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Tio Patinhas, Pato Donald, Mickey e Pateta; quem não os conhece? Talvez não exista no mundo uma trupe de personagens imaginários mais conhecida que aqueles gestados na mente fértil de Walt Disney, tão primorosamente concebidos e ardilosamente gerados que é impossível alterar, acrescentar ou subtrair qualquer das suas características individuais. Diria serem eles personalidades imutáveis, porém espantosamente fictícios.

Mas a ficção é sombra da realidade. Sempre foi. Tio Patinhas continua se achando dono do mundo, mesmo quando travestido ou fantasiado com o pijama ridículo e de mau agouro que esconde a nudez do Tio Sam. Pato Donald e seu interminável quá-quá-quá, ainda zomba de ingenuidade da maioria que o cerca, sem se dar conta da própria e ridícula ingenuidade. Diria que nunca se deu bem em suas artimanhas de trapaças e oportunismo aguçado, que usa para manter seu status quo. Mickey, oh Mickey, ratazana com práticas detetivescas, – que pensa ser vice – sempre às turras com um universo em conflito, mas que não encontra coragem sequer para despojar sua eterna namorada, seu amor de fachada, a bela e frágil Minie. Ah, quantas destas fazem parte do nosso universo, sonhadoras, encantadas com promessas fúteis, iludidas… Mas, e o Pateta e sua incansável busca de soluções às avessas, que terminam sempre em decepção? Pobre espelho do homem simples, do povo iludido, dos que o sistema faz questão de usar e sugar ao máximo, mas quando seu uso se torna prejudicial, atrapalha ou ameaça o império do poderoso Patinhas, melhor mesmo é apagá-lo dessa história, jogá-lo às feras do mundo cão.

Ah, meu outrora adorável Pato Donald! Quantas aventuras vivemos juntos. Quantos sonhos, planos perfeitos, projetos meticulosamente engendrados, muitos dos quais com avais provisórios e fundos de investimentos momentâneos que, com muita lábia, surrupiamos do caixa forte de nosso Tio. Enquanto lhe dávamos sustentação ou mantínhamos o lastro do seu poder – mesmo com eventuais prejuízos – éramos úteis à sua engrenagem de interesses. Bastou sentir-se solidificado em sua cátedra, pronto! Lá se iam os recursos (migalhas na verdade) com os quais nos acenou durante tantas e tantas campanhas, delongas fúteis, promessas irrealizáveis. Isso tudo só nos dividia em categorias distintas: os patos e os patetas! Patos aqueles que zombaram dos patetas e que hoje recorrem aos ratos (os Mickeys e suas investigações intermináveis, que detectam muitos desvios oportunistas, mas que não avançam para não porem em risco seus amores passados, suas juras de fidelidade eterna) única e simplesmente para não alterarem suas zonas de conforto.

Então Tio Sam, digo Tio Patinhas esbraveja, bate o pé, atira a cartola e sorri para seu inimigo maior, o também poderoso Patacôncio. O velho tio ainda conserva ares de cautela com seu tesouro, conquanto seu arquirrival não tem preconceito algum, mesmo que o adjetivem como perdulário, inconsequente. Enquanto o velho teima em suas posições antagônicas, sua ranhetice de menino mimado, que não se desfaz de velhos brinquedos da infância abarrotada de privilégios, o rival estrategista é capaz de abrir seus portões e convocar novos patos e patetas para seu exército de arrivistas. Enquanto um repele, afasta, reprime, o outro acolhe, cura feridas, faz promessas.

O que me preocupa é que essa guerra de macacos doidos termine onde não começou, bem longe da Disneylândia ou no Parque da Vitória, em Moscou.(Talvez em nosso quintal). Em tempo: neste memorial de guerra não existem montanhas russas. Nem trupe de palhaços, só sequazes.

PS: Publicado originalmente em fevereiro de 2017. Um mandato depois, recupero esse texto para simples e eventual conferência… (Rss)

WAGNER PEDRO MENEZES




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Cada vez mais estamos nos distanciando do fundamental.

O risco é de uma vida sem sentido, sem rumo e sem direção!

Não faltam caminhos e mestres para satisfazer a busca frenética, de uma multidão de gente, que tenta satisfazer, a qualquer custo, o prazer religioso e espiritual. Esta busca de prazer é do tipo insaciável porque, tem a ver com a satisfação imediata de certas vontades, desejos e aspirações, nem sempre iluminadas, pelo desejo de conversão e seguimento que, é a base da busca de quem se deixa conduzir por aquele a quem se busca.

Quem busca, tão somente, o prazer religioso e espiritual, torna-se um consumidor inveterado de ‘produtos sobrenaturais’, a pronta entrega, provenientes de gurus, conselheiros, guias, consultores, influenciadores etc. Algumas vezes acontece com o dispêndio financeiro, mas, o tempo todo com o custo da alienação da consciência, do desejo e da vontade.

