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DIOCESE DE ASSIS

Quem nunca assistiu aos desenhos animados de super-heróis?

Quem nunca se imaginou um deles, vestindo suas roupas, repetindo suas palavras, imitando seus trejeitos…?

Mas, os heróis, apesar de indestrutíveis, são sempre vulneráveis. Aquiles é vulnerável no calcanhar; o super-homem não resiste à kriptonita, um cristal, esverdeado de sua terra natal; o homem de gelo não resiste ao calor…

Na vida humana, não há nada que justifique os artifícios de super-heróis, para viver. Apesar disso, sempre queremos vencer as coisas e ser felizes, baseados em forças fantásticas; em vida de super-heróis.

É uma tolice pensar a vida nesses termos porque, nesse faz de contas, não sobre outra coisa a não ser viver de ilusões e para as ilusões.

Agora, reflita bem!

Será que a fé não corre o risco de ser considerada um artifício de super-heróis?

Pois é! Antes, que isso seja um fato, precisamos corrigir as maneiras, a mentalidade, os critérios e as exigências de fé que nos fazemos.

De certa maneira, a fé resiste a tudo, menos à falta de convicção.

“Deus é testemunha fiel de que a palavra que dirigimos a vocês não é 1sim e não’. De fato Jesus Cristo, o Filho de Deus, que eu, Silvano e Timóteo anunciamos a vocês, não foi ‘sim e não’, mas unicamente ‘sim’. Todas as promessas de Deus encontraram nele o seu sim; por isso, é por meio dele que dizemos ‘Amém’ a Deus, para a glória de Deus. Quem nos fortalece juntamente com vocês em Cristo e nos dá a unção é Deus. Deus nos marcou com um selo e colocou em nossos corações a garantia do Espírito” (2Cor 1,18-22).

A Sagrada Escritura está repleta de outras sobre as convicções para a fé:

Convicção acerca do poder do amor (1Cor 13,1-8); acerca do Amor de Deus (Is 43,1-7); acerca da indissolubilidade do casamento (Mt 19,3-9); acerca de Cristo Salvador (Rm 10,6-13); acerca da Partilha (Mt 19,16-30); acerca da verdade (2Cor 13,5-8); acerca da própria (Mt 17,20; Lc 17,5-6); acerca da confiança (Mt 6,25-34); acerca da liberdade em Cristo (Gl 5,1); acerca do seguimento (Jo 1,35-39); acerca da missão (Mt 28,16-20); acerca da unidade na diversidade (Ef 4,3-16); acerca da cruz de Cristo (Fl 3,18-21); acerca da santidade (Fl 2,6-11; Hb 12,14); acerca da vida eterna (2Mc 7,30-38); acerca da conversão e do perdão (Lc 15,1-32); acerca do Reino de Deus (Mc 1,15); acerca dos dons e talentos (Mt 25,14-30; 1Cor 12,1-11); acerca da vida eterna (2Mc 7,30-38); acerca da oração (Mt 6,7-15)…

Por falta de convicção a fé sucumbe à qualquer coisa: à dúvida, ao sofrimento, à dor, ao medo, às perdas, à fome, às tribulações… Vejamos o que nos diz, ainda, a Palavra:

“Quem nos poderá separar do amor de Cristo? A tribulação, a angústia, a perseguição, a fome, a nudez, o perigo, a espada? Como diz a Escritura: ‘Por tua causa somos postos à morte o dia todo, somos considerados como ovelhas destinadas ao matadouro’. Mas, em todas essas coisas somos mais do que vencedores por meio daquele que nos amou. Estou convencido de que nem a morte nem a vida, nem os anjos nem os principados, nem o presente nem o futuro, nem os poderes, nem as forças das alturas ou das profundidades, nem qualquer outra criatura, nada nos poderá separar do amor de Deus, manifestado em Jesus Cristo, nosso Senhor” (Rm 8,35-39).

“Ele, então me respondeu: ‘Para você basta a minha graça, pois é na fraqueza que a força manifesta todo o seu poder’. Portanto, com muito gosto, prefiro gabar-me de minhas fraquezas, para que a força de Cristo habite em mim. E é por isso que eu me alegro nas fraquezas, humilhações, necessidades, perseguições e angústias, por causa de Cristo. Pois quando sou fraco, então é que sou forte” (2Cor 12,9-10).

Não é preciso dizer mais nada porque, sem convicções, a fé não resiste!

PE. EDIVALDO PEREIRA DOS SANTOS




Diocese de Assis

 

A melhor política é aquela que ainda considera o governo do povo como o mais sagrado dos poderes. É essa a tônica central do quinto capítulo de “Todos irmãos”, a tradução mais aproximada do título da última encíclica papal. ‘Mas hoje, infelizmente, muitas vezes a política assume formas que dificultam o caminho para um mundo diferente (154)”. Como seria, então, a política ideal sonhada e sugerida pelo Papa?

