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Quaresma: tempo de limpar o coração

Já parou para pensar quanto tempo temos nesta vida? Idealizamos, estudamos, planejamos, até pensamos que conseguiremos fazer tantas coisas, mas, na realidade, não sabemos se vamos ou não concluir.

Por isso, é importante também pensarmos sobre nossas limitações e finitude. Estamos no tempo quaresmal, propício para nos lembrarmos disso. Sim, um dia morreremos, porém, pensemos na morte com a esperança da vida, da vida eterna.

Vivamos bem o dia de hoje, busquemos uma mudança de vida profunda, olhemos para o nosso interior. O que realmente queremos? Quais são as nossas reais intenções naquilo que fazemos? Trabalhamos e nos fatigamos para quê?

Para nos ajudar a pensar na vida eterna, olhemos para aquele que nos deu essa vida, Jesus Cristo. Ele ensinou que devemos buscar em primeiro lugar o Reino dos Céus, que devemos ser santos (justos), que devemos confiar no Pai que provê todas as coisas (Mt 6,33), que devemos ser desapegados das coisas deste mundo (Mt 19,21). 

Ao falar em desapego, em viver com o necessário, pensamos em Jesus. Ele, por excelência, viveu em total abandono a vontade do Pai. Neste tempo quaresmal, aproveitemos para rever, por exemplo, qual é o nosso comportamento com relação às coisas materiais: Vivemos com o necessário? Possuímos os bens ou eles nos possuem? 

Nosso querido pai fundador, padre Jonas Abib, aprendeu no colégio Salesiano, desde pequeno, a viver o “Retiro da Boa Morte” uma vez ao mês. Como assim? Essa pedagogia, utilizada por Dom Bosco, consiste em se preparar para morrer, ou melhor, se preparar para o encontro com Deus.

Preparar-se para morrer, na verdade é se preparar para viver na terra com o necessário. Pensemos: caso chegasse hoje a hora da nossa morte, estaríamos preparados?

Durante esse período quaresmal, de observância das penitências, somos chamados a uma maior comunhão com Deus. Por isso, praticar o “retiro da boa morte” nos ajuda a arrumar a mesa, a carteira, o guarda-roupa, como ensina padre Jonas em seu livro e em suas pregações. São práticas externas – um “retiro exterior” (limpar, arrumar, doar o que não usa mais) – que devem nos levar a uma conversão interior, a um balanço de nossa vida interior, a ter mudanças de atitude, a exercitar mais o amor ao próximo. 

Padre Jonas aprendeu que, após a faxina externa, vem a faxina interna, através do sacramento da confissão. Em outras palavras, ele aprendeu a organizar o exterior e o interior. Ao se livrar dos “entulhos” exteriores pensava nos lixos interiores. Pedir e dar perdão, buscar alguém para se reconciliar, doar algo e doar a si são atitudes de quem levou a sério pensar na morte e preparar-se para entrar na vida plena.

Viver a Quaresma significa fazer uma revisão de vida, olhar para os erros e pedir perdão a Deus e ao próximo. Sim, a reconciliação com Deus consequentemente leva a pessoa a reconciliar-se consigo mesma e com o próximo. 

Aproveitemos este tempo de graça e façamos uma boa revisão de vida. A partir do desapego dos bens materiais e dos maus pensamentos e sentimentos, arrumemos a mesa, a gaveta, o guarda-roupa e a casa do nosso coração. Desapeguemo-nos das coisas materiais e nos apeguemos aos verdadeiros valores, vivamos a santidade, como filhos de Deus!

Padre Márcio Prado é sacerdote da Comunidade Canção Nova, autor dos livros: “Entender e viver o Ano da Misericórdia” e “Via-sacra do Santuário do Pai das Misericórdias”, pela editora Canção Nova. Instagram: @padremarciocn




Enfim, uma justiça tributária!

 

O princípio da capacidade contributiva, inscrito formalmente na Constituição de 1988, é inteligível ao homem comum. Ele diz o óbvio: quem ganha mais, paga mais. E acrescenta, sempre com obviedade: quem ganha menos paga menos. E ousa dizer: quem não ganha nada, não paga nada.

