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Diocese de Assis

Tudo passa: as datas, os momentos, os acontecimentos, as pessoas… tudo!

Mas, apesar de passarem, fica, sempre, algo em nós, como marca. As marcas do que se foram, sempre ficam!

Identificar, em nós, as marcas de tudo o que passou, significa muito mais do que mera lembrança. Significa lucidez, realismo, gratidão, esperança, fé, coragem, discernimento… significa respeito. Mesmo quando as marcas são doloridas.

O que ficou do Natal 2019 para você? O que ficou do Natal 2019 em você?

O que você quer que fica do Natal 2020 para você? O que você espera que fique do natal 2020 em você?

Quando o natal é vivido somente como data, bebida, comida, viagem, festa, dança, fogos de artifício, pouco fica. Tudo isso até que, faz parte, mas é insuficiente! O natal vai além!

Eu acredito num natal vivo, sempre, porque o natal tem como marca profunda o próprio Jesus! E, é isso o que permanece!

Natal pra mim é alegria! A alegria é tudo na vida. Melhor ainda, quem tem alegria não envelhece nunca. A alegria do coração é vida para o homem, e a satisfação lhe prolonga a vida.

Natal pra mim é amizade! A amizade não é um brinquedo, mas é sempre um presente. A amizade é uma proteção poderosa, é um remédio, é uma riqueza. Encontrar um amigo é possuir um melhor tesouro. Amizade é como um bom vinho: quanto mais velha, melhor. A amizade não se ganha, se conquista e, só se conquista um amigo, convivendo. Amizade é como um trabalho que a gente faz, é preciso muita dedicação dia a dia.

Natal pra mim é amor! Não há maior amor do que dar a vida pelos amigos. O amor é sempre uma doação e, jamais uma troca. O tempo me ensinou que o amor é ponto de partida e chegada. Hoje, o que eu sei sobre o amor, aprendi por ter sido amado.

Natal pra mim é união! A união me faz pensar na força dos pequenos: não quero crescer sozinho! A união me faz lembrar o arco-íris: como faz bem quando aceitamos as diferenças! A união com o meu próximo me faz descobrir a união com Deus! Deus forma os elos de ligação, mas, quem faz a união somos nós! De fato, os laços mais fortes da união são: você e eu, porque juntos somos muito mais.

Natal pra mim é acolhida! A verdadeira acolhida garante espaço no coração. A acolhida que alguém espera receber está ligada à acolhida que deve dar. Nos velhos amigos, a acolhida é sempre nova e cheia de calor humano.

Natal pra mim é liberdade! A liberdade não tem preço porque custou o sangue de Cristo na Cruz! Foi para a liberdade que Cristo me libertou. Nele somos realmente livres! Fazer o que quer! Não é isso o que torna alguém mais livre. Disciplina, sim, é liberdade!

Natal pra mim é honrar pai e mãe! Quem honra o seu pai terá vida longa, e quem obedece ao senhor dará alegria à sua mãe.

Eu acredito num natal sempre vivo: no cotidiano, na história e na vida!

Escutem-me, vocês que andam à procura da justiça e que buscam a Javé.

Preste atenção, povo meu; dê-me ouvidos, gente minha: de mim vem a lei, e o meu direito é luz para os povos. A minha justiça está perto, a minha salvação já brotou, o meu braço governará os povos: as ilhas esperam por mim e colocam em meu braço a sua esperança.

Levantem os olhos para o céu, dêem uma olhada na terra cá embaixo: o céu se desmancha como fumaça, a terra se desgasta como roupa velha, e seus habitantes morrem como moscas; só a minha salvação é eterna, só a minha justiça não tem fim.

Escutem o que eu digo, vocês que conhecem a justiça, gente que traz a minha lei no coração: não tenham medo dos insultos dos homens, nem se rebaixem com suas caçoadas, pois eles serão roídos pela traça como roupa, serão comidos pela barata como pedaços de lã. Mas a minha justiça é eterna e a minha salvação permanece de geração em geração” (Is 51,1-8).

Feliz Natal sempre vivo!

 

P. EDIVALDO PEREIRA DOS SANTOS




Diocese de Assis

 

Ecumenismo é o tema. “As várias religiões oferecem uma preciosa contribuição para a construção da fraternidade e a defesa da justiça na sociedade” (271). Papa Francisco faz do VIII capítulo de sua desafiadora encíclica Fratelli Tutti mais que um capítulo à parte, mas uma sábia e oportuna conclusão: “Buscar a Deus com coração sincero, desde que não o ofusquemos com os nossos interesses ideológicos ou instrumentais, ajuda a reconhecer-nos como companheiros de estrada, verdadeiramente irmãos” (274). Não poderia ser diferente. O apelo à unidade é o grito de socorro que um mundo doente mais necessita para enfrentar esperançoso os difíceis dias de sua história atual.

