Criador estará, sempre, em suas mãos. Quem foi feito à imagem e semelhança do Criador e, recebeu do seu Espírito, precisa de retoques permanentes em vista desta verdade.

Isso não fere, em nada, a liberdade que o próprio Deus Criador imprimiu na consciência e garantiu na essência humana. Pelo contrário é em vista desta liberdade, sempre ameaçada pelo pecado que, o Deus criador recria, incessantemente. Assim nos lembra São Paulo na carta aos Gálatas: “Cristo nos libertou para que sejamos verdadeiramente livres. Portanto, sejam firmes e não se submetam de novo ao jugo da escravidão” (Gl 5,1).

São Propósitos do Criador:

Jeremias 18,1-6: “Palavra que Javé dirigiu a Jeremias: ‘Levante-se e desça até a casa do oleiro; aí eu comunicarei minha palavra a você’. Desci até a casa do oleiro e o encontrei fazendo um objeto no torno. O objeto que ele estava fazendo se deformou, mas ele aproveitou o barro e fez outro objeto, conforme lhe pareceu melhor. Então veio a mim a palavra de Javé: Por acaso será que não posso fazer com vocês, ó casa de Israel, da mesma forma como agiu esse oleiro? – oráculo de Javé. Como barro nas mãos do oleiro, assim estão vocês em minhas mãos, ó casa de Israel.”

Isaías 49,14-16: “Sião dizia: ‘Javé me abandonou, o Senhor me esqueceu!’ Mas pode a mãe se esquecer do seu nenê, pode ela deixar de ter amor pelo filho de suas entranhas? Ainda que ela se esqueça, eu não me esquecerei de você. Veja! Eu tatuei você na palma da minha mão; suas muralhas estão sempre diante de mim.”

Isaías 44,2-5: “Assim diz Javé, que o fez, que o formou no ventre e o auxilia: Não tenha medo, meu servo Jacó, meu querido, meu escolhido. Vou derramar água no chão seco e córregos na terra seca; vou derramar meu espírito sobre seus filhos e a minha bênção sobre seus descendentes. Crescerão como planta junto à fonte, como árvores na beira dos córregos. Um vai dizer: ‘Eu pertenço a Javé’. Outro se chamará com o nome de Jacó; outro ainda escreverá na palma da mão: ‘De Javé’. E como sobrenome tomará o nome de Israel.”

Porque tudo é de Deus, Ele cuida!

PE. EDIVALDO PEREIRA DOS SANTOS




Diocese de Assis

 

Quem nunca assistiu a um filme, documentário ou mesmo peça teatral que versasse sobre uma caça a um tesouro perdido? Nunca leu um livro a respeito? Um gibi que fosse? O tema, por mais ilusório que possa ser, cativa a todos e nos faz viajar em aventuras mil, inimagináveis, fantasiosas. Todos temos, dentro de nós, esse espírito aventureiro, criativo e sonhador, capaz de despertar-nos para a conquista de tesouros infinitamente preciosos, riquezas fáceis, segurança permanente. Então vem Jesus e sopra em nossos ouvidos: “O Reino dos Céus e como um tesouro escondido” (Mt 13,44). Eureka, simples assim!

Não tão simples. A curta afirmativa tem também seus mistérios e critérios para encontra-lo. Primeiramente não se trata de uma riqueza terrena, tangível, palpável, mensurável nos critérios humanos. É um Reino. Possui também quem o rege, um rei soberano que tudo sabe, tudo pode e conduz seu reinado com o cetro do Amor, da Justiça, da Igualdade e Fraternidade entre seus súditos. É dos Céus. Portanto, foge de nossa realidade, onde nossa alegria muitas vezes se torna ilusória, passageira, momentânea. Nesse reinado o que impera é a alegria da descoberta de um novo tesouro, maior, mais precioso, infinitamente mais perene que qualquer outro conceito de riqueza e poder que um ser humano possa imaginar em vida.

Equivale a um tesouro. Algo tão precioso e gigantesco que a primeira reação de quem o descobre é ocultá-lo, não o revelar a mais ninguém. Mas a preciosidade dessa descoberta é contagiante, necessita de ser partilhada com mais pessoas ou ao menos com aquelas com as quais mais nos identificamos, temos vínculos de amizade, de parentesco, de sangue… Uma alegria que preenche nosso coração e explode em nossos poros, no simples ato da respiração que nos mantêm vivos, é impossível ser retida dentro de nós. Tal qual a definição inversa que o livro do Eclesiastes um dia nos fez: “Quem descobriu um amigo, descobriu um tesouro” (6,14). E Jesus, em seu discurso sobre o valor da amizade, evoca também a alegria dessa descoberta: “Digo-vos estas coisas para que a minha alegria esteja em vós, e a vossa alegria seja completa” (Jo 15,11).E conclui: “Vós sois meus amigos”.