Eis o que intenta fazer, ainda timidamente, o projeto de lei encaminhado ao Congresso Nacional e já alvo dos tubarões de sempre. Quem não tem a mais elementar capacidade contributiva não deve pagar nada de imposto de renda, porque sua renda é do nível de subsistência, inapta a ser subtraída de qualquer tributo. Convenhamos que o vetor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) está bem-posto. Trata-se de base referencial que atinge milhões de pessoas situadas na base da escala contributiva. São aqueles, sabemos todos, cujo fim de mês chega bem antes do calendário. Ninguém, nem mesmo os príncipes e potentados, vai levantar a voz contra esse ponto da tão necessária quanto urgente reforma do imposto de renda.

Ocorre que essa conta tem que fechar. Se é retirada a cobrança de imposto de milhões de pessoas cuja capacidade contributiva é nula, quase por consenso, será necessário identificar aqueles que estão pagando menos do que a respectiva capacidade contributiva exige. Justiça tributária: ganha mais, paga mais.

O projeto sugere, vale dizer, propõe, para a discussão congressual, o valor elementar de R$ 50.000,00. Algo quase inatingível na cabeça do homem da rua. E que oculta os ganhos de um grupo muito restrito dos bem-aventurados que ganham dez ou vinte, ou trinta, ou quarenta vezes mais do que isso.
Mas, alto lá! Querem tirar de mim, que trago investimentos para o Brasil? Que sou daqueles patriotas cuja crença neste país é tão grande, que me permite investir nos mais diferentes projetos; que gero milhares de empregos; que impulsiono a exportação dos produtos primários; que estou à frente de negócios aparelhados com incentivos fiscais de grande monta. Aí não!

Quero e vou pagar, mas sem exagero. Por que a conta teria que fechar nas minhas costas?

Esse será o embate, daqui para a frente. E a revelação transparente desse embate permitirá que identifiquemos os congressistas e a serviço de quem eles estão. Quem não aceitar uma justa tributação dos grandões não pode ter o voto, amanhã, do mais pobre dentre os pobres.

Que bom seria se a comunicação fosse transparente! Se as posições ficassem bem claras. O tema é daqueles que conseguem escapar das ideologias. A classe dominante (feliz expressão de São João Paulo II) não vai conseguir ganhar a batalha desta vez.A capacidade contributiva, finalmente, será levada em conta. A redistribuição, fenômeno possível pela via elementar da justiça tributária, está ao alcance das nossas mãos. E já tem data marcada: janeiro de 2027.

Lembremos a música ufanista dos tempos da Copa do Mundo de futebol do ano de 1970: “Pra frente, Brasil!”

Wagner Balera – É advogado, Livre-Docente em Direito Previdenciário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP). Doutorado em Direito das Relações Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP). Mestrado em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP).

Membro da Academia Paulista de Direito. Membro da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Membro da Academia Nacional de Seguros e Previdência. Membro da Academia Brasileira de Direito da Seguridade Social. Membro da Academia Brasileira de Direito Tributário.
Coordenador dos cursos de graduação e pós graduação (mestrado e doutorado) da PUC/SP em Direito Previdenciário e Direitos Humanos e Coordenador do Núcleo de Estudos de Doutrina Social, Faculdade de Direito da PUC-SP.

Autor de mais de 30 livros em Direito Previdenciário e 20 livros em Direitos Humanos. Presidente do IPCOM (Instituto de Previdência Complementar e Saúde Suplementar). Sócio titular do Balera, Berbel e Mitne Advogados.




JEJUM DE PALAVRAS

 

Primeiramente, necessito explicar o que seja um jejum, já que palavras com atributos religiosos, nos dias de hoje, soam estranhamente aos ouvidos de grande maioria. Sim, exercícios espirituais perderam sentido numa sociedade extremamente alheia a muitas das questões de fé. Jejuar ou abster-se são verbos desprovidos de significado num mundo onde consumir e enfastiar-se é a prioridade social. Como então compreender uma atitude de renúncia diante do muito que o mundo nos oferece?