Primeiramente, cuidado com o populismo e ou liberalismo em excesso. Tais termos “invadiram os meios de comunicação e a linguagem geral, perdendo assim o valor que poderiam conter (156)”, a ponto de tornar impossível a opinião de um político qualquer “sem tentarem classifica-lo num desses polos: umas vezes para o desacreditar injustamente, outras para o exaltar desmedidamente (156)”. Praticamos uma política binária, deixando de lado a amplitude da democracia autêntica, “cujo significado é precisamente ‘governo do povo’ (157)”, isto é, não se restringe a uma polarização simplista e extremista diante de uma diversidade de direitos e deveres infindos. “Pertencer a um povo é fazer parte duma identidade comum, formada por vínculos sociais e culturais (158)”. “Mas degenera num populismo insano, quando se transforma na habilidade de alguém atrair consensos a fim de instrumentalizar politicamente a cultura do povo (159)”. Conhecemos, e bem, esse oportunismo partidário que corrói vínculos sociais e destrói cultura e tradição de nações inteiras. “Os grupos populistas fechados deformam a palavra povo, porque aquilo de que falam não é um verdadeiro povo (160)”.

O que aqui se ventila é a exploração política no mundo do trabalho. O verdadeiro populismo vai além da questão trabalhista, pois vê no caráter operacional do ser humano uma graça criadora em função da sobrevivência, do bem estar, da realização pessoal. “Por mais que mudem os sistemas de produção, a política não pode renunciar ao objetivo de conseguir que a organização duma sociedade assegure a cada pessoa uma maneira de contribuir com as suas capacidades e o seu esforço (162)”. A vida de labor é um ato de louvor a Deus que “colocou em cada um, as suas capacidades, a sua iniciativa e o seu esforço”, para a construção de um mundo melhor. Não há espaço para instrumentalização desse dom divino. “Naturalmente isto implica que não exista apenas uma possível saída, uma única metodologia aceitável, uma receita econômica aplicável igualmente por todos, e pressupõe que mesmo a ciência mais rigorosa possa propor recursos diferentes (165)”. Cada caso, seu caso. Cada povo, sua história. Cada qual na sua caminhada.

É fato que o poder internacional hoje dita normas, em especial no mundo financeiro. ‘Parece que as reais estratégias, posteriormente desenvolvidas no mundo, se têm orientado para maior individualismo, menor integração, maior liberdade para os que são  verdadeiramente poderosos…(170)” Esses se acham donos do mundo. Iludem-se no autoritarismo que praticam. Falam até na  criação de uma autoridade mundial, quando por primeiro deveriam fortalecer e legitimar a autoridade pessoal. Antes, deveriam “prever pelo menos a criação de organizações mundiais mais eficazes, dotadas de autoridade para assegurar o  bem comum (172)”.Nesta linha “a ação das comunidades e organizações de nível menor… realizam esforços admiráveis com o pensamento no bem comum, e alguns dos seus membros chegam a cumprir gestos verdadeiramente heróicos que mostram de quanta bondade ainda é capaz a nossa humanidade (175)”.

Como vemos, a política é necessária. Mas Papa Francisco insiste num ponto: “a política não deve submeter-se à economia e esta não deve submeter-se aos ditames e ao paradigma eficientista da tecnocracia (177)”. A questão é tão vasta que merece uma lauda mais em nossos comentários. Não encerra o quinto capítulo, mas o deixa em suspenso para uma questão a mais: é possível o amor político?  Aguardem… Descobriremos juntos.

WAGNER PEDRO MENEZES [email protected]

 

 




Diocese de Assis

As discriminações e segregações das minorias sociais são hoje um grande entrave na construção dum mundo melhor, uma sociedade fraterna. Essa é a tônica do quarto capítulo de Fratelli Tutti, a encíclica papal que está dando o que falar. Dentre essas minorias, apresenta por primeiro a questão dos migrantes, pois: “enquanto não houver sérios  progressos nesta linha, é nosso dever respeitar o direito que tem todo o ser humano de encontrar um lugar onde possa não apenas satisfazer as necessidades básicas dele e da sua família, mas também realizar-se plenamente como pessoa (129)”. Segue então uma vasta lista de sugestões de como acelerar os processos de integração dessas pessoas. Nada tão dispendioso e impraticável. Só a necessidade de abrirmos nossos corações para essa realidade ainda vergonhosa no mundo.

Então Francisco nos surpreende com uma sugestão quase impensável nos movimentos sociais dos nossos dias: suprimir o termo “minorias”. Textualmente diz: “é necessário empenhar-se por estabelecer nas nossas sociedades o conceito de cidadania plena e renunciar ao uso discriminatório do termo minorias, que traz consigo as sementes de se sentir isolado e da inferioridade”. Corajoso, o homem! Levantar-se contra a constituição sectária de tantos e tantos grupos e guetos sociais exige coragem e clareza de espírito. Então justifica sua oposição: “isto prepara o terreno para as hostilidades e a discórdia e subtrai as conquistas e os direitos religiosos e civis de alguns cidadãos, discriminando-os (131) “. De fato, não há nada pior para um indivíduo do que sentir-se segregado na massa, isolado, apartado do meio.