Com a facilidade de acesso ao acervo planetário de informações, conteúdos, ideias, doutrinas, jargões, novidades, criações, verdades e, inclusive, fake news, através da internet e dos seus diversos meios e recursos para fazer chegar em qualquer lugar, as pessoas estão se enchendo, à exaustão. Mas, na verdade, a satisfação permanece momentânea, sustentando um viciante sistema de busca circular que, não impulsiona para frente; que não apresenta horizonte; que não liberta e nem faz crescer, mas faz girar em torno de si mesmo e das coisas conseguidas para obter o prazer.

Não é sem razão que os fanáticos religiosos expandiram a forma de expressão do seu fanatismo – com propensão à insanidade – também, para dentro da política, da economia, da arte, da cultura, da educação… criando polarizações macabras, sustentadas pelo ódio, pelo terrorismo digital, pela violência, pela execração do diferente, pela sofisticação da barbárie…

O essencial humano é ser humano, mas com a desumana tendência das novas vertentes de afirmação e autoafirmação, que se servem da manipulação do divino e da religião, além da maliciosa desconstrução do edifício simbólico histórico, que serve de material para a arquitetura do sentido da vida, se não dermos um passo atrás, de volta ao começo, corremos o risco de uma “guerra de todos contra todos”. Porque um assombroso vozerio está tomando conta dos nossos espaços de convivência, com um flagrante ataque ao diálogo, ao respeito e à dignidade.

A volta ao começo significa relançar a vida para um ponto de partida que seja, para cada indivíduo, em particular, e, para todos, em geral, a busca de sentido que inspira, motiva, orienta, mas, também, faz viver e conviver.

Para empreender a volta deve-se fazer a pergunta fundamental: “o que é que vocês estão procurando?” Esta pergunta está no bojo de uma das buscas mais importantes, dos discípulos de João Batista, no encontro com Jesus, o Mestre, e serve de referência para quem quer ver a vida iluminada com um sentido.

“No dia seguinte, João aí estava de novo, com dois discípulos. Vendo Jesus que ia passando, apontou: “Eis aí o Cordeiro de Deus.” Ouvindo essas palavras, os dois discípulos seguiram a Jesus. Jesus virou-se para trás, e vendo que o seguiam, perguntou: “O que é que vocês estão procurando?” Eles disseram: “Rabi (que quer dizer Mestre), onde moras?” Jesus respondeu: “Venham, e vocês verão.” Então eles foram e viram onde Jesus morava. E começaram a viver com ele naquele mesmo dia. Eram mais ou menos quatro horas da tarde. André, irmão de Simão Pedro, era um dos dois que ouviram as palavras de João e seguiram a Jesus. Ele encontrou primeiro o seu próprio irmão Simão, e lhe disse: “Nós encontramos o Messias (que quer dizer Cristo).” Então André apresentou Simão a Jesus. Jesus olhou bem para Simão e disse: “Você é Simão, o filho de João. Você vai se chamar Cefas (que quer dizer Pedra)” (Jo 1,35-42).

O sentido da vida está não alegria do encontro com Jesus e na conversão que sustenta o seguimento de suas pegadas.

 

PE. EDIVALDO PEREIRA DOS SANTOS




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            Máscaras existem de todas as formas, cores e para todo gosto. Máscaras usamos, às vezes até inconscientemente. Difícil mesmo é encontrar alguém de cara limpa, cabeça erguida e sorriso meigo, sem as marcas do dia a dia, dos desafios que enfrenta para se manter vivo, sobreviver a tudo e a todos. As rugas são marcas das rusgas que a vida nos apresenta cotidianamente. Dessas ninguém escapa.

Nem por isso vamos entregar os pontos e vestir a carapuça que nos cabe, sem ao menos ampliar nossa visão para as razões desse embate cotidiano, esse encontro constante com as arestas da nossa própria fragilidade. Ou seja: aqui estamos para provar nossa capacidade de ação, buscando aprimorar nossos conhecimentos, ampliar nossas conquistas e valorizar nossas relações pessoais. A religião diz ser esta a luta do homem consigo mesmo, para melhor compreensão de sua verdade e maior distinção entre o bem e o mal, o que é certo ou errado, o que lhe oferece paz de espírito e o que contraria sua harmonia espiritual ou dificulta suas relações interpessoais. Cara limpa, rosto sem máscaras, espírito sereno só é possível quando confrontamos nossos falsetes com a força interior que se debate dentro de nós, nossa alma.

Essa não usa máscaras. Nem subterfúgios, pois sua única e maior aspiração é se libertar um dia, gloriosa, vencedora, purificada, para tão somente contemplar, ao vivo, o rosto sereno e glorioso do seu Criador. Acontece que, fazendo uso crescente e habitual de nossas máscaras, acabamos por atrofiar e tornar quase impossível esse desejo de purificação que todo e qualquer ser humano tem dentro de si. Perdemos a possibilidade de nos assentarmos ao lado de Cristo na Ceia da Redenção, o banquete da glorificação do qual nos fala a fé cristã.

