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Diocese de Assis

 

De ritos, costumes e leis o mundo está cheio. Povos e nações entulham suas populações com tradições arcaicas, preservando-as como costumes e dando-lhes valores há muito superados pela evolução, tecnologia ou mesmo novos conhecimentos. Muitos dos preceitos ainda respeitados por certas culturas ou heranças religiosas são hoje conceitos contrários a uma sociedade que evolui, que descobre novos caminhos e valores comportamentais. Mesmo assim, há valores imutáveis na história humana. Senão, vejamos…

Quando o povo de Deus iniciou sua caminhada libertadora, fugindo dos grilhões egípcios, foi preciso dar-lhes uma diretriz com normas e leis a serem seguidas. Moisés, depois de muita oração, desce o monte portando os dez mandamentos, dez leis suscintas e objetivas que lhes serviriam de estatutos disciplinares naquela longa caminhada. Do amor a Deus à fidelidade conjugal, do respeito à vida ao respeito às coisas alheias, aquele povo recebeu uma constituição cujo seguimento lhes daria liberdade e soberania em terras onde jorravam “leite e mel”. No entanto, quarenta longos anos foram necessários. Muitos ficaram pelo caminho e uma nova geração, nascida naquela caminhada, alcançou a Terra Prometida.

O povo eleito cresceu e se multiplicou. Tinham em mãos as tábuas da lei, acrescidas agora de muitas normas e adendos que a organização do povo exigiu ao longo dos anos. Extrapolaram. O zelo de seus governantes pecou pelo exagero, ao ponto de acrescentarem às dez leis divinas quase setecentas outras leis confusas e estapafúrdias. Algumas delas eram as normas comportamentais questionadas por Jesus, como “a maneira certa de lavar copos, jarras e vasilhas de cobre” ou o desrespeito à tradição judaica de não fazerem as purificações necessárias antes de qualquer refeição. Como exigir de um povo habitante de regiões desérticas ritos de higiene com água, quando a fome e a sede eram maiores? “De nada adianta o culto que me prestam, pois as doutrinas que ensinam são preceitos humanos. Vós abandonais o mandamento de Deus para seguir a tradição dos homens” – respondeu-lhes Jesus (Mc 7, 7-8).

Esse era o ponto. Uma questão de pureza ou impureza. Não só no asseio pessoal, mas igualmente na pureza da alma. De nada adiantava o cumprimento à risca de tantas normas e leis, se não houvesse um mínimo de pureza interior, aquela que respeita e faz valer a dignidade humana em sua plenitude, de corpo e de alma. Nesse ponto, Jesus é magnânimo: “Escutai, todos, e compreendei: o que torna impuro o homem não é o que entra nele vindo de fora, mas o que sai do seu interior” (Mc155,15). Pois os ritos e comportamentos farisaicos ainda são típicos de nossa sociedade de aparência e lisura comportamentais, não autenticamente fraternais. Estamos por demais apegados às aparências, ao supérfluo, quando a fé nos pede muito mais, além dos ritos, da tradição, dos preceitos comportamentais que rege uma sociedade de conduta dita civilizada. Se quisermos fazer valer a lei da fraternidade universal, o mandamento único e essencial que garante nossa posse na Terra Prometida, a civilização do Amor, basta um olhar mais atento para dentro de nós mesmos. No pulsar de um coração que renova nossas energias diárias está a fonte de todas as leis que nos regem, o amor.

WAGNER PEDRO MENEZES [email protected]

 




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Estamos às portas do mês de setembro!

E, você poderia me perguntar: “o que isso tem de novidade”?

E eu lhe responderia: “Nada! A não ser que este é o único setembro do ano de 2024, o que é óbvio; que nunca vamos ter um outro setembro de 2024, o que é outra obviedade; que o final de ano está próximo, que é mais óbvio ainda. Mas, não é tão obvio assim, que o seu 13º antes de chegar já está comprometido; que no próximo pleito podemos encontrar eleitores mais maduros; que a situação de crise ético-moral brasileira pode despertar os cristãos a serem menos omissos; que as prisões poderão ser, também, para os políticos e intocáveis do país; que os salários astronômicos no futebol inspirem uma revisão salarial responsável dos verdadeiros trabalhadores do Brasil; que o crime seja detido; que a honra do trabalho não se dobre ao dinheiro fácil…

Setembro, hoje, é, no mínimo, uma inquietação para todos nós!

Não dá para olhar para trás e, simplesmente, dizer: “não me lembro o que se passou” ou “o que passou não importa” ou, ainda “eu recupero nos próximos meses”.