“Entretanto, quando se acolhe com todo o coração a pessoa diferente, permite-se-lhe continuar a ser ela própria, ao mesmo tempo que se lhe dá a possibilidade dum novo desenvolvimento (134)”. Essa é a mais pura verdade! “Na realidade, a ajuda mútua entre países acaba por beneficiar a todos”, pois “precisamos de fazer crescer a consciência de que, hoje, ou nos salvamos todos ou não se salva ninguém (137)”. Os sinos apocalípticos não badalam só por questões ambientais, mas também e principalmente por conflitos sociais, esses que atiçam guerras e alimentam de ódio os corações humanos. O sonho de domínio e de poder ainda continua nos dividindo como raça. “É a tentação manifestada na antiga narração da Torre de Babel: a construção daquela torre que chegasse até ao céu não expressava a unidade entre vários povos… (144)”. “Na realidade, toda a cultura saudável é, por natureza, aberta e acolhedora, pelo que uma cultura sem valores universais não é uma verdadeira cultura (146)”.

Papa Francisco sabe o que fala e onde pisa. Seu coração aberto à realidade do mundo nos aponta novos caminhos com uma clareza quase assustadora, pois que transforma nosso ponto de vista. “Para estimular uma sadia relação entre o amor à pátria e uma cordial inserção na humanidade inteira, convém lembrar que a sociedade mundial não é o resultado da soma dos vários países, mas sim a própria comunhão que existe entre eles (149)”. Já havia pensado assim? De fato, eis um conceito novo para se assimilar. Porque: “nos lugares que conservam tais valores comunitários, as relações de proximidade são marcadas pela gratuidade e reciprocidade… Oxalá fosse possível viver isto também entre países vizinhos (152)”, deixa escapar nosso pastor.

O mundo precisa usar mais o coração do que a mente… Isso no sentido de relacionar-se mais com a alma do que com o cérebro, bem dizendo. Francisco incentiva a formação de blocos, não só no sentido comercial, mas no esforço de construção da santa e tradicional política da boa vizinhança, onde a ajuda mútua é sempre cordial e fraterna. Então fecha esse capítulo: “Hoje nenhum Estado nacional isolado é capaz de garantir o bem comum da própria população (153)”.

WAGNER PEDRO MENEZES [email protected]




Diocese de Assis

As ações de Deus estão sempre escondidas ao entendimento humano.

A verdade é que as ações de Deus estão sempre ligadas, coerentemente, ao seu Plano de Amor. Quer dizer: ele quer nos salvar! Tudo o que Deus faz é para realizar esta Vontade. Como não compreendemos isso, não compreendemos as ações de Deus. O nosso olhar, pensamento, vontade e desejos vivem em conflito dentro de nós (cf Gl 5,7).

Muitas vezes, contra nossa própria natureza e salvação, acabamos buscando e escolhendo o que nos prejudica, física e espiritualmente. Essa contradição explica porque temos dificuldade de agir e viver segundo a Vontade de Deus. Diz o Senhor em Isaías: “Os meus projetos não são os projetos de vocês, e os caminhos de vocês não são os meus caminhos – oráculo de Javé.” (Is 55,8-9).

Vamos partir para uma situação concreta apresentada no evangelho de João, capítulo 6.

Uma grande multidão procura Jesus “porque as pessoas viram os sinais que ele fazia, curando os doentes” (Jo 6,2). Jesus atende o povo que não só tem sede de Deus, mas está com fome. Jesus lhes dá a Palavra, mas, também lhes dá o pão: “Jesus pegou os pães, agradeceu a Deus e distribuiu aos que estavam sentados. Fez a mesma coisa com os peixes. E todos comeram o quanto queriam”. Ele os saciou plenamente!

Jesus realizou a multiplicação dos pães e peixes como um sinal da salvação que ele queria realizar. A partir de uma necessidade humana queria entregar-lhes o Reino.

O povo voltou no dia seguinte para procurar Jesus: “Quando encontraram Jesus no outro lado do lago, perguntaram: ‘Rabi, quando chegaste aqui?’ Jesus respondeu: ‘Eu garanto a vocês: vocês estão me procurando, não porque viram os sinais, mas porque comeram os pães e ficaram satisfeitos’” (Jo 6,25-26).

Vemos aqui, uma clara inversão de valores, fruto da incompreensão. Enquanto Jesus quer dar o máximo, o povo vem buscar o mínimo. E então Ele repreende o povo: “Não trabalhem pelo alimento que se estraga; trabalhem pelo alimento que dura para a vida eterna. É este alimento que o Filho do Homem dará a vocês, porque foi ele quem Deus Pai marcou com seu selo” (Jo 6,27).

O Diálogo com o povo se prolonga e os ensinamentos de Jesus aprofundam Plano de amor de Deus: “Então eles perguntaram: ‘O que é que devemos fazer para realizar as obras de Deus?’ Jesus respondeu: ‘A obra de Deus é que vocês acreditem naquele que ele enviou.’ (…)‘Eu garanto a vocês: Moisés não deu para vocês o pão que veio do céu. É o meu Pai quem dá para vocês o verdadeiro pão que vem do céu,  porque o pão de Deus é aquele que desce do céu e dá vida ao mundo.’ Então eles pediram: ‘Senhor, dá-nos sempre desse pão.’” (Jo 6,28-34).