As religiões, queiram ou não, possuem o mais fundamental dos papeis no processo da redenção humana, tanto física quanto espiritualmente falando. “Temos de reconhecer que, ‘entre as causas mais importantes da crise do mundo moderno, se contam uma consciência humana anestesiada e o afastamento dos valores religiosos” (275). Esse é o diagnóstico triste e fatal que o magistério da Igreja aponta como causa e consequência dos males que nos afligem. A Igreja não foge de sua responsabilidade, mas também tem consciência de sua ação transformadora como casa geradora da fé e da esperança. “Uma casa com as portas abertas… A Igreja é uma casa com as portas abertas, porque é mãe”. E acrescenta: “Queremos ser uma Igreja que serve, que sai de casa, que sai dos seus templos, que sai de suas sacristias, para acompanhar a vida e sustentar a esperança, ser sinal de unidade… para lançar pontes, abater muros, semear reconciliação” (276). Essa é a verdade, razão e ser da Igreja cristã.

“A Igreja valoriza a ação de Deus nas outras religiões e ‘nada rejeita do que, nessas religiões, existe de verdadeiro e santo… Outros bebem doutras fontes. Para nós, este manancial de dignidade humana e fraternidade está no Evangelho de Jesus Cristo” (277). Nem por isso vamos fechar nossas portas para a realidade da fé presente noutras religiões, as muitas “moradas” de que Jesus nos fala em seu ecumenismo prático e exemplar. Diálogo e respeito. “Como cristãos, pedimos que, nos países onde somos minoria, nos seja garantida a liberdade, tal como nós a favorecemos para aqueles que não são cristãos onde eles são minoria” (279). Essa é a chave da não violência, do respeito mútuo, da fraternidade entre os povos. “A verdade é que a violência não encontra fundamento algum nas convicções religiosas fundamentais, mas nas suas deformações” (282).

Princípio básico para se compreender o papel das religiões no mundo é a origem e significado do próprio termo: religar… ligar o homem a Deus. “Com efeito, o Todo-Poderoso, não precisa de ser defendido por ninguém e não quer que o Seu nome seja usado para aterrorizar as pessoas” (285). Com efeito, o Papa resgata essa verdade “em nome de Deus e de tudo isso”, para nos lembrar que o caminho de um mundo novo passa pelo diálogo e troca de conhecimento mútuo entre as religiões.

Conclui e assina esse documento com um gesto simbólico e expressivo, “junto do túmulo de São Francisco, na véspera da Memória litúrgica do referido Santo, 3 de outubro do ano 2020”, o mais desafiador ano da nossa história recente. Antes, faz referência à razão dessa encíclica: “Neste espaço de reflexão sobre a fraternidade universal, senti-me motivado especialmente por São Francisco de Assis e também por outros irmãos que não são católicos: Martin Luther King, Desmond Tutu, Mahatma Mohandas Gandhi e muitos outros” (286). Dentre eles o Beato Carlos de Foucauld, símbolo maior da ação ecumênica bem sucedida em tempos recentes. “Que todos sejam um”!

WAGNER PEDRO MENEZES wagner@meac.com.br.




Diocese de Assis

Quando uma criança nasce, não há como ficar indiferente. Naturalmente somos envolvidos pelos seus encantos. Até mesmo o mais durão se achega e sorri. Uma criança muda as feições dos tristes; arranca lágrimas; altera a rotina da casa; faz ficar acordado; reúne a família; reaproxima os vizinhos; desperta ao compromisso; provoca a reconciliação dos distanciados; possibilita nova visão; amolece o coração de pedra…  Assim é o natal: na fragilidade de uma criança, chega cheio de promessas de vida nova!

Quando a fé nos chama ao Natal, o que está nos oferecendo e a oportunidade de renovação interior, de resgate dos valores, de recondução da própria vida.

Não é justo que gastemos todo o nosso tempo no natal sem fazer o natal! Compramos, presenteamos, comemos, bebemos, viajamos, passeamos, dormimos… fazemos de tudo… mas, e o natal? Vamos deixar que o natal passe, mais um ano, considerado, apenas como data comemorativa ou tempo de festa? Vamos deixar que o natal fique, mais um ano, nas fotos, nas lembranças e nos gastos? Vamos deixar que o natal fique, mais uma vez, para o ano que vem?

Não! O natal é agora! É pra hoje!

O natal é como o nascimento de uma criança: envolvente por dentro e por fora de cada um de nós! O Natal é promessa de vida nova!

Por que não mudarmos alguns hábitos? Por que não mudarmos algumas práticas? Por que não mudarmos a mentalidade? Por que não mudarmos o rumo da prosa?

Podemos até ficar indiferentes aos apelos de fé do natal, com justificativas (injustificáveis) que não entendemos de teologia, que não nos envolvemos com religião, que não temos tempo, que não acreditamos nisso, que não isso… que não aquilo. Mas, não podemos ficar indiferentes aos apelos da vida que pede renovação.

O Natal é promessa de vida nova para hoje! Deus se fez homem e se ocupa com as nossas causas. Ele é “Deus conosco!” Porque nos ama, está próximo de nós, não como expectador, mas como ‘nascido de mulher’; ele é “carne da nossa carne e osso dos nossos ossos”; ele é nosso Salvador e Redentor; ele é o nosso Deus, para sempre!