O ano 2024 está, praticamente, no fim. Setembro é prova cabal disso.  E não adianta dizermos que o tempo está passando rápido demais. O tempo está correndo com a mesma velocidade de sempre. O tempo tem sua ordem e se movimenta no ritmo. O tempo não faz concessões de horas, nem de minutos, nem de segundos e muito menos de centésimos ou milésimos de segundos. Nós sim, estamos demasiado vagarosos.

É hora de reagirmos frente às exigências de um novo tempo!

“Desperte, você que está dormindo. Levante-se dentre os mortos, e Cristo o iluminará. Estejam atentos para a maneira como vocês vivem: não vivam como tolos, mas como homens sensatos, aproveitando o tempo presente, porque os dias são maus. Não sejam insensatos; ao contrário, procurem compreender a vontade do Senhor. Não se embriaguem com vinho, que leva para a libertinagem, mas busquem a plenitude do Espírito” (Efésios 5,14-18).

“Debaixo do céu há momento para tudo, e tempo certo para cada coisa: Tempo para nascer e tempo para morrer. Tempo para plantar e tempo para arrancar a planta. Tempo para matar e tempo para curar. Tempo para destruir e tempo para construir. Tempo para chorar e tempo para rir. Tempo para gemer e tempo para bailar. Tempo para atirar pedras e tempo para recolher pedras. Tempo para abraçar e tempo para se separar. Tempo para procurar e tempo para perder. Tempo para guardar e tempo para jogar fora. Tempo para rasgar e tempo para costurar. Tempo para calar e tempo para falar. Tempo para amar e tempo para odiar. Tempo para a guerra e tempo para a paz”. (Eclesiastes 3,1-8).

“Portanto, aquele que julga estar em pé, tome cuidado para não cair. Vocês não foram tentados além do que podiam suportar, porque Deus é fiel e não permitirá que sejam tentados acima das forças que vocês têm. Mas, junto com a tentação, ele dará a vocês os meios de sair dela e a força para suportá-la” (1Coríntios 10,12-13).

“…busquem o Reino de Deus e a sua justiça, e Deus dará a vocês, em acréscimo, todas essas coisas. Portanto, não se preocupem com o dia de amanhã, pois o dia de amanhã terá suas preocupações. Basta a cada dia a própria dificuldade” (Mateus 6,33-34).

Não precisamos deixar o tempo passar e nem o amanhã chegar para tomarmos iniciativas de mudança, seja ela qual for.

O fundamental é que nos tornemos protagonistas, sujeitos, atores principais… e não meros coadjuvantes atrás de nossa própria sombra.

Devemos olhar cada dia como se fosse o primeiro, o último e, o único. Afinal somos nós que fazemos a nossa história!

PE. EDIVALDO PEREIRA DOS SANTOS 




Diocese de Assis

Terminamos o mês vocacional chamando a atenção sobre a fidelidade vocacional.

Toda história vocacional acontece dentro de um contexto social, político, econômico, cultural e religioso muito concreto e interpelador. Não é somente a pessoa e Deus. É a pessoa, Deus e a realidade. A sensibilidade humana, tocada pela “voz” de Deus que chama, e, inflamada pelo “clamor” da realidade, põe a descoberto o poder transformador da Vocação. Tanto sobre a realidade quanto sobre o vocacionado.

Na verdade, para ser realização da vontade de Deus, toda vocação precisa ser cultivada num ambiente de escuta permanente. A experiência do chamado, em sua forma original, persiste no vocacionado por toda a vida. Só há um chamado! O que muda, portanto, é forma de concretizar a vontade de Deus, em cada tempo e lugar, através do serviço daquele que OUVIU e RESPONDEU a Deus. O tempo muda; a realidade muda; Deus permanece! O Chamado permanece. A vocação permance. A fidelidade vocacional, portanto, deve estar voltada a Deus. Ser fiel à vocação é ser obediente a Deus.

Vejamos como isso pode ser entendido na história vocacional de Gedeão (Jz 6).

Contexto da vocação de Gedeão (Jz 6,1-6)

Os israelitas fizeram o que Javé reprova. E Javé os entregou aos madianitas por sete anos. O regime de Madiã foi tirânico sobre Israel. Para escapar de Madiã, os israelitas tiveram que usar as grutas nas montanhas, as cavernas e os esconderijos. Quando os israelitas semeavam, os madianitas, amalecitas e orientais os atacavam: acampavam na terra dos israelitas e destruíam todos os produtos semeados até perto de Gaza. Não deixavam para Israel nenhum meio de sobrevivência, nenhum cordeiro, nenhum boi e nenhum jumento. Chegavam com seus rebanhos e tendas, numerosos como gafanhotos, homens e camelos sem conta, invadindo e arrasando a terra. Desse modo, os madianitas reduziram Israel à miséria. Então os israelitas clamaram a Javé.