O Ensinamento de Jesus propõe uma nova visão: “Eu sou o pão da vida. Quem vem a mim não terá mais fome, e quem acredita em mim nunca mais terá sede. Eu já disse: vocês me viram e não acreditaram’.” (Jo 6,35-36); propõe uma nova maneira de alimentar a vida: “se vocês não comem a carne do Filho do Homem e não bebem o seu sangue, não terão a vida em vocês. Quem come a minha carne e bebe o meu sangue tem a vida eterna, e eu o ressuscitarei no último dia (53-54).

Infelizmente, a incompreensão chega, sempre, antes da decisão por uma vida nova porque cega os olhos e o coração: “Depois que ouviram essas coisas, muitos discípulos de Jesus disseram: ‘Esse modo de falar é duro demais. Quem pode continuar ouvindo isso?’ Jesus sabia que seus discípulos estavam criticando o que ele tinha dito. A partir desse momento, muitos discípulos voltaram atrás, e não andavam mais com Jesus. Então Jesus disse aos Doze: ‘Vocês também querem ir embora?’” (Jo 6,60-67).

Pergunta difícil, esta, no final deste texto para quem vive sempre encima do muro ou pensando a vida só como satisfação de momento: física e material. Mas, é possível reconsiderar posturas e decisões e responder como Pedro: ‘A quem iremos, Senhor? Tu tens palavras de vida eterna’ (Jo 6,68).

Dê a você mesmo a chance de experimentar algo maior do que pede a sua vontade humana. Conheça a vontade de Deus! Deixa Deus saciar a sua vida!

 

PE. EDIVALDO PEREIRA DOS SANTOS




Diocese de Assis

“O ser humano está feito de tal maneira que não se realiza, não se desenvolve, nem pode encontrar a sua plenitude ‘a não ser no sincero dom de si mesmo (87)”. Assim Papa Francisco inicia o terceiro capítulo de Fratelli Tutti, sua mais recente encíclica. Assim Francisco pensa, nos dois sentidos (reflete e cura), dando inicio ao mais polêmico dos capítulos de sua mensagem. Um mundo aberto só é possível com o pensamento e a ação humana, o ideal e a prática, a solidariedade e a cura… “Não há vida quando se tem a pretensão de pertencer apenas a si mesmo e de viver como ilhas: nestas atitudes prevalece a morte (id)”.

Solidariedade é a palavra-chave. “A minha relação com uma pessoa, que estimo, não pode ignorar que esta pessoa não vive só para a sua relação comigo, nem eu vivo apenas relacionando-me com ela (89)”. Essa é a abertura que falta nas relações humanas e, por conseguinte, nas relações internacionais. O mundo só será melhor, mais justo e toleravelmente mais humano, quando suas fronteiras deixarem de ser barreiras separatistas. “Ninguém amadurece nem alcança a sua plenitude, isolando-se (95)”. As sociedades abertas são as que mais integram, pois têm plena consciência de que “cada irmã ou cada irmão que sofre, abandonado ou ignorado pela minha sociedade, é um forasteiro existencial, embora tenha nascido no mesmo país (97”. Esse é o perigo das fronteiras segregacionistas, aquelas que se fecham à realidade do mundo. “Se uma globalização pretende fazer a todos iguais, como se fosse uma esfera, tal globalização destrói a riqueza e a singularidade de cada pessoa e de cada povo”. Aqui Francisco não veste luvas, mas toca forte na ferida da falsa diplomacia. E vaticina: “Este falso sonho universalista acaba por privar o mundo da variedade das suas cores, da sua beleza e, em última análise, da sua humanidade (100)”.

Afinal, queremos ser “próximos” ou “sócios”? Queremos liberdade, igualdade e fraternidade, como nos lembra aquela revolução que resgatou a dignidade do povo francês, ou apenas garantir os lucros advindos do nosso egoísmo constitucionalizado? “Aqueles que são capazes apenas de ser sócios, criam mundos fechados (104)”. Sem maiores comunhões dos direitos e deveres coletivos não chegaremos ao mundo novo que sempre sonhamos. Começa com maiores respeitos ao indivíduo que somos no meio. “Se cada um vale assim tanto, temos de dizer clara e firmemente que ‘o simples fato de ter nascido num lugar com menores recursos ou menor desenvolvimento não justifica que algumas pessoas vivam menos dignamente’ (106)”. Aqui a fraternidade campeia entre liberdade e igualdade. “Se a sociedade se reger primariamente pelos critérios da liberdade de mercado e da eficiência, não há lugar para tais pessoas e a fraternidade não passará duma palavra romântica (109)”.