Essa é a primeira questão. Fora da disciplina religiosa, jejum nada significa. A não ser nas falidas e horrorosas práticas de dieta alimentar, diante da explosão de banhas e gorduras que seu excesso proporcionou. Mesmo assim, essa questão estética já quase não possui adeptos, pois outras fórmulas milagrosas e até radicais fazem mais sucesso que o santo e inofensivo jejum. Fechar a boca é imoral; então que se reduza o estômago! Perco um pouco de uma digestão sadia, mas nada perco do prazer de degustar, consumir, consumir, consumir. Assim mantenho a boca livre, a língua solta…

Há aqui uma associação não só de aspecto físico e nutricional, mas igualmente de aspecto moral, religioso. O fausto alimentar, muitas vezes, denuncia subnutrição espiritual. Um complementa o outro. Quem possui alto índice de saúde espiritual raramente prioriza seus hábitos alimentares como essenciais à saúde física. Epa, calma! Não estou aqui a dizer que nossos gordinhos não possuam vida espiritual sadia ou vice versa. O que digo é que o equilíbrio entre uma energia e outra, entre o ser espiritual que habita em nós e a vida biológica que ocupamos necessitam de hábitos saudáveis. Dentre estes, o jejum. Mas “nem só de pão vive o homem – ensinou o mestre cristão – mas de toda a palavra que sai de seu coração”. Eis aqui o grande princípio do jejum pleno, perfeito! Jejuar também na contingência de nosso palavreado solto, irresponsável, sem freios, sem limites. Jesus, em sua sabedoria divina, nos mostra o quanto destruímos com nossos hábitos que saciam muito mais as discórdias de nossos corações, do que o vazio de nossos estômagos.

O jejum verdadeiro não é uma simples abstinência, uma renúncia momentânea, mas uma prática saudável de aprimoramento tanto espiritual quanto físico. Às vezes é mais fácil renunciar a um hábito de consumo do que a um vício que afete a espiritualidade. Deixar de lado um vício torna-se uma prática benéfica à vida, física e espiritualmente falando. Dai que jejum não é um ato de penitência quaresmal que diz respeito apenas ao seguidor deste ou daquele preceito religioso, pois que a renúncia, por si, é um gesto constante no exercício de fé. Jejuar também é uma disciplina de aprimoramento humano, pois que nos impõe limites e condiciona nossos hábitos.

Entretanto, a fé cristã nos pede mais, sobretudo, discrição em sua prática. Ou seja: “quando jejuardes –assim como quando orardes- não fiques triste”, mas disfarça ao máximo essa sua prática para que só você se beneficie dela. Em especial, a penitência que fazemos com a prática do jejum nos aproxima mais de Deus, que se agrada diante de um coração penitente. Sobretudo, façamos um exercício de “jejum de palavras”, estas que ponderam e justificam todas nossas ações e condenam ou sentenciam qualquer ação daqueles que pensam diferentemente de nós. Desse jejum estamos carentes!

20 anos de Palavras de Esperança. Publicado em 28 de março de 2017.

WAGNER PEDRO MENEZES [email protected]

 




Espaço Espírita

 

Senhor!

Não te pedimos a isenção das provas necessárias, mas apelamos para tua misericórdia, a fim de que as nossas forças consigam superá-las.

Não te rogamos a supressão dos problemas que nos afligem a estrada; no entanto, esperamos o apoio do teu amor, para que lhes confiramos a devida solução com base em nosso próprio esforço.

Não te solicitamos o afastamento dos adversários que nos entravam os passos e obscurecem o caminho; todavia, contamos com o teu amparo, de modo que aprendamos a aceitá-los, aproveitando-lhes o concurso.

Não te imploramos imunidades contra as desilusões que porventura nos firam, mas exoramos o teu auxílio a fim de que lhes aceitemos, sem rebeldia, a função edificante e libertadora.

Não te suplicamos para que se nos livre o coração de penas e lágrimas; contudo, rogamos à tua benevolência para que venhamos a sobrestar-lhes o amargor, assimilando-lhes as lições!