O natal nos oferece um novo caminho para novos passos:

“Meu filho, escute e receba os meus conselhos, e eles multiplicarão os anos de sua vida. Estou lhe mostrando o caminho da sabedoria e guiando você pelas trilhas da retidão.

Ao caminhar, seus passos não vão se embaraçar e, ao correr, você não tropeçará. Agarre-se à disciplina, e não a solte; pratique a disciplina, porque ela é a sua vida.

Não ande pela trilha dos injustos, nem pise no caminho dos maus. Evite esse caminho, e não o atravesse. Afaste-se dele, e siga em frente.

Os injustos não dormem sem ter feito o mal; perdem o sono, enquanto não fazem alguém tropeçar. Comem a maldade como pão e bebem a violência como vinho. Mas a trilha dos justos brilha como aurora, e vai clareando até nascer o dia. O caminho dos injustos é tenebroso, e eles não sabem no que irão tropeçar.

Meu filho, esteja atento às minhas palavras e dê ouvidos aos meus conselhos. Nunca os perca de vista e guarde-os no seu coração. Pois eles são vida para quem os encontra e saúde para o seu corpo. Acima de tudo, guarde o seu coração, porque dele brota a vida. Afaste-se da boca enganosa e fique longe dos lábios falsos. Que seus olhos olhem para a frente e seu olhar se dirija para diante.

Fique atento às trilhas onde você coloca os pés, e que todos os seus caminhos sejam firmes. Não se desvie nem para a direita, nem para a esquerda, e afaste do mal os seus passos” (Pr 4,10-27).

Não dá para ficar indiferente à verdade do natal e seus apelos de vida nova. Feliz Natal!

 

PE. EDIVALDO PEREIRA DOS SANTOS




Diocese de Assis

“Novo encontro não significa voltar ao período anterior aos conflitos. Com o tempo, todos mudamos (226)”. Com essa proposta reconciliadora, baseada em atitudes de perdão, Papa Francisco inicia o VII capítulo de sua desafiadora carta ao mundo de hoje, cujo título nos congrega como irmãos (Fratelli Tutti) e aponta verdades ocultas na recente história que vivenciamos. “De fato, a verdade não deve levar à vingança, mas antes à reconciliação e ao perdão (227)”.

Esse novo encontro com a verdade parte do reconhecimento de erros passados, da revelação de suas consequências e reconstrução dos elos perdidos através da justiça e reparação de danos. Pessoas desaparecidas, menores recrutados pela violência, mulheres vítimas de abusos… “Cada ato de violência…é uma ferida na carne da humanidade”, que deve ser medicada ou indenizada. “As brigas de família tornam-se reconciliações mais tarde (230)”. A família humana também anseia por essa atitude de reconciliação universal. “Nunca está terminada a construção da paz social num país, mas é ‘uma tarefa que não dá tréguas e exige o compromisso de todos’ (232)”. Sobretudo os mais injustiçados merecem prioridades numa política de reconstrução social. “Se às vezes os mais pobres e os descartados reagem com atitudes que parecem antissociais, é importante compreender que, em muitos casos, tais reações têm a ver com uma história de desprezo e falta de inclusão social (234)”.

Se é inevitável o conflito social, necessário se faz atenuar seus malefícios. Buscar soluções de bom senso é o mínimo. “O perdão e a reconciliação são temas de grande relevo no cristianismo e, com várias modalidades, noutras religiões (237)”. As legítimas lutas do povo oprimido não prescindem de atitudes de amor e reconciliação. “Somos chamados a amar a todos, sem exceção, mas amar um opressor não significa consentir que continue a ser tal; nem levá-lo a pensar que é aceitável o que faz (241)”. Injustiça social não é e nunca será prática cristã. “Também não devemos esquecer as perseguições, o comércio de escravos e os massacres étnicos que se verificaram e verificam em vários países (248)”. O novo encontro que o Papa propõe ao mundo se inicia num diálogo sem rancores, mas que passa pela reconciliação. “O perdão é precisamente o que permite buscar a justiça sem cair no círculo vicioso da vingança nem na injustiça do esquecimento (252)”.

Nunca mais a guerra, pede o Papa. “Toda a guerra deixa o mundo pior do que o encontrou. A guerra é um fracasso da política e da humanidade, uma rendição vergonhosa uma derrota perante as forças do mal (261)”. Tão trágica quanto ela, só a pena de morte! Esta é a mais vil das vinganças sociais ainda em prática em muitos países. Não se permite o perdão, a reconciliação, a restauração… que subtrai dum semelhante o pouco de dignidade que ainda lhe possa existir na vida. Só Deus é o Senhor da Vida, só Ele pode julgar. “Isso tornou particularmente perigoso o costume crescente que há, nalguns países, de recorrer a prisões preventivas, a reclusões sem julgamento e especialmente à pena de morte” (266). Conhecemos, e bem, os deslizes tendenciosos que um julgamento humano pode cometer. “A Igreja frisou oportunamente alguns deles como a possibilidade da existência de erro judicial e o uso que dela fazem os regimes totalitários e ditatórias, que a utilizam como instrumentos de supressão da dissidência política ou perseguição das minorias religiosas e culturais (268)”.