Chegou a hora de resgatar esse tripé com mais ênfase na solidariedade entre os povos. Começa pela família, “o primeiro lugar onde se vivem e se transmitem os valores do amor e da fraternidade, da convivência e da partilha, da atenção e do cuidado pelo outro (114)”, mas não isenta a sociedade, convidada que é a servir e restaurar sua responsabilidade social. “O serviço é ‘em grande parte, cuidar da fragilidade (115)”. Neste sentido, “o mundo existe para todos, porque todos nós, seres humanos, nascemos nesta terra com a mesma dignidade (118)”. Então vem a grande verdade: “Isto supõe também outra maneira de compreender as relações e o intercâmbio entre os países. Se toda a pessoa possui uma dignidade inalienável, se todo ser humano é meu irmão ou minha irmã e se, na realidade, o mundo pertence a todos, não importa se alguém nasceu aqui ou vive fora dos confins do seu próprio país (125)”. O usufruto é bem comum. O Papa conclui: “Se não se fizer esforço para entrar nesta lógica, as minhas palavras parecerão um devaneio (127)”.

WAGNER PEDRO MENEZES [email protected]




Diocese de Assis

O segundo capítulo da encíclica sobre a amizade e a fraternidade social, que desafia o mundo a experimentar “as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos discípulos de Cristo (56)” tem por base a mais enigmática das parábolas que o Mestre nos contou. A história do Bom Samaritano “é expressa de tal maneira que qualquer um de nós pode deixar-se interpelar por ela (id)”, independentemente das suas convicções religiosas, diz o Papa.

O desafio da mensagem está na conclusão do evangelista que a pormenorizou: “Vai e faz tu também o mesmo” (Lc 10, 25-37), depois da grande pergunta comum a qualquer ser humano: “Mestre, que hei de fazer para possuir a vida eterna”. Francisco nos lembra ser esta a perspectiva de fundo dos grandes dilemas existenciais e cita o sábio Hillel, cujo preceito está bem formulado em Mateus (7,12): “O que quiserdes que vos façam os homens, fazei-o também a eles, porque isto é a Lei e os Profetas”. A história hebraica nos fornece esse apelo de fraternidade. “Como motivo para alargar o coração a fim de não excluir o estrangeiro, invoca-se a memória que o povo judeu conserva de ter vivido como estrangeiro no Egito (61)”. As cicatrizes do passado lembram suas dores e estas reascendem com desejos de vingança.

“Foi por alguma razão que, perante  tentação das primeiras comunidades cristãs criarem grupos fechados e isolados, São Paulo exortava os seus discípulos a ter caridade uns para com os outros ‘e para com todos’ (62)”, pois a fé cristã exige a abertura para o mundo, porque “ao amor não lhe interessa se o irmão ferido vem daqui ou dacolá”. Perder tempo com o decaído, o marginalizado, o ferido na estrada não é uma tarefa que agrada. Antes, “não queremos perder tempo por culpa dos problemas alheios (65)” e aí está uma história que se repete em qualquer sociedade, independentemente de sua fé. “Hoje, há cada vez mais feridos. A inclusão ou exclusão da pessoa que sofre na margem da estrada define todos os projetos econômicos, políticos, sociais e religiosos (69)”. Aqui Francisco coloca o dedo na ferida de todos nós. E sentencia: “Nos momentos de crise, a opção torna-se premente; poderíamos dizer que, neste momento, quem não é salteador e quem não passa ao largo, ou está ferido ou carrega aos ombros algum ferido (70)”.

Mas acontece que apenas um, representante de um povo estigmatizado e também sofredor, se dispôs a ajudar. “O paradoxo é que, às vezes, quantos dizem que não acreditam podem viver melhor a vontade de Deus do que os crentes (74)”. Eis nosso dilema. “Ao engano de que ‘tudo está mal’ corresponde o dito ‘ninguém o pode consertar’ (75)”. Isso é o que chamamos de politicagem dos acomodados. “Deixemos que outros continuem a pensar na política ou na economia para os seus jogos de poder. Alimentemos o que é bom, e coloquemo-nos ao serviço do bem (77)”. Aqui Francisco desafia o mundo a construir uma corrente de Amor. “Mas que não o façamos sozinhos, individualmente, pois “nós estamos chamados a convidar outros e a encontrar-nos num ‘nós’ mais forte do que a soma de pequenas individualidades (78)”.

“Jesus propôs esta parábola para responder a uma pergunta: ‘Quem é o meu próximo?’ (Lc 10,29). A palavra ‘próximo’ na sociedade do tempo de Jesus costumava indicar a pessoa que está mais vizinha, mais próxima. Um samaritano “não estava incluído entre o próximo a quem se deveria ajudar (80)” Essa atitude de exclusão social é o mal maior das sociedades que se dizem progressistas, dinâmicas, modernas. Até a comunidade cristã já agiu assim, quando se beneficiou do sistema escravocrata e “várias formas de violência” para impor a fé. Muitos religiosos ainda passam ao largo sem um “mea culpa” para “amar e acolher a todos (86)”

WAGNER PEDRO MENEZES [email protected]




Diocese de Assis

Estamos às vésperas do dia de Finados. A instituição de um dia especial no ano para lembrar espiritualmente os finados ou almas, deve-se a uma iniciativa tomada pelos monges beneditinos, por volta do ano 1000.

O abade Santo Odilão, superior do mosteiro de Cluny, na França, deu ordem para que em todos os conventos filiados a esta Ordem se celebrasse um ofício pelos defuntos, na tarde do dia 1º de Novembro. Esta comemoração foi adotada pela autoridade da Igreja, de tal modo que, aos poucos, se tornou universal a dedicação de 2 de novembro à memória dos irmãos já falecidos.