Interpretação da situação (Jz 6,7-10)

Quando os israelitas clamaram a Javé por causa dos madianitas, Javé enviou para eles um profeta, que lhes falou: “Assim diz Javé, o Deus de Israel: Eu fiz vocês saírem do Egito e os tirei da casa da escravidão. Eu livrei vocês do poder egípcio e do poder daqueles que os oprimiam. Eu os expulsei diante de vocês, e a vocês eu entreguei a terra deles.  Eu disse a vocês: ‘Eu sou Javé seu Deus. Não tenham medo dos deuses dos amorreus, em cuja terra vão morar’. Mas vocês não me ouviram”.

Vocação de Gedeão (Jz 6,11-18)

O anjo de Javé chegou e se assentou debaixo do carvalho que está em Efra, na propriedade de Joás, filho de Abiezer. Foi quando Gedeão, filho de Joás, estava debulhando o trigo no tanque de pisar uvas, para escondê-lo dos madianitas. O anjo de Javé apareceu a Gedeão e lhe disse: “Javé está com você, valente guerreiro!” Gedeão respondeu: “Meu Senhor, se Javé está conosco, por que nos aconteceu tudo isso? Onde estão as maravilhas de que nossos antepassados falavam: ‘Javé nos tirou do Egito…’? O fato é que agora Javé nos abandonou e nos entregou na mão dos madianitas”. Então Javé se voltou para Gedeão e disse: “Vá. Com suas próprias forças, salve Israel dos madianitas. Sou eu que envio você”.  Gedeão replicou: “Meu Senhor, como posso salvar Israel? Meu clã é o mais fraco da tribo de Manassés, e eu sou o caçula da casa de meu pai!”  Javé lhe disse: “Eu estarei com você, e você derrotará os madianitas como se fossem um só homem”. Gedeão insistiu: “Se alcancei teu favor, dá-me um sinal de que és tu quem fala comigo. Não vás embora antes que eu volte e te faça uma oferta”. Javé respondeu: “Ficarei aqui até você voltar”.

Se Deus espera, como não permanecer fiel?

PE. EDIVALDO PEREIRA DOS SANTOS




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MÃE DO MEU SENHOR

A cada celebração ou festa mariana dentro do catolicismo fico a pensar sobre a rejeição que muitos cristãos têm pela figura materna de Maria. Contradição de criança birrenta. Não há como amar um filho sem ao menos admirar o ventre que o gerou, sua procedência filial e familiar. Jesus, Maria e José constituem o tripé do cristianismo, sobre o qual toda doutrina cresceu e amadureceu de acordo com os planos divinos. Portanto, cristianismo sem Maria – a mãe sem manchas – e sem José – o protetor sem mágoas – é órfão de pai e de mãe. Não pode ir muito além das aparências que encobrem sua triste orfandade.

A visita de Maria a Isabel, contada em detalhes por Lucas (1, 39-56), é uma leitura que engrandece sobremaneira a figura de Maria no projeto da redenção. Lá está o Magnificat, o canto da alegria trazido à tona pela própria “mulher por excelência”, num processo de oração e gratidão a Deus pelas maravilhas que nela se realizavam. “Como posso merecer que a mãe do meu Senhor me venha visitar?”, exclamou Isabel ao sentir no próprio ventre o pulo de alegria do ainda embrião Batista, feliz pela ilustre visita que sua mãe recebia. Uma vida ainda fetal já reconhecia a presença de Jesus em sua casa! Profunda mensagem para os abortistas inveterados e inconsequentes! “Bendito o fruto do teu ventre”, reconheceu por primeiro Isabel, em cujo ventre o precursor de Jesus exultava de alegria pela missão que iria desempenhar logo mais: anunciar aos homens a chegada de um novo tempo, a vinda do Cordeiro de Deus.

Tudo aqui se compraz no júbilo da maternidade. Tanto de Maria quanto de Isabel. A importância de ambas no processo da vinda messiânica está revestida da alegria e da aceitação. A oração proferida por Maria prova ser ela uma jovem conhecedora da Palavra. Não é um canto de exaltação pessoal, como muitos possam pensar, mas de submissão total aos planos de Deus. “Porque olhou para a humildade de sua serva”, diria em oração submissa. Não uma submissão passiva, conformada com seu destino, alheia aos acontecimentos à sua volta, porém agradecida e irradiante com as revelações do dia. “Doravante todas as gerações me chamarão bem-aventurada”. A revelação do milagre em seu ventre era muito maior do que uma simples gravidez; nela crescia uma nova criação, um novo Adão iria restaurar o Paraíso Perdido pela infidelidade humana. Então, como não a aclamar como bem-aventurada entre todas as criaturas? “Porque o Todo-Poderoso fez grandes coisas em meu favor”. Nenhum outro ser humano mereceu as graças que Maria recebeu em vida. Quem somos nós para desmerecê-las?