Então Francisco conclui esse capítulo com citações bem a contento. “Aos cristãos que hesitam e se sentem tentados a ceder a qualquer forma de violência, convido-os a lembrar este anúncio do livro de Isaías: ‘transformarão as suas espadas em relhas de arado’ (2,4). Para nós, esta profecia encarna em Jesus Cristo, que, ao ver um discípulo excitado pela violência, lhe disse com firmeza: ‘Mete a tua espada na bainha, pois todos quantos se servirem da espada, morrerão à espada’ (Mt 26,52), (270)”.

WAGNER PEDRO MENEZES [email protected].

 

 

 




Diocese de Assis

O sexto capítulo de Fratelli Tutti desafia-nos a retomar o diálogo em todos os campos dos relacionamentos humanos. Seja na família, na sociedade, no trabalho ou mesmo entre povos, raças e nações. “O diálogo perseverante e corajoso não faz notícia com as desavenças e os conflitos; e, contudo, de forma discreta mas muito mais do que possamos notar, ajuda o mundo a viver melhor. (198)”. Teoricamente, bem conhecemos esse efeito da prática do diálogo. Mas efetivamente, quanta confusão!

Lembro-me de um movimento católico para casais onde um dos baluartes que lhe atribuíam sucesso chamava-se “dever de sentar-se”. Esse “dever”, diante do outro, é que era o problema. Para mim, nada que fosse “obrigatório”  e não espontâneo, perdia efeito na prática do diálogo. Então me frustrava tal dever. “Muitas vezes confunde-se o diálogo com algo muito diferente: uma troca febril de opiniões nas redes sociais, muitas vezes pilotada por uma informação mediática nem sempre fiável. Não passam de monólogos que avançam em paralelo (200)”, diz o papa. Portanto, diálogo não se impõe, mas nasce da espontaneidade presente numa relação sadia. “A falta de diálogo supõe que ninguém, nos diferentes setores, está preocupado com o bem comum, mas com obter as vantagens que o poder lhe proporciona (202)”. Diálogo com pretensões de vantagens e sem visão do bem comum está fadado ao fracasso. É preciso construir juntos.

O consenso é a base do sucesso. “Temos que nos exercitar em desmascarar as várias modalidades de manipulação, deformação e ocultamento da verdade nas esferas pública e privada (208)”. A transparência dos ideais que se buscam numa atitude de diálogo deve estar à frente de qualquer outro objetivo. Esse é o primeiro passo: clareza no que se busca. “Numa sociedade pluralista, o diálogo é o caminho mais adequado para se chegar a reconhecer aquilo que sempre deve ser afirmado e respeitado e que ultrapassa o consenso ocasional (211)”. Essa é a nova cultura desejada e ansiosamente trabalhada pelos meios diplomáticos da atualidade.

Então Francisco cita um brasileiro, Vinícius de Morais, que bem definiu essa busca humana: “A vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro na vida”. E acrescenta: “Isto implica o hábito de reconhecer, ao outro, o direito de ser ele próprio e de ser diferente (218)”. Cita, então as gritantes diferenças existenciais, sociais e culturais presentes na realidade humana. A questão indígena é uma dessas. “A intolerância e o desprezo perante as culturas populares indígenas são uma verdadeira forma de violência, própria dos especialistas em ética sem bondade que vivem julgando os outros. Mas nenhuma mudança autêntica, profunda e estável é possível, se não se realizar a partir das várias culturas, principalmente dos pobres (220)”.

Na realidade, o diálogo que o papa nos propõe necessita de um rótulo novo, além do consenso diplomático: a amabilidade. Essa é a cor do diálogo autêntico, aquele que possui o rosto de Cristo oferecendo a água viva junto ao poço da “humanidade pecadora”… “É um modo de tratar os outros, que se manifesta de diferentes formas: amabilidade no trato, cuidado para não magoar com as palavras ou os gestos, tentativa de aliviar o peso dos outros. Supõe ‘dizer palavras de incentivo, que reconfortam, consolam, fortalecem, estimulam’ em vez de ‘palavras que humilham, angustiam, irritam, desprezam” (Exort Amoris Laetitia), diz Francisco ao final desse capítulo (223). E conclui: “A amabilidade é uma libertação da crueldade que às vezes penetra nas relações humanas, da ansiedade que não nos deixa pensar nos outros, da urgência distraída que ignora que os outros também têm o direito de ser felizes (224)”.

WAGNER PEDRO MENEZES [email protected].




DIOCESE DE ASSIS

Quem nunca assistiu aos desenhos animados de super-heróis?

Quem nunca se imaginou um deles, vestindo suas roupas, repetindo suas palavras, imitando seus trejeitos…?

Mas, os heróis, apesar de indestrutíveis, são sempre vulneráveis. Aquiles é vulnerável no calcanhar; o super-homem não resiste à kriptonita, um cristal, esverdeado de sua terra natal; o homem de gelo não resiste ao calor…

Na vida humana, não há nada que justifique os artifícios de super-heróis, para viver. Apesar disso, sempre queremos vencer as coisas e ser felizes, baseados em forças fantásticas; em vida de super-heróis.