Nesta ceia cairão por terra nossas máscaras e apresentaremos a Deus nossa face verdadeira, real, sem subterfúgios. Será o confronto da nossa verdade com a Verdade de Deus. Único momento em que o Bem e o Mal medirão realmente forças para um veredicto final sobre o quadro que pintamos em vida. Pois toda vida é uma obra de arte; nós os artistas.

Construo essa ponte metafórica baseado na história que circunda um famoso quadro da arte humana: A Última Ceia, de Da Vinci. Dizem os historiadores que, ao pintar o rosto de Cristo, o artista buscou seu modelo nas faces dos transeuntes que cruzavam seu caminho. Foi longa sua busca, pois teria que ser um rosto sereno, sem máscaras, idealista, sonhador, intrépido, respeitoso, alegre e possuidor de tantas outras qualidades que emanam do rosto de Jesus. A jovialidade e autenticidade de um jovem altruísta e respeitado por todos, foi o que mais se aproximou do modelo que buscava. Serviu de inspiração para pintar o rosto do Mestre, síntese perfeita de todo Bem.

Mas o artista não conseguia concluir sua obra. Faltava-lhe agora um modelo para personificar o rosto de Judas, símbolo de todo Mal. Teria que ser alguém bem falso, medíocre, cujas rugas denunciassem de imediato a maldade alojada em seu coração. Três anos se passaram e, quando quase desistia de sua obra, eis que encontra o modelo: um andarilho torpe, dado aos vícios, aos furtos e à embriaguez, jogado nos becos como farrapo humano, rejeitado e odiado por todos. Por trocados, aceitou ser o modelo.

Diante do quadro, o andarilho se reconheceu no rosto de Cristo. Há três anos passados havia sido ele o modelo para o artista… Provou que o Bem e o Mal têm a mesma face. Essa é a lição: às vezes pensamos personificar a imagem de Cristo – e realmente a irradiamos – quando lançamos fora nossas máscaras. Mas isso não nos impede de traí-lo logo a seguir. O que nos consola é que podemos reverter esse processo sempre que um olhar mais atento para nossas fragilidades refletir em nós o rosto sereno de Cristo. Cuide-se e sorria, pois a misericórdia do Pai é maior.

WAGNER PEDRO MENEZES [email protected]




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Para quem faz a vida depender dos sonhos desse mundo, das esperanças desse mundo, das garantias desse mundo, da felicidade desse mundo, das riquezas desse mundo… de tudo desse mundo, um aviso: Cuidado! O mundo engana com suas promessas e seduções porque não abre, fecha; não dá, tira; não ensina, emburrece; não acrescenta, diminui; não liberta, aliena; não sacia, esgota.

Com isso não estou querendo dizer que nada presta no mundo ou que devêssemos criar um mundo à parte, dos bons e dos puros ou, quem sabe, viver numa bolha! Não! Não se trata disso. Nem tão pouco estou sustentando um discurso moralista, do certo e do errado ou maniqueísta, do bem e do mal. Não! Eu estou falando daquilo que sustenta e impulsiona a nossa vida. E isso é muito grave!

Afinal de contas, que convicções sustentam a sua vida? Que esperanças dirigem os seus passos? Que valores alimentam os seus sonhos? Que promessas estão lhe mantendo no caminho? Que alegria tem habitado seu coração?

No fundo, essas questões todas nos remetem à pergunta sobre o sentido da vida! Ora, você vive para que?

O fato é que não nos perguntamos sobre o sentido da vida! Por isso, qualquer coisa serve; qualquer lugar está bom; qualquer caminho está valendo; qualquer alegria basta… Somos cara sem rosto; cabeça sem miolo e corpo sem expressão. Carregamos sonhos que não são nossos; agitamos bandeiras que não são das nossas lutas; tomamos rumos que não são para os nossos passos.

Parece que somos as pessoas mais livres e realizadas porque fazemos o que queremos, quando queremos, como queremos, o quanto queremos e com quem queremos. Gabamo-nos de conquistas que não poderemos deixar para os nossos filhos, porque não são conquistas e não são nossas. Nós somos usados e só valemos quando usuais; se mantemos a estrutura do mundo em nossas costas.

Você já parou para pensar, seriamente, sobre o que, realmente, terá importância para você e que vai fazer parte de imediata seleção e prioridade? Você tem coragem de fazer rupturas, renúncias e escolhas ousadas? Você é feliz ou está conformado? Sabe o que quer ou está na onda? É livre ou apenas um cúmplice? Dá passos ou é, apenas, empurrado? Tem compromissos ou só algumas obrigações? Faz por convicção ou é marionete dos outros?

O que você quer da vida? A vida tem muito para quem quer viver: é desafio, ousadia, extravagância, inquietação e risco. A vida é densa de aberturas e não cabe nos fechamentos do mundo. Por isso, o sentido definitivo da vida, no mundo, é o céu se abrindo! Volte-se para a cena do Batismo de Jesus em Lc 3,15-16.21-22 “O povo estava esperando o Messias. E todos perguntavam a si mesmos se João não seria o Messias. Por isso, João declarou a todos: ‘Eu batizo vocês com água. Mas vai chegar alguém mais forte do que eu. E eu não sou digno nem sequer de desamarrar a correia das sandálias dele. Ele é quem batizará vocês com o Espírito Santo e com fogo.’ Todo o povo foi batizado. Jesus, depois de batizado, estava rezando. Então o céu se abriu, e o Espírito Santo desceu sobre ele em forma corpórea, como pomba. E do céu veio uma voz: ‘Tu és o meu Filho amado! Em ti encontro o meu agrado’.”