O Magnificat continua em suas loas e revelações, a ponto de profetizar a queda de muitos tronos, potestades e força dos poderosos que se levantaram e se levantam contra a fé cristã. Inclusive as grandes guerras que turvam nossa história. Inclusive as batalhas demoníacas que se levantam diuturnamente sobre nossa Igreja. Através de Maria e do fruto do seu ventre não há o que temer. A vitória será nossa, “conforme prometera aos nossos pais, em favor de Abraão e de sua descendência para sempre” (Lc 1-55).

Quando, pois, alguém rejeitar o poder da Mãe do meu Senhor, não diga nada. Apenas reze, ore por essa criatura ainda órfã, que desconhece a força da mãe, a proteção, o afeto, o carinho, o zelo, a atenção, o amor sempre misericordioso e poderoso de que só as mães são capazes. Bendita és tu entre as mulheres! Bendito o fruto do teu ventre!

          WAGNER PEDRO MENEZES [email protected]

 

 

 

 




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Dizem que, quem tem dúvidas deve perguntar porque, perguntar não ofende.

Então eu gostaria de saber: “O amor, ainda existe? É possível viver o amor?”

Nas últimas décadas constatamos um ressurgimento espiritual: mais bíblia nas mãos, mais denominações religiosas, mais pessoas nas igrejas, mais canais de TV e rádio de motivação religiosa, mais apregoadores do evangelho… mais conquistas tecnológicas… mais poder econômico… mais informação… mais liberdade… mais muitas outras coisas!

Nas mesmas últimas décadas, paradoxalmente, constatamos a dessacralização da fé, a banalização da violência, intolerância religiosa, ‘toxicosocialização’ (isto é um neologismo: sociedade entorpecida pela socialização das drogas, onde o consumo se tornou liberal e o seu comércio se converteu em trabalho), a impunidade, a corrupção política, o banditismo político e social, o empobrecimento…

O que está acontecendo conosco? Onde está o amor? Não deveríamos estar vivendo melhor com tantas conquistas? Parece que o problema está no ‘como’ e no ‘para que’ todas as coisas se realizam em nível pessoal ou coletivo.

É preciso dizer, em primeiro lugar, um grande mal que nos afeta é a perda do TEMOR DE DEUS e, ligado a isso, a perda do referencial de EXIGÊNGIA NO AMOR.

O Temor a Deus é o horizonte e fonte dos princípios e dos valores. Sem o Temor a Deus tudo fica liberal, as ações ficam permissivistas, o sagrado vai sendo profanado, a dignidade humana vai sendo desrespeitada, as pessoas se esvaziam, o individualismo cresce.

São Paulo, na primeira carta aos Coríntios 10,23-24, assim se expressa: “Tudo é permitido. Mas nem tudo convém. Tudo é permitido. Mas nem tudo edifica. Ninguém procure satisfazer aos seus próprios interesses, mas os do próximo”

O amor é a expressão mais profunda do Temor a Deus. O amor tem exigências e essa é a sua verdade maior! Porque, se não tem exigências, pode ser tudo, menos amor. Só no amor a vida se realiza: nasce, cresce e amadurece! Só no amor a vida é completa!

São Paulo, noutra parte da primeira carta aos Coríntios, 13,1-8 assim se manifesta: “Ainda que eu falasse línguas, as dos homens e dos anjos, se eu não tivesse o amor, seria como sino ruidoso ou como címbalo estridente. Ainda que eu tivesse o dom da profecia, o conhecimento de todos os mistérios e de toda a ciência; ainda que eu tivesse toda a fé, a ponto de transportar montanhas, se não tivesse o amor, eu não seria nada. Ainda que eu distribuísse todos os meus bens aos famintos, ainda que entregasse o meu corpo às chamas, se não tivesse o amor, nada disso me adiantaria. O amor é paciente, o amor é prestativo; não é invejoso, não se ostenta, não se incha de orgulho. Nada faz de inconveniente, não procura seu próprio interesse, não se irrita, não guarda rancor. Não se alegra com a injustiça, mas se regozija com a verdade. Tudo desculpa, tudo crê, tudo espera, tudo suporta. O amor jamais passará!”

Em Jesus o amor encontra sua plenitude. Nele o amor é muito mais do que sentimento. Em Jesus, o amor é doação, é entrega é renúncia. Em Jesus o amor é Cruz.

São Paulo, agora, aos Filipenses, assim diz a respeito de Jesus: “Ele tinha a condição divina, mas não se apegou a sua igualdade com Deus. Pelo contrário, esvaziou-se a si mesmo, assumindo a condição de servo e tornando-se semelhante aos homens. Assim, apresentando-se como simples homem, humilhou-se a si mesmo, tornando-se obediente até a morte, e morte de cruz!” (Filpenses 2,6-8).