É uma tolice pensar a vida nesses termos porque, nesse faz de contas, não sobre outra coisa a não ser viver de ilusões e para as ilusões.

Agora, reflita bem!

Será que a fé não corre o risco de ser considerada um artifício de super-heróis?

Pois é! Antes, que isso seja um fato, precisamos corrigir as maneiras, a mentalidade, os critérios e as exigências de fé que nos fazemos.

De certa maneira, a fé resiste a tudo, menos à falta de convicção.

“Deus é testemunha fiel de que a palavra que dirigimos a vocês não é 1sim e não’. De fato Jesus Cristo, o Filho de Deus, que eu, Silvano e Timóteo anunciamos a vocês, não foi ‘sim e não’, mas unicamente ‘sim’. Todas as promessas de Deus encontraram nele o seu sim; por isso, é por meio dele que dizemos ‘Amém’ a Deus, para a glória de Deus. Quem nos fortalece juntamente com vocês em Cristo e nos dá a unção é Deus. Deus nos marcou com um selo e colocou em nossos corações a garantia do Espírito” (2Cor 1,18-22).

A Sagrada Escritura está repleta de outras sobre as convicções para a fé:

Convicção acerca do poder do amor (1Cor 13,1-8); acerca do Amor de Deus (Is 43,1-7); acerca da indissolubilidade do casamento (Mt 19,3-9); acerca de Cristo Salvador (Rm 10,6-13); acerca da Partilha (Mt 19,16-30); acerca da verdade (2Cor 13,5-8); acerca da própria (Mt 17,20; Lc 17,5-6); acerca da confiança (Mt 6,25-34); acerca da liberdade em Cristo (Gl 5,1); acerca do seguimento (Jo 1,35-39); acerca da missão (Mt 28,16-20); acerca da unidade na diversidade (Ef 4,3-16); acerca da cruz de Cristo (Fl 3,18-21); acerca da santidade (Fl 2,6-11; Hb 12,14); acerca da vida eterna (2Mc 7,30-38); acerca da conversão e do perdão (Lc 15,1-32); acerca do Reino de Deus (Mc 1,15); acerca dos dons e talentos (Mt 25,14-30; 1Cor 12,1-11); acerca da vida eterna (2Mc 7,30-38); acerca da oração (Mt 6,7-15)…

Por falta de convicção a fé sucumbe à qualquer coisa: à dúvida, ao sofrimento, à dor, ao medo, às perdas, à fome, às tribulações… Vejamos o que nos diz, ainda, a Palavra:

“Quem nos poderá separar do amor de Cristo? A tribulação, a angústia, a perseguição, a fome, a nudez, o perigo, a espada? Como diz a Escritura: ‘Por tua causa somos postos à morte o dia todo, somos considerados como ovelhas destinadas ao matadouro’. Mas, em todas essas coisas somos mais do que vencedores por meio daquele que nos amou. Estou convencido de que nem a morte nem a vida, nem os anjos nem os principados, nem o presente nem o futuro, nem os poderes, nem as forças das alturas ou das profundidades, nem qualquer outra criatura, nada nos poderá separar do amor de Deus, manifestado em Jesus Cristo, nosso Senhor” (Rm 8,35-39).

“Ele, então me respondeu: ‘Para você basta a minha graça, pois é na fraqueza que a força manifesta todo o seu poder’. Portanto, com muito gosto, prefiro gabar-me de minhas fraquezas, para que a força de Cristo habite em mim. E é por isso que eu me alegro nas fraquezas, humilhações, necessidades, perseguições e angústias, por causa de Cristo. Pois quando sou fraco, então é que sou forte” (2Cor 12,9-10).

Não é preciso dizer mais nada porque, sem convicções, a fé não resiste!

PE. EDIVALDO PEREIRA DOS SANTOS




Diocese de Assis

 

A melhor política é aquela que ainda considera o governo do povo como o mais sagrado dos poderes. É essa a tônica central do quinto capítulo de “Todos irmãos”, a tradução mais aproximada do título da última encíclica papal. ‘Mas hoje, infelizmente, muitas vezes a política assume formas que dificultam o caminho para um mundo diferente (154)”. Como seria, então, a política ideal sonhada e sugerida pelo Papa?

Primeiramente, cuidado com o populismo e ou liberalismo em excesso. Tais termos “invadiram os meios de comunicação e a linguagem geral, perdendo assim o valor que poderiam conter (156)”, a ponto de tornar impossível a opinião de um político qualquer “sem tentarem classifica-lo num desses polos: umas vezes para o desacreditar injustamente, outras para o exaltar desmedidamente (156)”. Praticamos uma política binária, deixando de lado a amplitude da democracia autêntica, “cujo significado é precisamente ‘governo do povo’ (157)”, isto é, não se restringe a uma polarização simplista e extremista diante de uma diversidade de direitos e deveres infindos. “Pertencer a um povo é fazer parte duma identidade comum, formada por vínculos sociais e culturais (158)”. “Mas degenera num populismo insano, quando se transforma na habilidade de alguém atrair consensos a fim de instrumentalizar politicamente a cultura do povo (159)”. Conhecemos, e bem, esse oportunismo partidário que corrói vínculos sociais e destrói cultura e tradição de nações inteiras. “Os grupos populistas fechados deformam a palavra povo, porque aquilo de que falam não é um verdadeiro povo (160)”.