Senhor, que saibamos agradecer a tua proteção e a tua bondade nas horas de alegria e de triunfo; entretanto, que nos dias de aflição e de fracasso, possamos sentir conosco a luz de tua vigilância e de tua benção!…

EMMANUEL

Do livro “Coragem” – Psicografia: Francisco Cândido Xavier – Editora CEC   

USE  INTERMUNICIPAL  DE  ASSIS

ÓRGÃO  DA  UNIÃO  DAS  SOCIEDADES  ESPÍRITAS  DO  ESTADO  DE  SÃO  PAULO




O Código Brasileiro de Inclusão: avanço em tempos de retrocessos

 

Em um cenário político marcado por retrocessos nas pautas de Diversidade, Equidade e Inclusão (DEI), a iniciativa do deputado federal Duarte Jr. (Maranhão) de querer propor o Código Brasileiro de Inclusão surge como um contraponto essencial, reafirmando o compromisso do Estado com a construção de uma sociedade verdadeiramente democrática.

Enquanto setores retrógrados insistem em desconsiderar a importância de políticas inclusivas, essa proposta demonstra que a eliminação de barreiras sociais e ambientais não é apenas uma questão de mera civilidade, mas, acima de tudo, também um potencializador de desenvolvimento econômico e de inovação. A sociedade que garante a participação plena de todos os cidadãos, independentemente de suas diferenças, estimula a criatividade e a pluralidade de ideias, elementos fundamentais para o progresso econômico e social.

Quando pessoas com deficiência, neurodivergentes e de outros grupos marginalizados têm suas opiniões consideradas e suas potencialidades reconhecidas, o mercado de trabalho se fortalece, a livre iniciativa se expande e a economia se beneficia de talentos que antes eram subutilizados.

Assim, o eventual novo Código Brasileiro de Inclusão, ao sistematizar e unificar os diversos dispositivos constitucionais e legais já existentes – como a Lei Brasileira de Inclusão (LBI), a Lei Berenice Piana (que trata sobre os direitos das pessoas do transtorno do espectro do autismo) e a Convenção de Nova Iorque sobre Direitos das Pessoas com Deficiência, entre tantas outras… –, cumpre um papel fundamental: tirar a lei do papel e transformá-la em políticas públicas efetivas, que tratem de produzir efeitos concretos na realidade.

Além disso, a consolidação dessas normas em um único diploma legal facilita o acesso ao conhecimento e a aplicação dos direitos, tanto pela população quanto pelos operadores do sistema jurídico. Advogados, Defensores Públicos, membros do Ministério Público e do Judiciário ganham um instrumento mais claro e coerente, agilizando a defesa dos direitos das pessoas com deficiência e promovendo maior segurança jurídica.

Portanto, a elaboração do Código Brasileiro de Inclusão representa um avanço civilizatório, reafirmando os princípios constitucionais de igualdade e dignidade humana. Em um momento em que pautas inclusivas enfrentam resistência, essa iniciativa se destaca como um farol de esperança, mostrando que é possível – e necessário – construir uma sociedade sem exclusão, mais livre, justa e democrática. A luta por inclusão não é apenas um dever do Estado, mas um caminho inevitável para um futuro mais próspero e humano.

* André Naves é Defensor Público Federal. Especialista em Direitos Humanos e Sociais, Inclusão Social – FDUSP. Mestre em Economia Política – PUC/SP. Cientista Político – Hillsdale College. Doutor em Economia – Princeton University. Comendador Cultural. Escritor e Professor.




A permissão da prescrição de medicamentos por farmacêuticos no Brasil vira batalha jurídica

 

A prescrição farmacêutica no Brasil, tema de grande relevância para a saúde pública, voltou a ser discutida com a publicação da Resolução do Conselho Federal de Farmácia (CFF) nº 2, de 2025. Essa nova resolução, que entrará em vigor em abril de 2025, representa um marco importante na ampliação das atribuições dos farmacêuticos, permitindo-lhes prescrever medicamentos, incluindo aqueles aprovados pela Agência Nacional da Vigilância Sanitária (Anvisa) com venda somente sob prescrição médica. No entanto, o impacto dessa mudança ainda está sendo debatido, principalmente devido à intervenção do Conselho Federal de Medicina (CFM), que já entrou com uma ação judicial para contestar a validade da resolução. Esse impasse jurídico, que poderá levar à suspensão ou revisão das normas, deixa no ar o futuro da prescrição farmacêutica no país.