Ora, você é cristão, batizado, tem religião, tem fé, gosta das coisas da fé… por acaso você consegue ver a vida como quem tem diante de si o céu aberto, para o Espírito Santo? E, ainda mais, está disposto a viver como quem recebe da voz de Deus a declaração: “este é o meu Filho amado!”?

A ‘nova esperança’ do céu aberto e da voz de Deus já lhe pertence desde o batismo. Resgate-a para que sua vida tenha um verdadeiro sentido, apesar do mundo. “Não amem o mundo e nem o que há no mundo. Se alguém ama o mundo, o amor do Pai não está nele. Pois tudo o que há no mundo – os apetites baixos, os olhos insaciáveis, a arrogância do dinheiro – são coisas que não vêm do Pai, mas do mundo. E o mundo passa com seus desejos insaciáveis. Mas quem faz a vontade de Deus permanece para sempre” (1Jo 2,15-17).

Pense nisso! Faça novas escolhas! Seja feliz!

PE. EDIVALDO PEREIRA DOS SANTOS




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Quando muitas recordações se acumulam no decorrer de nossas existências, já é longa a estrada percorrida. Ano após ano, a experiência do passado parece-nos um baú de reminiscências, boas ou ruins, que se abre em nossas mentes com o peso da saudade ou a alegria de um momento bem vivido. Lembranças, quem não as têm?

Ano novo sempre nos proporciona a magia dessas recordações. Quando criança, juntava-me ao grupo de crianças alegres e esperançosas, para a coleta do simbólico “ano bom”, que poderia ser um doce, uma bala ou mirradas moedas. Contentávamos com pouco. Meu pai, dono de uma pequena fábrica de refrigerantes, abria as portas de sua indústria e distribuía guaraná às levas de crianças que se enfileiravam ordeiramente à espera de sua vez. Um pipoqueiro abarrotava seu carrinho com vistosas pipocas coloridas e as distribuía feliz da vida. Assim também agia um sorveteiro, cujos picolés de groselha, anis e abacaxi eram a festa da garotada. Depois, com sagrado respeito e sem excessos, retribuíamos aos adultos desejando prosperidade naquele ano e agradecendo com um “Deus lhe pague” sem muita percepção do que dizíamos.

Tempos felizes, aqueles! Sem traçar qualquer paralelo, olho para as crianças que hoje repetem essa tradição. Os sonhos, a inocência, o desejo de seus corações ingênuos continuam os mesmos. “Feliz Ano Novo, tio”! Quase não se percebe o desejo final: “Deus lhe pague”! Essa constatação é o que mais me preocupa e assusta. Será que nossas crianças perderam o referencial divino, a mística da gratidão?

Creio que não. A infância pura e despretensiosa é a mais inviolável guardiã do sagrado, do misterioso dom da vida que procede de Deus. Não a demonstram verbalmente, não por propósito, mas por falta de exemplos da parte dos adultos. A sociedade já não demonstra com clareza esse respeito místico, esse desejo simples e belo de gratidão Àquele que nos possibilitou vencer mais um ano. Se o desejo de hoje é apenas de prosperidade material, com esforço e mérito próprios, é fatal que se exclua Deus dessa história. A cada ano, o que vemos acontecer prepotentemente em nossa sociedade é o distanciamento humano da providência divina.

O pensamento típico do materialismo em excesso trilha uma diretriz perigosa: “Se eu não lutar, ninguém lutará por mim; se não o fizer, ninguém o fará; se não correr atrás, outros chegarão primeiro”. E assim por diante… Nem aquela máxima do “cada um pra si e Deus pra todos” vale mais. Por que então incluir Deus no mérito de nossas conquistas, quando o que conta é o mérito pessoal?

Lembro-me de fabula bem a propósito. Um pobre viajante atravessava um deserto. Em meio à travessia, encontrou-se com a caravana de um rico príncipe, dono de vasta fortuna, que naquela viajem se encontrava desprovido de alimentos. O príncipe, humildemente, pediu ao viajante um pedaço do seu pão. Mais por piedade, do que caridade, o pobre tirou pequena lasca do seu mirrado alimento e a estendeu ao príncipe.

Mais adiante, à sombra de um oásis, o viajante parou para se alimentar. Ao retirar o pão de sua sacola, com ele encontrou uma pequena pedra de ouro. Ouro puro! Percebeu então que aquela jóia tinha o exato tamanho da lasca de pão dada ao príncipe. Então se lamentou por não lhe ter oferecido o pão inteiro.