Você não deve terminar de ler esse artigo sem dizer: Eu creio no amor!

PE. EDIVALDO PEREIRA DOS SANTOS




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          Faz mais barulho uma carroça vazia do que um caminhão com sobrecarga de peso. Essa lógica todos compreendemos bem. Quanto mais vazia, mais escandalosa é também nossa vida. Que se dirá, então, da vida espiritual daqueles que sequer percebem a necessidade de também alimentá-la habitualmente? Podem até terem a saciedade física, o fausto de muitos banquetes e vida boemia, a mesa farta e o estomago em plena atividade de digestão contínua, mas o coração, o espírito… ah! Quão famintos estão…

Exatamente nesse grupo é que o murmurinho e as lamentações fazem mais barulho do que as pobres carroças vazias que circulam a seu lado. Muitos são os famintos ao redor, mas o grito de insatisfação se faz ouvir daqueles que mais recebem, que melhor se alimentam, que se dizem privilegiados num mundo de carências e injustiças múltiplas. Choram mais os que podem mais, quando o contrário seria mais lógico. Quanto maior é a incredulidade dos inseguros, mais sonoro é o burburinho entre eles.

Foi o que constatou o próprio Jesus diante do diz-que-diz que se levantou entre os judeus, testemunhas do milagre da multiplicação, da lição contida na história do maná, o pão que salvou o povo de Deus naquela travessia histórica num deserto de contradições e incertezas e agora, na possível “blasfêmia” que Jesus pronunciava de ser Ele o “pão que veio do céu”. Não era ele o filho do carpinteiro? E a resposta vem como uma advertência: “Não murmureis entre vós”! (Jo 6, 43). O murmúrio é sempre um lamento diabólico, a voz gutural do Inimigo. É também a voz de todo aquele que não se abre à revelação da Palavra. “Está escrito nos profetas: Todos serão ensinados por Deus (Is 54,13)”.

Evite, pois, a murmuração em sua vida. Ela é o primeiro passo para se alimentar a dúvida, a incredulidade. Antes, é preciso serenidade e coração aberto para se obter a graça do entendimento, um dom de Deus. É preciso uma experiência pessoal com o Cristo, maior comunhão com seus mistérios e revelações. Uma destas está aqui, nas palavras bem escritas e detalhadas pelo evangelista João. “Eu sou o pão da vida… Eis aqui o pão que desce do céu: quem dele comer nunca morrerá” (Jo 6, 48; 50). Ora, se seus conhecimentos já lhe bastam, se sua crença está alicerçada na tradição de uma herança histórica, se a fé que move seu coração ainda está atrelada à lógica da materialidade, se é difícil para você enxergar na simplicidade de um artesão humano a grandiosidade da obra divina, se o murmurinho teológico dos “mestres” de sua escola ironiza os absurdos revelados na escola de Cristo… paciência! Não temos muito ou quase nada a fazer por sua descrença. Que o Senhor tenha piedade!

Mas, diante do barulho que um mistério provoca, há sempre um silêncio que ensurdece nossos ouvidos e aquieta os corações conturbados. Santo Silêncio! É este a voz de Deus a provocar uma revolução na mente e nos corações mais sensíveis, capazes de se deixar transformar pelas revelações da graça. Eis que o pão se faz carne entre nós e em nós. Esse é grande mistério eucarístico que sacia os famintos e dá vida ao mundo. Quando o maná do deserto caiu sobre o acampamento dos israelitas, a pergunta era: “O que é isso?” Hoje, quando contemplamos “o pão vivo, descido dos céus”, temos uma única resposta: “Quem comer deste pão, viverá eternamente”. Qual a dúvida?

WAGNER PEDRO MENEZES [email protected]




Diocese de Assis

 

A resposta ao chamado de Deus está ligada à escuta de sua Palavra. Responde bem ao chamado de Deus quem ouve bem! Ora, qual é o melhor lugar para se ouvir o chamado de Deus senão a comunidade? Qual é a melhor resposta ao chamado de Deus senão o serviço alegre e generoso?

A realização vocacional e o serviço às vocações está intimamente relacionado com a vida da Igreja. Convém olhar, então, para Igreja dos nossos dias. O que está acontecendo dentro da comunidade eclesial?

Falando em comunidade-Igreja, não podemos deixar de entender que são diversas expressões de Igreja que marcam, não só um tempo e um lugar, mas, o próprio ser da Igreja. Neste sentido, podemos dizer que estas diferentes formas de concretizar o SER Igreja têm influências significativas nas motivações que levam as pessoas “a assumir e viver a fé e a vocação”.