O que aqui se ventila é a exploração política no mundo do trabalho. O verdadeiro populismo vai além da questão trabalhista, pois vê no caráter operacional do ser humano uma graça criadora em função da sobrevivência, do bem estar, da realização pessoal. “Por mais que mudem os sistemas de produção, a política não pode renunciar ao objetivo de conseguir que a organização duma sociedade assegure a cada pessoa uma maneira de contribuir com as suas capacidades e o seu esforço (162)”. A vida de labor é um ato de louvor a Deus que “colocou em cada um, as suas capacidades, a sua iniciativa e o seu esforço”, para a construção de um mundo melhor. Não há espaço para instrumentalização desse dom divino. “Naturalmente isto implica que não exista apenas uma possível saída, uma única metodologia aceitável, uma receita econômica aplicável igualmente por todos, e pressupõe que mesmo a ciência mais rigorosa possa propor recursos diferentes (165)”. Cada caso, seu caso. Cada povo, sua história. Cada qual na sua caminhada.

É fato que o poder internacional hoje dita normas, em especial no mundo financeiro. ‘Parece que as reais estratégias, posteriormente desenvolvidas no mundo, se têm orientado para maior individualismo, menor integração, maior liberdade para os que são  verdadeiramente poderosos…(170)” Esses se acham donos do mundo. Iludem-se no autoritarismo que praticam. Falam até na  criação de uma autoridade mundial, quando por primeiro deveriam fortalecer e legitimar a autoridade pessoal. Antes, deveriam “prever pelo menos a criação de organizações mundiais mais eficazes, dotadas de autoridade para assegurar o  bem comum (172)”.Nesta linha “a ação das comunidades e organizações de nível menor… realizam esforços admiráveis com o pensamento no bem comum, e alguns dos seus membros chegam a cumprir gestos verdadeiramente heróicos que mostram de quanta bondade ainda é capaz a nossa humanidade (175)”.

Como vemos, a política é necessária. Mas Papa Francisco insiste num ponto: “a política não deve submeter-se à economia e esta não deve submeter-se aos ditames e ao paradigma eficientista da tecnocracia (177)”. A questão é tão vasta que merece uma lauda mais em nossos comentários. Não encerra o quinto capítulo, mas o deixa em suspenso para uma questão a mais: é possível o amor político?  Aguardem… Descobriremos juntos.

WAGNER PEDRO MENEZES [email protected]

 

 




Diocese de Assis

As discriminações e segregações das minorias sociais são hoje um grande entrave na construção dum mundo melhor, uma sociedade fraterna. Essa é a tônica do quarto capítulo de Fratelli Tutti, a encíclica papal que está dando o que falar. Dentre essas minorias, apresenta por primeiro a questão dos migrantes, pois: “enquanto não houver sérios  progressos nesta linha, é nosso dever respeitar o direito que tem todo o ser humano de encontrar um lugar onde possa não apenas satisfazer as necessidades básicas dele e da sua família, mas também realizar-se plenamente como pessoa (129)”. Segue então uma vasta lista de sugestões de como acelerar os processos de integração dessas pessoas. Nada tão dispendioso e impraticável. Só a necessidade de abrirmos nossos corações para essa realidade ainda vergonhosa no mundo.

Então Francisco nos surpreende com uma sugestão quase impensável nos movimentos sociais dos nossos dias: suprimir o termo “minorias”. Textualmente diz: “é necessário empenhar-se por estabelecer nas nossas sociedades o conceito de cidadania plena e renunciar ao uso discriminatório do termo minorias, que traz consigo as sementes de se sentir isolado e da inferioridade”. Corajoso, o homem! Levantar-se contra a constituição sectária de tantos e tantos grupos e guetos sociais exige coragem e clareza de espírito. Então justifica sua oposição: “isto prepara o terreno para as hostilidades e a discórdia e subtrai as conquistas e os direitos religiosos e civis de alguns cidadãos, discriminando-os (131) “. De fato, não há nada pior para um indivíduo do que sentir-se segregado na massa, isolado, apartado do meio.

“Entretanto, quando se acolhe com todo o coração a pessoa diferente, permite-se-lhe continuar a ser ela própria, ao mesmo tempo que se lhe dá a possibilidade dum novo desenvolvimento (134)”. Essa é a mais pura verdade! “Na realidade, a ajuda mútua entre países acaba por beneficiar a todos”, pois “precisamos de fazer crescer a consciência de que, hoje, ou nos salvamos todos ou não se salva ninguém (137)”. Os sinos apocalípticos não badalam só por questões ambientais, mas também e principalmente por conflitos sociais, esses que atiçam guerras e alimentam de ódio os corações humanos. O sonho de domínio e de poder ainda continua nos dividindo como raça. “É a tentação manifestada na antiga narração da Torre de Babel: a construção daquela torre que chegasse até ao céu não expressava a unidade entre vários povos… (144)”. “Na realidade, toda a cultura saudável é, por natureza, aberta e acolhedora, pelo que uma cultura sem valores universais não é uma verdadeira cultura (146)”.