Eis nossa história. Ano vai, ano vem e muitos de nós, viajantes nessa terra, não nos damos conta de que Deus cruza nosso caminho a todo instante. Não só nos acompanha nessa travessia, como também nos pede um gesto de gratidão, um sinal de confiança em sua providência e amor. Ele que nos dá todas as riquezas da vida, que não nos deixa faltar o essencial e nos colocou nessa terra para merecermos a paga de sua generosidade. Porque “uma geração passa, outra vem; mas a terra subsiste” (Ecle 1,4). E Deus continua nos abençoando em proporção de nossos méritos e boas ações.

WAGNER PEDRO MENEZES [email protected]




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Tudo passa: as datas, os momentos, os acontecimentos, as pessoas… tudo!

Mas, apesar de passarem, fica, sempre, algo em nós, como marca. As marcas do que se foram, sempre ficam!

Identificar, em nós, as marcas de tudo o que passou, significa muito mais do que mera lembrança. Significa lucidez, realismo, gratidão, esperança, fé, coragem, discernimento… significa respeito. Mesmo quando as marcas são doloridas.

O que ficou do Natal 2019 para você? O que ficou do Natal 2019 em você?

O que você quer que fica do Natal 2020 para você? O que você espera que fique do natal 2020 em você?

Quando o natal é vivido somente como data, bebida, comida, viagem, festa, dança, fogos de artifício, pouco fica. Tudo isso até que, faz parte, mas é insuficiente! O natal vai além!

Eu acredito num natal vivo, sempre, porque o natal tem como marca profunda o próprio Jesus! E, é isso o que permanece!

Natal pra mim é alegria! A alegria é tudo na vida. Melhor ainda, quem tem alegria não envelhece nunca. A alegria do coração é vida para o homem, e a satisfação lhe prolonga a vida.

Natal pra mim é amizade! A amizade não é um brinquedo, mas é sempre um presente. A amizade é uma proteção poderosa, é um remédio, é uma riqueza. Encontrar um amigo é possuir um melhor tesouro. Amizade é como um bom vinho: quanto mais velha, melhor. A amizade não se ganha, se conquista e, só se conquista um amigo, convivendo. Amizade é como um trabalho que a gente faz, é preciso muita dedicação dia a dia.

Natal pra mim é amor! Não há maior amor do que dar a vida pelos amigos. O amor é sempre uma doação e, jamais uma troca. O tempo me ensinou que o amor é ponto de partida e chegada. Hoje, o que eu sei sobre o amor, aprendi por ter sido amado.

Natal pra mim é união! A união me faz pensar na força dos pequenos: não quero crescer sozinho! A união me faz lembrar o arco-íris: como faz bem quando aceitamos as diferenças! A união com o meu próximo me faz descobrir a união com Deus! Deus forma os elos de ligação, mas, quem faz a união somos nós! De fato, os laços mais fortes da união são: você e eu, porque juntos somos muito mais.

Natal pra mim é acolhida! A verdadeira acolhida garante espaço no coração. A acolhida que alguém espera receber está ligada à acolhida que deve dar. Nos velhos amigos, a acolhida é sempre nova e cheia de calor humano.

Natal pra mim é liberdade! A liberdade não tem preço porque custou o sangue de Cristo na Cruz! Foi para a liberdade que Cristo me libertou. Nele somos realmente livres! Fazer o que quer! Não é isso o que torna alguém mais livre. Disciplina, sim, é liberdade!

Natal pra mim é honrar pai e mãe! Quem honra o seu pai terá vida longa, e quem obedece ao senhor dará alegria à sua mãe.

Eu acredito num natal sempre vivo: no cotidiano, na história e na vida!

Escutem-me, vocês que andam à procura da justiça e que buscam a Javé.

Preste atenção, povo meu; dê-me ouvidos, gente minha: de mim vem a lei, e o meu direito é luz para os povos. A minha justiça está perto, a minha salvação já brotou, o meu braço governará os povos: as ilhas esperam por mim e colocam em meu braço a sua esperança.

Levantem os olhos para o céu, dêem uma olhada na terra cá embaixo: o céu se desmancha como fumaça, a terra se desgasta como roupa velha, e seus habitantes morrem como moscas; só a minha salvação é eterna, só a minha justiça não tem fim.

Escutem o que eu digo, vocês que conhecem a justiça, gente que traz a minha lei no coração: não tenham medo dos insultos dos homens, nem se rebaixem com suas caçoadas, pois eles serão roídos pela traça como roupa, serão comidos pela barata como pedaços de lã. Mas a minha justiça é eterna e a minha salvação permanece de geração em geração” (Is 51,1-8).

Feliz Natal sempre vivo!

 

P. EDIVALDO PEREIRA DOS SANTOS




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Ecumenismo é o tema. “As várias religiões oferecem uma preciosa contribuição para a construção da fraternidade e a defesa da justiça na sociedade” (271). Papa Francisco faz do VIII capítulo de sua desafiadora encíclica Fratelli Tutti mais que um capítulo à parte, mas uma sábia e oportuna conclusão: “Buscar a Deus com coração sincero, desde que não o ofusquemos com os nossos interesses ideológicos ou instrumentais, ajuda a reconhecer-nos como companheiros de estrada, verdadeiramente irmãos” (274). Não poderia ser diferente. O apelo à unidade é o grito de socorro que um mundo doente mais necessita para enfrentar esperançoso os difíceis dias de sua história atual.