A Resolução CFF nº 2/2025 surge em um contexto de profundas transformações na atuação dos farmacêuticos no Brasil. Desde a Resolução CFF nº 586, de 2013, – suspensa em 2024 por decisão judicial – houve um avanço na autonomia dos farmacêuticos para prescrever, ressaltando o papel do farmacêutico como orientador. Era possível prescrever qualquer produto sem exigência de prescrição médica, ou seja, medicamentos de venda livre, como analgésicos, antialérgicos, relaxantes musculares, além de cosméticos, suplementos. A prescrição de produtos tarjados “sob receita médica” já ocorria de forma mais limitada, mediante existência de diagnóstico prévio e sob protocolos e diretrizes aprovados em serviços de saúde.

A nova resolução, por sua vez, vai além, permitindo que o farmacêutico prescreva medicamentos sujeitos a receita médica, como antibióticos e antidepressivos, entre outros, desde que haja a qualificação adequada do profissional e a indicação correta para o paciente. Para garantir que essa prática seja realizada de forma responsável, a resolução exige a obtenção do Registro de Qualificação de Especialista (RQE), um certificado que atesta a especialização do farmacêutico nas áreas relacionadas à prescrição.

A exigência do RQE é uma das grandes inovações da nova resolução, pois coloca uma ênfase adicional na qualificação dos farmacêuticos, considerando que a prescrição de medicamentos exige um conhecimento técnico profundo e específico. O farmacêutico, ao adquirir uma especialização e ser registrado como especialista, passa a ter a responsabilidade não só de realizar a prescrição, mas também de monitorar e ajustar os tratamentos de acordo com as necessidades dos pacientes. Com essa medida, o CFF busca garantir maior segurança e qualidade na prática farmacêutica, além de destacar a importância do profissional como agente de saúde integral.

No entanto, a mudança não vem sem controvérsias. A atuação do CFM, que já entrou com medida judicial contra a nova resolução, evidencia a resistência de parte da classe médica a essa ampliação das competências do farmacêutico. Para o CFM, a prescrição de medicamentos, especialmente os sujeitos a controle médico, deve ser uma atribuição exclusiva dos médicos, que são vistos como os profissionais mais preparados para realizar diagnósticos e determinar tratamentos.

O CFM também argumenta que a sobreposição de competências pode causar confusão entre os profissionais de saúde e prejudicar a relação médico-paciente. Por sua vez, os farmacêuticos defendem que possuem conhecimento clínico e farmacológico para receitar e acompanhar pacientes com segurança, o que já acontece na prática em locais onde o acesso a serviços médicos é limitado, quando muitos pacientes recorrem aos farmacêuticos para orientações em atenção primária à saúde.

A decisão judicial que suspendeu parcialmente a Resolução CFF nº 586, por exemplo, já evidenciava o conflito entre as duas categorias, gerando uma atmosfera de incertezas quanto à efetividade da resolução anterior. Agora, com a publicação da nova norma, esse impasse jurídico se agrava, pois a resolução ainda precisa ser validada diante das pressões do CFM e das questões legais que surgem no processo.

Apesar da controvérsia, a nova resolução representa uma medida ainda mais ousada do Conselho Federal de Farmácia para expandir as fronteiras do cuidado farmacêutico. Ao permitir a prescrição de medicamentos, inclusive tarjados, o CFF não apenas reafirma a relevância do farmacêutico no processo de cuidado com o paciente, mas também se posiciona como um protagonista nas políticas de saúde pública. O farmacêutico, agora, tem um papel mais ativo no tratamento e monitoramento de doenças, especialmente aquelas crônicas e que exigem acompanhamento contínuo de terapias complexas.