Mas esse tesouro está oculto para aqueles que não lhe deram o devido valor. Triste realidade de grande maioria dos que viajam conosco na aventura da vida. São meros coadjuvantes duma história épica, real, sem falsas ilusões ou alegrias fugazes. Estamos aqui, todos com iguais condições de competividade e munidos dos mesmos recursos para o encontro definitivo com os louros de uma conquista, uma descoberta pessoal: para se descobrir esse tesouro é preciso corresponder à amizade com o Cristo, o soberano, o príncipe dos príncipes, o dono da vinha. Só Ele tem a chave desse Reino! Só Ele pode nos revelar os mistérios desse tesouro escondido!

Portanto, se a aventura da vida, da sua vida, ainda não lhe apresentou razões para ambicionar também as riquezas celestiais, cuidado! Você ainda não descobriu o valor imensurável das alegrias e bonanças que poderemos encontrar no outro lado dessa história.

WAGNER PEDRO MENEZES [email protected]




Diocese de Assis

Professar a fé não é, apenas, dizer: “Eu creio!” Nem, tão pouco, seguir todas as doutrinas da igreja; freqüentar, mesmo que; assiduamente, todas as reuniões e celebrações; não fazer nada de errado. Professar a fé é, também, isso. Mas, o núcleo da profissão de fé é reconhecer Deus como o absoluto de nossa vida e, em cujo Mistério encontra-se nossa totalidade, conforme diz o autor sagrado: “(…) pois é ele que dá a todos vida, respiração e tudo o mais. De um só homem, ele fez toda a raça humana para habitar sobre toda a face da terra, tendo fixado os tempos previamente estabelecidos e os limites de sua habitação. Assim fez, para que buscassem a Deus e para ver se o descobririam, ainda que fosse às apalpadelas. Ele não está longe de cada um de nós, pois nele vivemos, nos movemos e existimos” (Atos 17,24-28).

A fé, que nos permite uma vida total em Deus, sem deixarmos de ser humanos, nos aproxima, exatamente, daquele que se tornou humano para nos revelar nosso ser divino: Jesus Cristo, nosso Senhor.

Professar a fé é contemplar, dia-a-dia, o autor da vida como água na sede, alegria na tristeza, força no desalento, coragem na luta, esperança no fracasso, dom no talento, sabedoria na inteligência, vida na morte… tudo em todos.

Certa ocasião, “Jesus chegou à região de Cesaréia de Filipe, e perguntou aos seus discípulos: ‘Quem dizem os homens que é o Filho do Homem?’ Eles responderam: ‘Alguns dizem que é João Batista; outros, que é Elias; outros ainda, que é Jeremias, ou algum dos profetas.’ Então Jesus perguntou-lhes: ‘E vocês, quem dizem que eu sou?’ Simão Pedro respondeu: ‘Tu és o Messias, o Filho do Deus vivo.’ Jesus disse: ‘Você é feliz, Simão, filho de Jonas, porque não foi um ser humano que lhe revelou isso, mas o meu Pai que está no céu. Por isso eu lhe digo: você é Pedro, e sobre essa pedra construirei a minha Igreja, e o poder da morte nunca poderá vencê-la. Eu lhe darei as chaves do Reino do Céu, e o que você ligar na terra será ligado no céu, e o que você desligar na terra será desligado no céu.’ Jesus, então, ordenou aos discípulos que não dissessem a ninguém que ele era o Messias” (Mateus 16,13-20).

Assim se expressa o Carlos Alberto Contieri, sj, em seu comentário sobre esse trecho: “O relato da “profissão de fé de Pedro” encontra-se nos três evangelhos sinóticos. Certamente, o episódio retrata um momento de crise, pois, não obstante o ensinamento e tudo o que Jesus faz, os seus contemporâneos não são capazes de reconhecer a manifestação salvífica de Deus na pessoa de Jesus de Nazaré. O evangelho mostra que a dificuldade diz respeito não somente aos opositores de Jesus e à multidão, mas também aos seus próprios discípulos. É Jesus quem, em Cesareia de Felipe, faz a dupla pergunta aos seus discípulos: ‘quem dizem que eu sou? E vós quem dizeis que eu sou?’ Curiosamente, naquele lugar, prestava-se, no passado, culto ao deus Pan. É exatamente nesse lugar idólatra que os discípulos são desafiados por Jesus a professarem a fé num único Messias. A resposta à primeira pergunta remete simplesmente ao passado. As pessoas não vêm em Jesus a realização da promessa de Deus, nem o Messias prometido. A resposta de Pedro, expressão da fé de toda a Igreja, faz com que o leitor compreenda que o Messias deixou de ser objeto de uma promessa e esperança para adquirir um rosto concreto em Jesus de Nazaré. A rocha indestrutível sobre a qual a Igreja está construída é a fé de Pedro; é ela que sustenta a comunidade dos discípulos no seguimento de Jesus Cristo, o Senhor. Mas a profissão de fé de Simão Pedro não é fruto do esforço da razão. Ela é dom da revelação gratuita de Deus, prometida aos “pequeninos” (Mt 11,25). A primazia de Simão Pedro em relação aos demais discípulos vem do fato de ele professar com exatidão a fé cristã. O silêncio imposto por Jesus aos discípulos diz respeito à sua identidade como Messias. Esse silêncio tem um duplo significado: Jesus não pretende ser confundido com nenhuma das correntes messiânicas de sua época e, ao mesmo tempo, o silêncio oferece ao leitor do evangelho a oportunidade de ele mesmo responder a pergunta cristológica fundamental: Quem é Jesus?