As religiões, queiram ou não, possuem o mais fundamental dos papeis no processo da redenção humana, tanto física quanto espiritualmente falando. “Temos de reconhecer que, ‘entre as causas mais importantes da crise do mundo moderno, se contam uma consciência humana anestesiada e o afastamento dos valores religiosos” (275). Esse é o diagnóstico triste e fatal que o magistério da Igreja aponta como causa e consequência dos males que nos afligem. A Igreja não foge de sua responsabilidade, mas também tem consciência de sua ação transformadora como casa geradora da fé e da esperança. “Uma casa com as portas abertas… A Igreja é uma casa com as portas abertas, porque é mãe”. E acrescenta: “Queremos ser uma Igreja que serve, que sai de casa, que sai dos seus templos, que sai de suas sacristias, para acompanhar a vida e sustentar a esperança, ser sinal de unidade… para lançar pontes, abater muros, semear reconciliação” (276). Essa é a verdade, razão e ser da Igreja cristã.

“A Igreja valoriza a ação de Deus nas outras religiões e ‘nada rejeita do que, nessas religiões, existe de verdadeiro e santo… Outros bebem doutras fontes. Para nós, este manancial de dignidade humana e fraternidade está no Evangelho de Jesus Cristo” (277). Nem por isso vamos fechar nossas portas para a realidade da fé presente noutras religiões, as muitas “moradas” de que Jesus nos fala em seu ecumenismo prático e exemplar. Diálogo e respeito. “Como cristãos, pedimos que, nos países onde somos minoria, nos seja garantida a liberdade, tal como nós a favorecemos para aqueles que não são cristãos onde eles são minoria” (279). Essa é a chave da não violência, do respeito mútuo, da fraternidade entre os povos. “A verdade é que a violência não encontra fundamento algum nas convicções religiosas fundamentais, mas nas suas deformações” (282).

Princípio básico para se compreender o papel das religiões no mundo é a origem e significado do próprio termo: religar… ligar o homem a Deus. “Com efeito, o Todo-Poderoso, não precisa de ser defendido por ninguém e não quer que o Seu nome seja usado para aterrorizar as pessoas” (285). Com efeito, o Papa resgata essa verdade “em nome de Deus e de tudo isso”, para nos lembrar que o caminho de um mundo novo passa pelo diálogo e troca de conhecimento mútuo entre as religiões.

Conclui e assina esse documento com um gesto simbólico e expressivo, “junto do túmulo de São Francisco, na véspera da Memória litúrgica do referido Santo, 3 de outubro do ano 2020”, o mais desafiador ano da nossa história recente. Antes, faz referência à razão dessa encíclica: “Neste espaço de reflexão sobre a fraternidade universal, senti-me motivado especialmente por São Francisco de Assis e também por outros irmãos que não são católicos: Martin Luther King, Desmond Tutu, Mahatma Mohandas Gandhi e muitos outros” (286). Dentre eles o Beato Carlos de Foucauld, símbolo maior da ação ecumênica bem sucedida em tempos recentes. “Que todos sejam um”!

WAGNER PEDRO MENEZES wagner@meac.com.br.




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Quando uma criança nasce, não há como ficar indiferente. Naturalmente somos envolvidos pelos seus encantos. Até mesmo o mais durão se achega e sorri. Uma criança muda as feições dos tristes; arranca lágrimas; altera a rotina da casa; faz ficar acordado; reúne a família; reaproxima os vizinhos; desperta ao compromisso; provoca a reconciliação dos distanciados; possibilita nova visão; amolece o coração de pedra…  Assim é o natal: na fragilidade de uma criança, chega cheio de promessas de vida nova!

Quando a fé nos chama ao Natal, o que está nos oferecendo e a oportunidade de renovação interior, de resgate dos valores, de recondução da própria vida.

Não é justo que gastemos todo o nosso tempo no natal sem fazer o natal! Compramos, presenteamos, comemos, bebemos, viajamos, passeamos, dormimos… fazemos de tudo… mas, e o natal? Vamos deixar que o natal passe, mais um ano, considerado, apenas como data comemorativa ou tempo de festa? Vamos deixar que o natal fique, mais um ano, nas fotos, nas lembranças e nos gastos? Vamos deixar que o natal fique, mais uma vez, para o ano que vem?

Não! O natal é agora! É pra hoje!

O natal é como o nascimento de uma criança: envolvente por dentro e por fora de cada um de nós! O Natal é promessa de vida nova!

Por que não mudarmos alguns hábitos? Por que não mudarmos algumas práticas? Por que não mudarmos a mentalidade? Por que não mudarmos o rumo da prosa?

Podemos até ficar indiferentes aos apelos de fé do natal, com justificativas (injustificáveis) que não entendemos de teologia, que não nos envolvemos com religião, que não temos tempo, que não acreditamos nisso, que não isso… que não aquilo. Mas, não podemos ficar indiferentes aos apelos da vida que pede renovação.