Essa ampliação de competência, entretanto, exige uma reflexão sobre os desafios que os farmacêuticos enfrentarão na prática. A qualificação necessária para exercer a prescrição de medicamentos deve ser acompanhada de um compromisso com a educação continuada, para garantir que os profissionais estejam atualizados quanto às novas terapias e aos melhores protocolos clínicos. Além disso, a regulamentação precisa ser clara sobre os limites e as responsabilidades dos farmacêuticos, para que a prescrição não seja confundida com ato médico, mantendo sempre o foco na segurança e no bem-estar do paciente.

Em minha opinião, o Conselho Federal de Farmácia fez uma aposta significativa ao ampliar as atribuições do farmacêutico, destacando sua capacidade de atuar de maneira mais proativa no cuidado dos pacientes. Ao permitir a prescrição de medicamentos, o CFF também coloca os farmacêuticos em uma posição de maior responsabilidade, o que, em última instância, contribui para uma abordagem mais integrada da saúde. No entanto, a medida exige um processo de adaptação tanto por parte dos farmacêuticos, que precisarão se qualificar ainda mais, quanto por parte dos órgãos reguladores e do próprio sistema de saúde.

A prescrição farmacêutica é, sem dúvida, um passo importante na direção de um cuidado mais abrangente e multifacetado, mas sua implementação bem-sucedida dependerá de como os conflitos legais, como o envolvendo o CFM, serão resolvidos pelo Judiciário. Com a entrada em vigor da resolução em abril de 2025, espera-se que as discussões em torno do papel do farmacêutico continuem a ser um ponto de debate relevante no campo jurídico e na prática da saúde no Brasil.

 

Claudia de Lucca Mano é advogada e consultora empresarial atuando desde 1999 na área de vigilância sanitária e assuntos

 

 

 




Supremo, Bolsonaro e o banco dos réus

 

Começa nesta terça-feira (25) o julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) que poderá transformar o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e outros sete acusados em réus por suposta participação no planejamento de um golpe de Estado em 2022, ano da eleição do terceiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

A análise da admissão ou rejeição da denúncia será feita pela 1ª Turma do STF, composta pelos ministros Alexandre de Moraes (relator), Cristiano Zanin, Cármen Lúcia, Flávio Dino e Luiz Fux. Caberá a eles examinar se estão presentes os elementos mínimos exigidos para o processamento da ação penal.

Os ministros deverão analisar se a denúncia preenche os requisitos do artigo 41 do Código de Processo Penal (CPP) e se não se enquadra nas hipóteses de rejeição previstas no artigo 395 do CPP. Trata-se, em síntese, de um exame quanto às formalidades exigidas para o processamento regular de uma ação penal. O estigma que paira sobre todos os réus, independentemente do crime imputado, deve ser levado em consideração com extremo rigor nesta fase processual. No entanto, a prática demonstra que, na maioria das vezes, os magistrados apenas citam a presença dos elementos essenciais para o recebimento da denúncia e abrem prazo para a resposta à acusação.

No artigo 41 do CPP, exige-se que a denúncia descreva de forma clara e detalhada os fatos que constituem o crime, permitindo que o acusado compreenda plenamente as acusações e exerça sua defesa. Em casos que envolvem múltiplos réus, a denúncia deve individualizar as condutas de cada um.

Por outro lado, o artigo 395 do CPP estabelece que a denúncia será rejeitada caso seja inepta – ou seja, se descumprir as exigências do artigo 41, especialmente no que se refere à descrição detalhada das condutas imputadas –, ou se faltar pressuposto processual ou justa causa para o exercício da ação penal.

Os pressupostos processuais dividem-se em pressupostos de existência e de validade. Os de existência incluem: a presença das partes envolvidas, a figura do juiz investido em sua função e a acusação formalizada no processo penal. Já os de validade envolvem a competência do juiz, sua imparcialidade, a capacidade para realização dos atos processuais, a legitimidade das partes e a citação válida.