O grande desafio, diante disso é: colaborar eficazmente para a construção de “uma Igreja, onde todos os aspectos essenciais para a sua vida e para a sua missão, no meio da humanidade, sejam bem integrados”.

O modo como devemos motivar as pessoas para responderem positivamente ao chamado é faze-las enxergar a Igreja como um povo de servidores, dentro do pluralismo das vocações, ministérios e carismas”. Porém, tal perspectiva não é possível quando um único cenário de Igreja tende a se impor. A Igreja é diversidade!

No processo de discernimento, é necessário ajudar os vocacionados a olharem para “a decisão vocacional como um serviço aos irmãos e não como ascensão social ou busca de uma posição privilegiada na sociedade e na Igreja”.

A radicalidade da resposta de um vocacionado, feita a partir da experiência da Igreja “Povo de Deus” (cf. LG, 9-17), é a de viver um seguimento de Jesus que seja, de fato, permanente escola onde se aprende que toda vocação é sempre uma vida “diaconal”: “Eu estou no meio de vocês como quem está servindo” (Lc 22,27).

A Igreja toda, a começar pelos consagrados, deve ser servidora do evangelho! A preocupação com as vocações deve ser de toda a comunidade cristã. O princípio é este: “todos somos animadores vocacionais”; somos responsáveis uns pela vocação dos outros. Cada pessoa batizada tem a responsabilidade de viver bem o chamado e, também, de contribuir para que as demais tenham condições de responder ao chamamento divino para ser gente e para seguir Jesus.

A comunidade eclesial é “mediadora da vocação e o lugar de sua manifestação”. A nossa resposta vocacional precisa colaborar para que tenhamos, de fato, uma Igreja que seja espaço de ação do Espírito que quer suscitar as vocações do Pai, no seguimento de Jesus. Isso quer dizer que não é suficiente qualquer jeito de Igreja. Existe um modelo, ou se quisermos, um cenário de Igreja, que é o lugar do apelo, do chamamento divino.

Não podemos oferecer aos cristãos de hoje apenas uma experiência do sagrado. Precisamos propor uma autêntica espiritualidade, capaz de lhes dar ânimo e coragem para continuar firmes na missão, mesmo diante dos inúmeros desafios que aparecem. Não é possível seguir Jesus Cristo nos tempos atuais sem experimentarmos quotidianamente a graça de Deus e sem o esforço para permanecermos coerentes com as exigências do discipulado.

O testemunho vocacional da Igreja é o que torna mais parecida com o seu Mestre, Senhor e guia; é o que a torna mais próxima dos homens e mulheres de cada tempo e lugar; é o que a faz mais humana e divina.

É isso o que significa pensar a vocação como Igreja!

PE. EDIVALDO PEREIRA DOS SANTOS




Diocese de Assis

 

Um dos episódios mais contraditórios no processo de libertação de um povo é o apego deste ao sistema vigente. Sofrem, são injustiçados, humilhados, escravizados até, mas não renunciam à subserviência, aos mandos e desmandos dos governantes de plantão. Nada compreendem, sequer se dão conta do uso político e social que lhes rouba a dignidade mínima, mas são unanimidade na aprovação das migalhas que recebem. Não possuem a visão crítica dos fatos e desconhecem os direitos que se lhes são negados. Até a própria liberdade é quase um luxo, uma regalia que não lhes faz falta.

Nessa situação, o próprio povo de Deus um dia se encontrou, durante a travessia do deserto. Tinham saudades das cebolas do Egito! Ah, como eram felizes sob o jugo do Faraó, “quando nos sentávamos junto às panelas de carne e comíamos pão com fartura!” (Ex 16, 3). Escravidão, que nada… Tinham o estomago saciado, ao menos isso!

Querem a simpatia de um povo? Deem pão e circo! Essa lógica, como veem, vem de longe. Mas é uma máxima bem conhecida também nos nossos dias. Não é e nunca pode ser um procedimento cristão, posto que a doutrina que seguimos nos impele a viver “em conformidade com a verdade que está em Jesus”, afirma Paulo. E conclui: “Renunciando à vossa existência passada, despojai-vos do homem velho, que se corrompe sob o efeito das paixões enganadoras” (Ef, 4,22). Alimentamo-nos não com as falsas esperanças e ilusões passageiras dum mundo que subverte as expectativas da fé na ressurreição. Esse é nosso alimento, o centro da fé cristã. Tudo o mais é passageiro, corrompido e falível. O alimento que nos dá vida vem do alto. “Esforçai-vos não pelo alimento que se perde, mas pelo alimento que permanece até a vida eterna e que o Filho do Homem vos dará” (Jo 6,27). Duvida?