O Natal é promessa de vida nova para hoje! Deus se fez homem e se ocupa com as nossas causas. Ele é “Deus conosco!” Porque nos ama, está próximo de nós, não como expectador, mas como ‘nascido de mulher’; ele é “carne da nossa carne e osso dos nossos ossos”; ele é nosso Salvador e Redentor; ele é o nosso Deus, para sempre!

O natal nos oferece um novo caminho para novos passos:

“Meu filho, escute e receba os meus conselhos, e eles multiplicarão os anos de sua vida. Estou lhe mostrando o caminho da sabedoria e guiando você pelas trilhas da retidão.

Ao caminhar, seus passos não vão se embaraçar e, ao correr, você não tropeçará. Agarre-se à disciplina, e não a solte; pratique a disciplina, porque ela é a sua vida.

Não ande pela trilha dos injustos, nem pise no caminho dos maus. Evite esse caminho, e não o atravesse. Afaste-se dele, e siga em frente.

Os injustos não dormem sem ter feito o mal; perdem o sono, enquanto não fazem alguém tropeçar. Comem a maldade como pão e bebem a violência como vinho. Mas a trilha dos justos brilha como aurora, e vai clareando até nascer o dia. O caminho dos injustos é tenebroso, e eles não sabem no que irão tropeçar.

Meu filho, esteja atento às minhas palavras e dê ouvidos aos meus conselhos. Nunca os perca de vista e guarde-os no seu coração. Pois eles são vida para quem os encontra e saúde para o seu corpo. Acima de tudo, guarde o seu coração, porque dele brota a vida. Afaste-se da boca enganosa e fique longe dos lábios falsos. Que seus olhos olhem para a frente e seu olhar se dirija para diante.

Fique atento às trilhas onde você coloca os pés, e que todos os seus caminhos sejam firmes. Não se desvie nem para a direita, nem para a esquerda, e afaste do mal os seus passos” (Pr 4,10-27).

Não dá para ficar indiferente à verdade do natal e seus apelos de vida nova. Feliz Natal!

 

PE. EDIVALDO PEREIRA DOS SANTOS




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“Novo encontro não significa voltar ao período anterior aos conflitos. Com o tempo, todos mudamos (226)”. Com essa proposta reconciliadora, baseada em atitudes de perdão, Papa Francisco inicia o VII capítulo de sua desafiadora carta ao mundo de hoje, cujo título nos congrega como irmãos (Fratelli Tutti) e aponta verdades ocultas na recente história que vivenciamos. “De fato, a verdade não deve levar à vingança, mas antes à reconciliação e ao perdão (227)”.

Esse novo encontro com a verdade parte do reconhecimento de erros passados, da revelação de suas consequências e reconstrução dos elos perdidos através da justiça e reparação de danos. Pessoas desaparecidas, menores recrutados pela violência, mulheres vítimas de abusos… “Cada ato de violência…é uma ferida na carne da humanidade”, que deve ser medicada ou indenizada. “As brigas de família tornam-se reconciliações mais tarde (230)”. A família humana também anseia por essa atitude de reconciliação universal. “Nunca está terminada a construção da paz social num país, mas é ‘uma tarefa que não dá tréguas e exige o compromisso de todos’ (232)”. Sobretudo os mais injustiçados merecem prioridades numa política de reconstrução social. “Se às vezes os mais pobres e os descartados reagem com atitudes que parecem antissociais, é importante compreender que, em muitos casos, tais reações têm a ver com uma história de desprezo e falta de inclusão social (234)”.

Se é inevitável o conflito social, necessário se faz atenuar seus malefícios. Buscar soluções de bom senso é o mínimo. “O perdão e a reconciliação são temas de grande relevo no cristianismo e, com várias modalidades, noutras religiões (237)”. As legítimas lutas do povo oprimido não prescindem de atitudes de amor e reconciliação. “Somos chamados a amar a todos, sem exceção, mas amar um opressor não significa consentir que continue a ser tal; nem levá-lo a pensar que é aceitável o que faz (241)”. Injustiça social não é e nunca será prática cristã. “Também não devemos esquecer as perseguições, o comércio de escravos e os massacres étnicos que se verificaram e verificam em vários países (248)”. O novo encontro que o Papa propõe ao mundo se inicia num diálogo sem rancores, mas que passa pela reconciliação. “O perdão é precisamente o que permite buscar a justiça sem cair no círculo vicioso da vingança nem na injustiça do esquecimento (252)”.