Papa Francisco sabe o que fala e onde pisa. Seu coração aberto à realidade do mundo nos aponta novos caminhos com uma clareza quase assustadora, pois que transforma nosso ponto de vista. “Para estimular uma sadia relação entre o amor à pátria e uma cordial inserção na humanidade inteira, convém lembrar que a sociedade mundial não é o resultado da soma dos vários países, mas sim a própria comunhão que existe entre eles (149)”. Já havia pensado assim? De fato, eis um conceito novo para se assimilar. Porque: “nos lugares que conservam tais valores comunitários, as relações de proximidade são marcadas pela gratuidade e reciprocidade… Oxalá fosse possível viver isto também entre países vizinhos (152)”, deixa escapar nosso pastor.

O mundo precisa usar mais o coração do que a mente… Isso no sentido de relacionar-se mais com a alma do que com o cérebro, bem dizendo. Francisco incentiva a formação de blocos, não só no sentido comercial, mas no esforço de construção da santa e tradicional política da boa vizinhança, onde a ajuda mútua é sempre cordial e fraterna. Então fecha esse capítulo: “Hoje nenhum Estado nacional isolado é capaz de garantir o bem comum da própria população (153)”.

WAGNER PEDRO MENEZES [email protected]




Diocese de Assis

As ações de Deus estão sempre escondidas ao entendimento humano.

A verdade é que as ações de Deus estão sempre ligadas, coerentemente, ao seu Plano de Amor. Quer dizer: ele quer nos salvar! Tudo o que Deus faz é para realizar esta Vontade. Como não compreendemos isso, não compreendemos as ações de Deus. O nosso olhar, pensamento, vontade e desejos vivem em conflito dentro de nós (cf Gl 5,7).

Muitas vezes, contra nossa própria natureza e salvação, acabamos buscando e escolhendo o que nos prejudica, física e espiritualmente. Essa contradição explica porque temos dificuldade de agir e viver segundo a Vontade de Deus. Diz o Senhor em Isaías: “Os meus projetos não são os projetos de vocês, e os caminhos de vocês não são os meus caminhos – oráculo de Javé.” (Is 55,8-9).

Vamos partir para uma situação concreta apresentada no evangelho de João, capítulo 6.

Uma grande multidão procura Jesus “porque as pessoas viram os sinais que ele fazia, curando os doentes” (Jo 6,2). Jesus atende o povo que não só tem sede de Deus, mas está com fome. Jesus lhes dá a Palavra, mas, também lhes dá o pão: “Jesus pegou os pães, agradeceu a Deus e distribuiu aos que estavam sentados. Fez a mesma coisa com os peixes. E todos comeram o quanto queriam”. Ele os saciou plenamente!

Jesus realizou a multiplicação dos pães e peixes como um sinal da salvação que ele queria realizar. A partir de uma necessidade humana queria entregar-lhes o Reino.

O povo voltou no dia seguinte para procurar Jesus: “Quando encontraram Jesus no outro lado do lago, perguntaram: ‘Rabi, quando chegaste aqui?’ Jesus respondeu: ‘Eu garanto a vocês: vocês estão me procurando, não porque viram os sinais, mas porque comeram os pães e ficaram satisfeitos’” (Jo 6,25-26).

Vemos aqui, uma clara inversão de valores, fruto da incompreensão. Enquanto Jesus quer dar o máximo, o povo vem buscar o mínimo. E então Ele repreende o povo: “Não trabalhem pelo alimento que se estraga; trabalhem pelo alimento que dura para a vida eterna. É este alimento que o Filho do Homem dará a vocês, porque foi ele quem Deus Pai marcou com seu selo” (Jo 6,27).

O Diálogo com o povo se prolonga e os ensinamentos de Jesus aprofundam Plano de amor de Deus: “Então eles perguntaram: ‘O que é que devemos fazer para realizar as obras de Deus?’ Jesus respondeu: ‘A obra de Deus é que vocês acreditem naquele que ele enviou.’ (…)‘Eu garanto a vocês: Moisés não deu para vocês o pão que veio do céu. É o meu Pai quem dá para vocês o verdadeiro pão que vem do céu,  porque o pão de Deus é aquele que desce do céu e dá vida ao mundo.’ Então eles pediram: ‘Senhor, dá-nos sempre desse pão.’” (Jo 6,28-34).

O Ensinamento de Jesus propõe uma nova visão: “Eu sou o pão da vida. Quem vem a mim não terá mais fome, e quem acredita em mim nunca mais terá sede. Eu já disse: vocês me viram e não acreditaram’.” (Jo 6,35-36); propõe uma nova maneira de alimentar a vida: “se vocês não comem a carne do Filho do Homem e não bebem o seu sangue, não terão a vida em vocês. Quem come a minha carne e bebe o meu sangue tem a vida eterna, e eu o ressuscitarei no último dia (53-54).