Esse é o verdadeiro testemunho que o seguimento fiel à doutrina de Cristo faz florescer na comunidade de fé. Sem esse “selo” não existe comunidade, muito menos um povo que se possa dizer seguidor do Mestre. “Em verdade, em verdade vos digo, não foi Moisés quem vos deu o pão que veio do céu. É meu Pai que vos dá o verdadeiro pão do céu. Pois o pão de Deus é aquele que desce do céu e dá vida ao mundo” (Jo 6, 32-33). Desnecessário dizer algo mais. Apenas questiono aqueles que ainda desconhecem a ação libertadora presente na Eucaristia cristã. Esse é o pão que nos liberta, nos alimenta, nos fortalece. Não nos deixa órfãos, não escraviza, não nos submete aos sistemas de subserviência do mundo político e social. A Eucaristia é o alimento do corpo e da alma que faz crescer nossa consciência de servidão a Deus, nunca aos homens. É isso que falta àqueles que ainda desconhecem a força que emana do pão da vida.

E Ele ainda nos ensina, com todas as letras: “Eu sou o pão da vida. Quem vem a mim não terá mais fome e quem crê em mim nunca mais terá sede”. Duas condições: ir até Ele e Nele acreditar! E nunca mais lhe faltará o alimento. Nem do corpo, nem da alma. E seremos livres para sempre.

WAGNER PEDRO MENEZES [email protected]

 

 




Diocese de Assis

 

Abre-se o mês vocacional…

Agosto, para a Igreja, é tempo de dialogar a nossa vocação e missão

A existência humana mistura fé e vida.  É difícil compreender um homem que não tenha fé. Mesmo os mais incrédulos ou ateus buscam “algo” em que se sustentar. FÉ e VIDA são duas faces da mesma existência. LOGO, a nossa existência, no que diz respeito à experiência de vida e de fé, se realiza como um CHAMADO.

CHAMADOS À VIDA

Primeira Constatação: Estou vivo! Precisamos aprofundar o Sentido e o Valor da Vida como Chamado. Nossa vida tem sentido, por isso vale a pena viver. Enquanto estou vivendo estou dando uma resposta ao chamado que Deus me fez. Segunda Constatação: Minha origem! Há uma história que faz referência à minha vida, que me situa desde o nascimento até a morte. Terceira Constatação: Foi Deus quem me chamou à vida! Não sou obra do acaso! Sou único e irrepetível. Somos obras perfeitas, amadas e queridas. Precisamos “voltar” ao útero para muitos necessários recomeços. Contemplar a vida nos seus primórdios, na sua gênese, na sua matriz primordial. Precisamos recuperar as raízes humanas da nossa existência para darmos mais visibilidade à nossa fé.

CHAMADOS À NOVA VIDA

Primeira Constatação: Quem me chamou, me mantêm vivo e nos mantem nele, com ele e por ele. “Eu vivo, mas já não sou eu que vivo, pois é Cristo que vive em mim” (Gálatas 2,20-21). Segunda Constatação: Eu nasci de novo! Como se não tivesse bastado um nascimento, Deus nos deu um segundo: o batismo. “Eu garanto a você: se alguém não nasce do alto, não poderá ver o Reino de Deus (…) ninguém pode entrar no Reino de Deus, se não nasce da água e do Espírito” (João 3,3-5). Terceira Constatação: Foi Deus quem me chamou ao novo nascimento! Ele me quis, me instruiu, me fez conhecedor e me revestiu das coisas novas: “De fato, vocês foram despojados do homem velho e de suas ações, e se revestiram do homem novo que, através do conhecimento, vai se renovando à imagem do seu Criador” (Colossenses 3,9-11). Precisamos “voltar” à pia Batismal para retomarmos os sinais da vida nova: a água, o óleo nossos pais, nossos padrinhos, a igreja, o padre e o ‘eu te batizo em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo’ que apontam para o Criador e Renovador da vida.

ENVIADOS PARA A MISSÃO

Aquele que envia, vai a frente… nos precede em tudo: em todas as situações e lugares. Entre os muitos elementos importantes do envio destaco três. Primeiro Um só Espírito Muitos Pentecostes: Atos 2,1-13; 4,23-31; 10,44-48; 19,1-7. Segundo: Um novo Pentecostes na Igreja. É o Pentecostes “pessoal” que abre as comportas dos dons à pessoa e o Pentecostes “eclesial” que revela o chamado à unidade sempre no mesmo e único espírito. Terceiro: A Missão é de Deus; ele é que chama e envia. Envia os DOZE. Jesus chamou: Mt 10,1-4; preparou: Mt 5,1-16; 10,26-11,1; enviou: Mt 10,5-33.

Envia a NÓS: Jesus nos chamou, nos preparou, nos enviou. Ef 1,3-5; O Batismo e a Missão de Jesus: Mt 3,1-4; Mc 1,9-11; Lc 3,21-22; Jo 3,1-8;  O Batismo e a Missão da Igreja: Mt 28,16ss.