Professemos a nossa fé!

PE. EDIVALDO PEREIRA DOS SANTOS




Diocese de Assis

 

Quando Jesus nos desafia a semear a boa semente, confia nos critérios do nosso trabalho. Sem arrogância, sem alardes, sem orgulho pessoal, mas com as responsabilidades de um trabalho bem feito. Sobretudo, acreditando que a obra da semeadura de Deus nunca será mérito nosso, mas propriedade exclusiva do Senhor da Messe, aquele que colhe os frutos do nosso trabalho evangelizador. O plantio é tarefa nossa, mas a colheita é daquele que nos forneceu as sementes… Portanto, no trabalho evangelizador somos meros figurantes. “O campo é o mundo; a colheita é o fim dos tempos; os ceifeiros são os anjos”…

Só não podemos deixar de semear, fazer nossa parte com os critérios da responsabilidade missionária que o batismo nos concedeu e nos obriga a exercer. Não há outro caminho para a prática de uma fé coerente. Ou evangelizamos, ou evangelizamos… O cristão está fadado a uma atuação permanente com a obra da semeadura divina, posto que a simples presença no meio em que vivemos provoca (ou deveria provocar) questionamentos, faz crescer a massa, levedar o fermento, brotar sementes de fé e esperança. Esse é o milagre que o Reino dos Céus provoca em nós. Por isso, a simplicidade das parábolas do Reino nos desaloja de um comodismo pessoal e nos envia como missionários (emissores, porta-vozes) de uma mensagem transformadora.

Foi o que me aconteceu quando assumi essa identidade missionária, esse trabalho aparentemente grandioso, mas extenuante e pouco compensatório se considerarmos a não contemplação dos frutos. Semeia-se, mas nada colhemos. Essa safra não é nossa. Os frutos não nos pertencem. Pois, bem! Em 1981 iniciei nova caminhada em minha vida, como leigo missionário. Minha estreia se deu na diocese de Jacarezinho – PR, onde lancei meu primeiro livro (Dona  Vida….) numa cerimônia bastante concorrida dentro de uma catedral lotada. Preparei com muito esmero o “discurso” daquela cerimônia. O padre que me recepcionava havia feito um bom trabalho de divulgação para aquele momento. Durante o trajeto até aquela cidade, fui repetindo tudo o que havia escrito em várias laudas datilografadas, com a Célia, minha esposa, corrigindo eventuais desvios do texto. Haveria de agradar, pensava! Mas, ao contemplar aquele público imenso, tremi na base. Suspirei fundo, ordenei pacientemente aquele calhamaço sobre o pedestal de leitura, contemplei a igreja lotada e iniciei minha leitura. Tudo ia razoavelmente bem, até que uma alma generosa percebeu o calor do ambiente e… ligou os ventiladores!

Imaginem a cena. Voou papel para todo lado. Por mais que meu desespero gritasse socorro, não pude impedir a revoada do meu “discurso”. Alguém tentou recuperá-lo, mas a ordem daquelas páginas já estava desfeita. Foi quando resolvi continuar sem o lastro de um texto preparado com critérios. Deixei falar meu coração. O improviso ganhou nexo. As palavras fluíam aos borbotões. O testemunho, a alegria, a descoberta de que ali estava não por vaidade pura e simples, mas para desempenhar uma missão sagrada, transformaram minhas palavras. Senti que tinha um público em minhas mãos e que o testemunho que lhes dava era coerente com minhas fragilidades e limitações, não com minhas aparências e dons intelectuais. Consegui aplausos. Não para minha oratória, nem para meus escritos, mas para Aquele que falou por mim.

Ao final, Pe. Zakir me abraçou com emoção, e sussurrou nos meus ouvidos: Ainda bem que ligaram os ventiladores!

WAGNER PEDRO MENEZES [email protected]