Infelizmente, a incompreensão chega, sempre, antes da decisão por uma vida nova porque cega os olhos e o coração: “Depois que ouviram essas coisas, muitos discípulos de Jesus disseram: ‘Esse modo de falar é duro demais. Quem pode continuar ouvindo isso?’ Jesus sabia que seus discípulos estavam criticando o que ele tinha dito. A partir desse momento, muitos discípulos voltaram atrás, e não andavam mais com Jesus. Então Jesus disse aos Doze: ‘Vocês também querem ir embora?’” (Jo 6,60-67).

Pergunta difícil, esta, no final deste texto para quem vive sempre encima do muro ou pensando a vida só como satisfação de momento: física e material. Mas, é possível reconsiderar posturas e decisões e responder como Pedro: ‘A quem iremos, Senhor? Tu tens palavras de vida eterna’ (Jo 6,68).

Dê a você mesmo a chance de experimentar algo maior do que pede a sua vontade humana. Conheça a vontade de Deus! Deixa Deus saciar a sua vida!

 

PE. EDIVALDO PEREIRA DOS SANTOS




Diocese de Assis

“O ser humano está feito de tal maneira que não se realiza, não se desenvolve, nem pode encontrar a sua plenitude ‘a não ser no sincero dom de si mesmo (87)”. Assim Papa Francisco inicia o terceiro capítulo de Fratelli Tutti, sua mais recente encíclica. Assim Francisco pensa, nos dois sentidos (reflete e cura), dando inicio ao mais polêmico dos capítulos de sua mensagem. Um mundo aberto só é possível com o pensamento e a ação humana, o ideal e a prática, a solidariedade e a cura… “Não há vida quando se tem a pretensão de pertencer apenas a si mesmo e de viver como ilhas: nestas atitudes prevalece a morte (id)”.

Solidariedade é a palavra-chave. “A minha relação com uma pessoa, que estimo, não pode ignorar que esta pessoa não vive só para a sua relação comigo, nem eu vivo apenas relacionando-me com ela (89)”. Essa é a abertura que falta nas relações humanas e, por conseguinte, nas relações internacionais. O mundo só será melhor, mais justo e toleravelmente mais humano, quando suas fronteiras deixarem de ser barreiras separatistas. “Ninguém amadurece nem alcança a sua plenitude, isolando-se (95)”. As sociedades abertas são as que mais integram, pois têm plena consciência de que “cada irmã ou cada irmão que sofre, abandonado ou ignorado pela minha sociedade, é um forasteiro existencial, embora tenha nascido no mesmo país (97”. Esse é o perigo das fronteiras segregacionistas, aquelas que se fecham à realidade do mundo. “Se uma globalização pretende fazer a todos iguais, como se fosse uma esfera, tal globalização destrói a riqueza e a singularidade de cada pessoa e de cada povo”. Aqui Francisco não veste luvas, mas toca forte na ferida da falsa diplomacia. E vaticina: “Este falso sonho universalista acaba por privar o mundo da variedade das suas cores, da sua beleza e, em última análise, da sua humanidade (100)”.

Afinal, queremos ser “próximos” ou “sócios”? Queremos liberdade, igualdade e fraternidade, como nos lembra aquela revolução que resgatou a dignidade do povo francês, ou apenas garantir os lucros advindos do nosso egoísmo constitucionalizado? “Aqueles que são capazes apenas de ser sócios, criam mundos fechados (104)”. Sem maiores comunhões dos direitos e deveres coletivos não chegaremos ao mundo novo que sempre sonhamos. Começa com maiores respeitos ao indivíduo que somos no meio. “Se cada um vale assim tanto, temos de dizer clara e firmemente que ‘o simples fato de ter nascido num lugar com menores recursos ou menor desenvolvimento não justifica que algumas pessoas vivam menos dignamente’ (106)”. Aqui a fraternidade campeia entre liberdade e igualdade. “Se a sociedade se reger primariamente pelos critérios da liberdade de mercado e da eficiência, não há lugar para tais pessoas e a fraternidade não passará duma palavra romântica (109)”.

Chegou a hora de resgatar esse tripé com mais ênfase na solidariedade entre os povos. Começa pela família, “o primeiro lugar onde se vivem e se transmitem os valores do amor e da fraternidade, da convivência e da partilha, da atenção e do cuidado pelo outro (114)”, mas não isenta a sociedade, convidada que é a servir e restaurar sua responsabilidade social. “O serviço é ‘em grande parte, cuidar da fragilidade (115)”. Neste sentido, “o mundo existe para todos, porque todos nós, seres humanos, nascemos nesta terra com a mesma dignidade (118)”. Então vem a grande verdade: “Isto supõe também outra maneira de compreender as relações e o intercâmbio entre os países. Se toda a pessoa possui uma dignidade inalienável, se todo ser humano é meu irmão ou minha irmã e se, na realidade, o mundo pertence a todos, não importa se alguém nasceu aqui ou vive fora dos confins do seu próprio país (125)”. O usufruto é bem comum. O Papa conclui: “Se não se fizer esforço para entrar nesta lógica, as minhas palavras parecerão um devaneio (127)”.

WAGNER PEDRO MENEZES [email protected]