A consciência do CHAMADO abre, em nós, uma nova consciência sobre a nossa vida e missão e, nos coloca num âmbito de exigências pessoais que envolvem todo o nosso ser e nos permitem o novo do Reino de Deus: “É preciso que vocês se renovem pela transformação espiritual da inteligência, e se revistam do homem novo, criado segundo Deus na justiça e na santidade que vem da verdade” (Efésios 4,22-24).

É tempo de retomada… é tempo de confirmarmos nossa vocação e eleição… é tempo de renovarmos o ‘eis-me, aqui, Senhor: “…procurem com mais cuidado firmar o chamado que escolheu vocês. Agindo desse modo, nunca tropeçarão” (2 Pedro 1,10).

PE. EDIVALDO PEREIRA DOS SANTOS 




Diocese de Assis

 

Nada se multiplica se não houver um princípio gerador. Parece teorema físico ou equação matemática, mas é exatamente esta a lição que se encontra no milagre da multiplicação dos pães, que hoje nos conta o evangelista João (6,1-15). Antes de seguir adiante, há na narrativa uma sugestão razoável: o Mestre pede que as pessoas se sentem. Pois sente-se você também… Sossegue seu espírito… e saboreie a refeição que virá!

Olhe o cenário. A multidão aumenta minuto a minuto. A orla do lago de Tiberíades, também chamado de mar da Galileia, está pontilhado de pessoas carentes, uma multidão ansiosa e faminta por milagres… Acorrem a Jesus como última esperança de suas vidas. Diante daquele povaréu todo o mestre levanta uma questão: como alimentar esse povo? Ele tinha a resposta, mas era preciso provocar a consciência antes de realizar o milagre… “Nem duzentas moedas de prata bastariam para dar um pedaço de pão a cada um”, responde Filipe. De fato, nenhuma fortuna do mundo seria capaz de satisfazer a fome daquela multidão. Não naquele deserto, naquelas circunstâncias! Não integralmente, com o estômago vazio e o coração conturbado por tantas e tantas carências. O corpo pedia energias, mas a alma agitada e ansiosa por um afago de misericórdia encontrava no olhar de Jesus o lampejo de vida que tanto buscavam.

Lá estava uma criança extasiada com todo aquele alvoroço. Tinha no olhar o brilho de uma descoberta sobrenatural, gerador do milagre que antevia em seu coração. “Aqui estou, Senhor! Eis-me aqui!”, diria como outro Isaias diante do desafio que lhe era proposto. E, estendendo sua cesta com o lanche que trouxera, o menino ofereceu do pouco que tinha: cinco pães e dois peixes! Não é nada, é muito pouco, mas é tudo o que hoje tenho… Aqui começa o milagre da partilha, da generosidade, da multiplicação! O pouco que se faz muito. A farinha da viúva de Serepta mais uma vez fazendo história! Só que desta vez por iniciativa de uma criança, portadora da pureza e inocência de uma alma solidária, sensível às necessidades de uma multidão de famintos. Era pouco, mas era tudo o que podia oferecer, com a certeza de que o Senhor faria o restante, valorizaria sua pequena oferta.

Então Jesus fez sentar aquele povo todo. “Tomou os pães, deu graças e distribuiu-os aos que estavam sentados… E fez o mesmo com os peixes”. O desprendimento infantil era o gerador do grande milagre da partilha. A partir da generosidade de uma criança acontece o que a lógica humana diz ser impossível, pois uma multidão não se sacia com tão pouco. Diante de Deus, o princípio de tudo é o nada, a insignificância do que temos e somos. Jesus é o agente multiplicador da nova criação que renasce naquele deserto. O simbolismo eucarístico, com o povo “sentado” ao redor de Jesus, a se alimentar com aquele “pão-vivo”, a renovar suas energias para a longa travessia de um novo deserto, prefigurando nova caminhada libertadora, remete à nossa caminhada como Igreja hoje. O milagre da multiplicação ainda acontece.

Nisso resulta nossa experiência eclesial ao redor da mesa eucarística. Eis a importância das nossas ofertas, em especial da oferta dos pequeninos, das nossas crianças, dos mais necessitados! Aos olhos de Deus é o desprendimento humano que faz gerar o milagre da solidariedade, da fraternidade, de tudo o mais que sonhamos na vida cristã. Só um coração de criança é capaz de transformar a mesa vazia em um banquete festivo, capaz de alimentar multidões. Isso tudo André descobriu ao dar importância à generosidade daquela criança e de sua irrisória oferta diante de Jesus. A multiplicação então acontece.

WAGNER PEDRO MENEZES [email protected]