Orações de sufrágio em favor dos mortos sempre foram praticadas na Igreja, desde os primeiros séculos. Nas catacumbas (túneis funerários) romanas , onde se sepultavam os cristãos, há inúmeras inscrições alusivas a preces que os defuntos solicitavam, em vida, dos irmãos na fé.

Santa Mônica, mãe de Santo Agostinho, ao falecer perto de Roma, enquanto viajava para a África, assim falava aos dois filhos que a acompanhavam: “Ponham meu corpo em qualquer lugar e não se preocupem mais. Só lhes peço que no altar de Deus se lembrem de mim onde quer que estejam.”

O Sentido Cristão. A instituição do “dia de finados”, corresponde a uma iniciativa de cunho religioso e se compõe dos elementos de fé que buscam uma compreensão, cada vez mais autêntica e profunda, da realidade da morte presente na vida humana. Isso significa a consagração de um dia para pensarmos na vida a partir da morte. Não como um castigo de Deus, nem como um fracasso e muito menos como uma derrota. Pelo contrário, como o resgate da pessoa humana, operado por Jesus Cristo, quando ressuscitou dos mortos. Ai se encontra o seu verdadeiro sentido cristão.

A Secularização. Há alguns anos podemos notar uma modificação no comportamento das pessoas em relação ao dia de Finados. A data vem perdendo o seu sentido Cristão para transformar-se em um momento de lazer e passeio e não mais de vivenciar uma experiência de fé. É o que chamamos de Secularização. Ou seja, um conjunto de atitudes, comportamentos e práticas que vão depreciando o valor e essência das comemorações e dias religiosos. E, com se não bastasse, dando uma outra versão e sentido para eles.

Grande parte das pessoas aproveita o “feriadão” para viajar, enquanto outros procuram sobreviver da economia informal, vendendo desde flores e velas até pastel, hambúrguer e melancia nos portões dos cemitérios.

A Igreja celebra a realidade de finados como uma expressão profunda de que nossos mortos não ficaram no passado.

Celebrar “finados” é um momento de esperança e reencontro: é a esperança de que um dia iremos nos encontrar com os nossos entes queridos que nos deixaram, mas é, também, encontro com pessoas do nosso dia-a-dia e com algumas que há muito tempo não víamos.

Obrigação e Pecado. A Igreja não impõe uma obrigação e nem determina como pecado, o fato de não ir ao cemitério este dia. Isso deve ser uma ação livre do nosso coração que expresse o desejo de rezar pela redenção da humanidade.

Quem não pode ir ao cemitério, não fica em dívida com Deus, por que o mais importante não é o lugar onde se faz a reflexão sobre a vida. O mais importante é conservar o valor e o sentido do dia.

Velas e Flores. Quem celebra o dia de finados deve ter em mente o seu significado universal. Nesse sentido, levar velas e flores para os mortos é também vivenciar a experiência de eternidade, que acreditamos.

O sentido da vela é o sentido da vida, da ressurreição e da esperança. Quando queimo uma vela pelas almas, estou dizendo a mim mesmo: aqui não está um morto; aqui está alguém que tem a dimensão de eternidade.

As Flores são um sinal do desejo do paraíso, do jardim. As flores significam o desejo de que nossos entes queridos participem de fato do paraíso que não é saudade, mas esperança.

PE. EDIVALDO PEREIRA DOS SANTOS




Diocese de Assis

 

Nenhuma fala pontifícia provocou tanto alvoroço quanto a que se divulgou nesta semana, através de um filme lançado em Roma, que poderia conter suposta declaração do Papa em apoio aos casais homoafetivos. A imprensa deitou e rolou. Entre mentidos e desmentidos, supostas contextualizações de uma declaração, interpretações tendenciosas e ou realistas, traduções ao pé da letra, sem considerar o texto todo, etc, etc, ecoou mais forte o humilde silêncio do próprio Papa.

Afinal, homossexuais são ou não filhos de Deus, têm ou não direitos civis, merecem ou não bençãos eclesiásticas… E por aí vai… “Pessoas homossexuais têm o direito de estar em uma família”. Eis a frase atribuída ao santo padre, que completa: “Elas são filhas de Deus e têm o direito a uma família”. Ninguém pode negar, do ponto de vista cristão, esse direito alienável a todo e qualquer ser humano gerado por graça e amor divinos, fruto do milagre da criação. Não há como renega-lo por força do Amor que nos fez imagem e semelhança, semideuses num processo criativo. O que não aprofundamos foi a questão da referência familiar, que tendenciosamente muitos interpretaram como direito de “constituir” uma família. O Papa não usou esse verbo, não disse isso. Referia-se ao direito de apoio e compreensão dos próprios familiares.