Nunca mais a guerra, pede o Papa. “Toda a guerra deixa o mundo pior do que o encontrou. A guerra é um fracasso da política e da humanidade, uma rendição vergonhosa uma derrota perante as forças do mal (261)”. Tão trágica quanto ela, só a pena de morte! Esta é a mais vil das vinganças sociais ainda em prática em muitos países. Não se permite o perdão, a reconciliação, a restauração… que subtrai dum semelhante o pouco de dignidade que ainda lhe possa existir na vida. Só Deus é o Senhor da Vida, só Ele pode julgar. “Isso tornou particularmente perigoso o costume crescente que há, nalguns países, de recorrer a prisões preventivas, a reclusões sem julgamento e especialmente à pena de morte” (266). Conhecemos, e bem, os deslizes tendenciosos que um julgamento humano pode cometer. “A Igreja frisou oportunamente alguns deles como a possibilidade da existência de erro judicial e o uso que dela fazem os regimes totalitários e ditatórias, que a utilizam como instrumentos de supressão da dissidência política ou perseguição das minorias religiosas e culturais (268)”.

Então Francisco conclui esse capítulo com citações bem a contento. “Aos cristãos que hesitam e se sentem tentados a ceder a qualquer forma de violência, convido-os a lembrar este anúncio do livro de Isaías: ‘transformarão as suas espadas em relhas de arado’ (2,4). Para nós, esta profecia encarna em Jesus Cristo, que, ao ver um discípulo excitado pela violência, lhe disse com firmeza: ‘Mete a tua espada na bainha, pois todos quantos se servirem da espada, morrerão à espada’ (Mt 26,52), (270)”.

WAGNER PEDRO MENEZES [email protected].

 

 

 




Diocese de Assis

O sexto capítulo de Fratelli Tutti desafia-nos a retomar o diálogo em todos os campos dos relacionamentos humanos. Seja na família, na sociedade, no trabalho ou mesmo entre povos, raças e nações. “O diálogo perseverante e corajoso não faz notícia com as desavenças e os conflitos; e, contudo, de forma discreta mas muito mais do que possamos notar, ajuda o mundo a viver melhor. (198)”. Teoricamente, bem conhecemos esse efeito da prática do diálogo. Mas efetivamente, quanta confusão!

Lembro-me de um movimento católico para casais onde um dos baluartes que lhe atribuíam sucesso chamava-se “dever de sentar-se”. Esse “dever”, diante do outro, é que era o problema. Para mim, nada que fosse “obrigatório”  e não espontâneo, perdia efeito na prática do diálogo. Então me frustrava tal dever. “Muitas vezes confunde-se o diálogo com algo muito diferente: uma troca febril de opiniões nas redes sociais, muitas vezes pilotada por uma informação mediática nem sempre fiável. Não passam de monólogos que avançam em paralelo (200)”, diz o papa. Portanto, diálogo não se impõe, mas nasce da espontaneidade presente numa relação sadia. “A falta de diálogo supõe que ninguém, nos diferentes setores, está preocupado com o bem comum, mas com obter as vantagens que o poder lhe proporciona (202)”. Diálogo com pretensões de vantagens e sem visão do bem comum está fadado ao fracasso. É preciso construir juntos.

O consenso é a base do sucesso. “Temos que nos exercitar em desmascarar as várias modalidades de manipulação, deformação e ocultamento da verdade nas esferas pública e privada (208)”. A transparência dos ideais que se buscam numa atitude de diálogo deve estar à frente de qualquer outro objetivo. Esse é o primeiro passo: clareza no que se busca. “Numa sociedade pluralista, o diálogo é o caminho mais adequado para se chegar a reconhecer aquilo que sempre deve ser afirmado e respeitado e que ultrapassa o consenso ocasional (211)”. Essa é a nova cultura desejada e ansiosamente trabalhada pelos meios diplomáticos da atualidade.

Então Francisco cita um brasileiro, Vinícius de Morais, que bem definiu essa busca humana: “A vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro na vida”. E acrescenta: “Isto implica o hábito de reconhecer, ao outro, o direito de ser ele próprio e de ser diferente (218)”. Cita, então as gritantes diferenças existenciais, sociais e culturais presentes na realidade humana. A questão indígena é uma dessas. “A intolerância e o desprezo perante as culturas populares indígenas são uma verdadeira forma de violência, própria dos especialistas em ética sem bondade que vivem julgando os outros. Mas nenhuma mudança autêntica, profunda e estável é possível, se não se realizar a partir das várias culturas, principalmente dos pobres (220)”.

Na realidade, o diálogo que o papa nos propõe necessita de um rótulo novo, além do consenso diplomático: a amabilidade. Essa é a cor do diálogo autêntico, aquele que possui o rosto de Cristo oferecendo a água viva junto ao poço da “humanidade pecadora”… “É um modo de tratar os outros, que se manifesta de diferentes formas: amabilidade no trato, cuidado para não magoar com as palavras ou os gestos, tentativa de aliviar o peso dos outros. Supõe ‘dizer palavras de incentivo, que reconfortam, consolam, fortalecem, estimulam’ em vez de ‘palavras que humilham, angustiam, irritam, desprezam” (Exort Amoris Laetitia), diz Francisco ao final desse capítulo (223). E conclui: “A amabilidade é uma libertação da crueldade que às vezes penetra nas relações humanas, da ansiedade que não nos deixa pensar nos outros, da urgência distraída que ignora que os outros também têm o direito de ser felizes (224)”.

WAGNER PEDRO MENEZES [email protected].