“Elas (as pessoas homossexuais) são filhas de Deus”. Quem não o é? Fomos gerados e plasmados no coração de Deus. Para o autor da mais bela encíclica sobre humanidade e fraternidade, aquela que nos lembra a maior virtude do gênero humano (Fratelli Tutti), seria grande incoerência dizer o contrário sobre determinado grupo ou povo, ou classe ou status social. Portanto, Francisco não disse nada a favor de qualquer exclusão, nem mesmo endossou possível repudio dos familiares de origem dum homossexual. Têm, sim, o direito a inserção familiar, ao amparo, à compreensão, à tolerância, ao apoio senão moral, pelo menos afetivo das próprias famílias consanguíneas. Não disse direitos familiares, como aqueles advindos de uma união conjugal.

“O que temos de criar é uma lei de união civil”. Não há como confirmar aqui a integridade textual dessa frase. O que temos é uma preocupação típica do Papa com relação aos direitos de proteção legal de todo e qualquer cidadão. Todos iguais perante a lei dos homens é base de qualquer constituição justa e humana. Já a questão que rege a consciência e seus atributos, bem como direitos e deveres, está em consonância com nossos princípios de fé. Busca sempre sintonia com a perfeição, que não aceita desvios de conduta, sejam estes de caráter moral, ético ou comportamental. A consciência do que é certo ou errado dita normas e determina nossas escolhas. Portanto, o Papa não disse que eventual união civil tenha o mesmo valor da sacralidade da união religiosa, dispensada somente para a união entre um homem e uma mulher. Esta união abençoada continuará privilégio da constituição familiar para gerar vida… e vida em abundância!

As deturpações e o alarde sensacionalista sobre esse assunto apenas confirmam o que é capaz de provocar uma mídia oportunista e sem compromisso claro com a verdade evangélica. O silêncio do Papa diz tudo. Diante das interpretações tendenciosas contra princípios imutáveis da fé, o próprio Cristo deixou sem resposta a mais capciosa das perguntas humanas: “Afinal, o que é a Verdade?”. O silêncio de Jesus culminou com sua condenação, execração pública e morte de cruz. Nada disso adiantou. O que o Papa disse ou deixou de dizer já não importa. Ridículo e vermos e ouvirmos gente nossa, até padres e lideranças comunitárias, erguerem a bandeira da crítica e algumas poucas da solidariedade fraterna, para julgarem, apoiarem ou condenarem palavras que Francisco não disse, não diria e não dirá nunca.

WAGNER PEDRO MENEZES [email protected]

 

 




Diocese de Assis

Você consegue identificar qual é o maior problema de sua vida? Você já se perguntou sobre isso ou prefere colecionar uma lista de problemas (de estimação) sobre os quais se debruça, chora, lamenta, blasfema e reclama?

Seu maior problema não é ‘a tribulação, a angústia, a perseguição, a fome, a nudez, o perigo, a espada’ (Rm 8,35), para que você não passe a vida dizendo: ‘O que vamos comer? O que vamos beber? O que vamos vestir? Os pagãos é que ficam procurando essas coisas’ (Mt 6,31-32). Na verdade, como indica a fé: ‘em todas essas coisas somos mais do que vencedores por meio daquele que nos amou’ (Rm 8,37). Deus providencia tudo para nós, abundantemente! Nada nos falta!

‘O que nos resta dizer? Se Deus está a nosso favor, quem estará contra nós? Quem acusará os escolhidos de Deus? Quem condenará? Quem nos poderá separar do amor de Cristo?’(Rm 8,31-35).

O pecado é o seu maior problema; é o nosso maior problema! Porque só o pecado nos coloca contra Deus e contra as pessoas; só o pecado nos acusa, nos condena, nos separa do amor de Cristo; só o pecado fomenta, em nós, o ódio, a violência, a vingança e a rivalidade; só o pecado traz a destruição e a morte. O pecado é fatal!

‘Por isso é que eu lhes digo: não fiquem preocupados com a vida, com o que comer; nem com o corpo, com o que vestir’ (Mt 6,25).

Preocupe-se como vencer o pecado, cada dia. Porque é ele, e nada mais, que está provocando a ruína de sua vida. Pense comigo! A fome chegou, você pediu a Deus e ele providenciou a satisfação desta necessidade, mas você não se preocupou em vencer os pecados que trouxeram a fome pra dentro de casa: o esbanjamento, o consumismo, o luxo, a vaidade etc. Ora, a fome vai continuar à sua porta! Ou então, você teve um desentendimento com sua família, suplicou a Deus e ele trouxe a paz, mas você não procurou lutar e vencer o pecado que trouxe a desunião familiar: a infidelidade, a traição, a desonestidade, a ausência etc. Ora, os desentendimentos vão continuar em sua casa. E assim será com todos os problemas da lista sobre a qual você se debruça, chora, lamenta, blasfema e reclama.

O seu maior problema é o pecado, tenha isso muito claro e você encontrará a saída para tudo! Lute para vencer o pecado e a sua vida se iluminará!

‘Que o pecado não reine mais no corpo mortal de vocês, submetendo-os às suas paixões. Não ofereçam os membros como instrumento de injustiça para o pecado. Pelo contrário, ofereçam-se a Deus como pessoas vivas, que voltaram dos mortos; e ofereçam os membros como instrumento da justiça para Deus. Pois o pecado não os dominará nunca mais, porque vocês já não estão debaixo da Lei, mas sob a graça.

E daí? Devemos cometer pecados, porque já não estamos debaixo da Lei, mas sob a graça? De forma nenhuma! Vocês não sabem que, oferecendo-se a alguém como escravos para obedecer, vocês se tornam escravos daquele a quem obedecem, seja do pecado que leva à morte, seja da obediência que conduz à justiça?

Damos graças a Deus, porque vocês eram escravos do pecado, mas obedeceram de coração ao ensinamento básico que lhes foi transmitido. Assim, livres do pecado, vocês se tornaram escravos da justiça.

Falo com palavras simples por causa da fraqueza de vocês. Assim como antes vocês puseram seus membros a serviço da imoralidade e da desordem que conduzem à revolta contra Deus, agora ponham seus membros a serviço da justiça para a santificação de vocês” (Rm 6,12-23).

Se você quiser ter uma vida feliz e realizada, peça a Deus somente que lhe dê força e condições para vencer o pecado, cada dia. Tudo o mais, Deus acrescenta… é milagre sobre milagre; graça sobre graça! Porque Deus ‘não poupou seu próprio Filho, mas o entregou por todos nós. Como não nos dará também todas as coisas junto com o seu Filho?’ (Rm 8,32).

 

PE. EDIVALDO PEREIRA DOS SANTOS




Diocese de Assis

 

          Papa Francisco surpreende mais uma vez com a atualidade de seu pensamento. A encíclica Fratelli Tutti é uma verdadeira fonte de luz e sabedoria para um mundo fechado pelas sombras dum momento crítico e assustador. Então Francisco lança luzes sobre o “anseio mundial de fraternidade” e conclama: “Sozinho, corres o risco de ter miragens, vendo aquilo que não existe; é juntos que se constroem os sonhos”.

Ouçamo-lo, então. Começa por um desafio, lembrando-nos que há muitos sonhos desfeitos em pedaços clamando por restauração. “Reascendem-se conflitos anacrônicos que se consideravam superados, ressurgem nacionalismos fechados, exacerbados, ressentidos e agressivos (11)”. O fim da consciência histórica (subtítulo inicial) utiliza-se “de jovens que a desprezem, rejeitem a riqueza espiritual e humana que se foi transmitindo através das gerações” (13) e esse mecanismo político “nega-se a outros o direito de existir e pensar e, para isso, recorre-se à estratégia de ridicularizá-los, insinuar suspeita sobre eles e reprimi-los (15)”. A manipulação opinativa e sua distorção das reais necessidades comunitárias tornou-se essencial na obra de cerceamento das liberdades humanas. O bem comum tornou-se bem de alguns. O interesse da maioria só com aprovação de uma minoria. “Cuidar do mundo que nos rodeia e sustenta significa cuidar de nós mesmos (17)”. A cultura do descarte toma conta, não só no aspecto existencial (crianças, jovens e idosos) como também alimentar e suplementar. “O descarte assume formas abjetas, que julgávamos já superadas, como o racismo que se dissimula mas não cessa de reaparecer (20)”.

Papa Francisco não mede suas palavras ao fazer denúncias. “Persistem hoje no mundo inúmeras formas de injustiças, alimentadas por visões antropológicas redutivas e por um modelo econômico fundado no lucro, que não hesita em explorar, descartar e até matar o homem (22)”.

Ou: “Também hoje, atrás das muralhas da cidade antiga está o abismo, o território do desconhecido, o deserto. O que vier de lá não é fiável, porque desconhecido, não familiar, não pertence à aldeia (27)”. Sua linguagem diplomática recorre ao obscurantismo passado para nos alertar que a ameaça do “bárbaro”, “a solidão, os medos e a insegurança…fazem com que se crie um terreno fértil para as máfias (28)” atuais. “Esmorecem os sentimentos de pertença à mesma humanidade (30)” E consola, esperançoso: “Como seria bom se, enquanto descobrimos novos planetas longínquos, também descobríssemos as necessidades do irmão e da irmã que orbitam ao nosso redor (31)”.

Atualíssimo, ainda comenta: “A tribulação, a incerteza, o medo e a consciência dos próprios limites, que a pandemia despertou, fazem ressoar o apelo a repensar os nossos estilos de vida, as nossas relações, a organização das nossas sociedades e sobretudo o sentido da nossa existência (33)”. A causa das migrações populacionais também é alvo de suas ponderações. Idem para a “ilusão da comunicação”, com seus “fakes” e disfunções eróticas ou mesmo terroristas. Observa: “Isto permitiu que as ideologias perdessem todo o respeito. Aquilo que ainda há pouco tempo uma pessoa não podia dizer sem correr o risco de perder o respeito de todos, hoje pode ser pronunciado com toda a grosseria, até por algumas autoridades políticas e ficar impune (45)”. Estamos então nas mãos de um sistema autodestrutivo, impiedoso? Não, claro que não. Este é apenas um painel dum primeiro capítulo de uma reflexão primorosa. Que nos lembra: “A recente pandemia permitiu-nos recuperar e valorizar tantos companheiros e companheiras de viagem que, no medo, reagiram dando a própria vida (54)”. Temos mais pela frente…

WAGNER PEDRO MENEZES [email protected]