As condições da ação penal incluem: a existência de fato aparentemente criminoso, a punibilidade concreta, a legitimidade das partes e a justa causa. Para que a denúncia seja aceita, é necessário haver indícios razoáveis de autoria e materialidade dos crimes imputados ao acusado, com base em provas preliminares coletadas durante a investigação.

No caso do ex-presidente Bolsonaro, estão presentes todos os elementos para o recebimento da denúncia? A análise se concentrará na situação do ex-presidente, dada a relevância de uma acusação contra um ex-chefe de Estado.

A Procuradoria-Geral da República denunciou Bolsonaro pelos crimes de liderar organização criminosa armada (art. 2º, caput, §§2º, 3º e 4º, II, da Lei n. 12.850/2013), tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito (art. 359-L do CP), golpe de Estado (art. 359-M do CP), dano qualificado pela violência e grave ameaça contra o patrimônio da União, causando prejuízo significativo (art. 163, parágrafo único, I, III e IV, do CP), e deterioração de patrimônio tombado (art. 62, I, da Lei n. 9.605/1998), com base nas regras de concurso de pessoas (art. 29, caput, do CP) e concurso material (art. 69, caput, do CP).

A denúncia, com 272 páginas, detalha as condutas imputadas a cada acusado. No caso de Bolsonaro, a peça ministerial vincula os fatos às provas colhidas durante a investigação, incluindo a colaboração premiada de Mauro Cid. A narrativa cumpre os requisitos do artigo 41 do CPP, descrevendo de forma detalhada as imputações. Além disso, não há, nesta fase processual, qualquer elemento que justifique a rejeição da denúncia com base no artigo 395 do CPP.

Em outras palavras, a denúncia preenche os requisitos formais para ser recebida, permitindo o regular processamento da ação penal. No entanto, isso não significa que haja provas definitivas contra o ex-presidente. Assim, a culpabilidade de Bolsonaro só poderá ser confirmada ao final do processo, com a observância do devido processo legal, direito fundamental garantido a todos os brasileiros, independentemente de suas convicções políticas.

 

Marcelo Aith é advogado criminalista. Doutorando Estado de Derecho y Gobernanza Global pela Universidad de Salamanca – ESP. Mestre em Direito Penal pela PUC-SP. Latin Legum Magister (LL.M) em Direito Penal Econômico pelo Instituto Brasileiro de Ensino e Pesquisa – IDP. Especialista em Blanqueo de Capitales pela Universidad de Salamanca. 

 

 




Espaço Espírita

 

Vamos nos recordar, filhos queridos, da coroa de espinhos colocada em Jesus.

Aquele gesto insano e violento atesta o quanto o nosso coração está cheio de espinhos de ódio, egoísmo e orgulho. Pois bem, são esses os espinhos que nos fazem adoecer, por isso a nossa cura demanda retirarmos, tão mais urgente possível, os espinhos que temos cravados em nós mesmos através do desamor aos nossos irmãos.

Quando ferimos ao próximo, machucamos a nós mesmos.

Quando condenamos alguém, cravamos um prego em nossa cruz de sofrimentos.

Quando solapamos a confiança alheia, colocamos a coroa de espinhos em nossa consciência.

Amados, paremos de nos ferir, de nos afundar em problemas ainda mais graves e, da mesma forma que Jesus procedeu, abramos os braços à humanidade, perdoando e amando aos que nos ferem.

BEZERRA DE MENEZES

Do livro “Recados do meu Coração” – Psicografia: José Carlos De Lucca

USE  INTERMUNICIPAL  DE  ASSIS

ÓRGÃO  DA  UNIÃO  DAS  SOCIEDADES  ESPÍRITAS  DO  ESTADO  DE  SÃO  PAULO




Jornada de autoconhecimento e bem-estar

 

 

Vivemos em um mundo acelerado, onde a avalanche de pensamentos, compromissos e estímulos pode nos desconectar de nós mesmos. Encontrar uma maneira eficaz de desacelerar, organizar ideias e se conectar com a própria essência pode ser transformador para a qualidade de vida e bem-estar. É nesse contexto que surge a Escrita Proprioceptiva (EP), um método inovador que vem conquistando adeptos ao redor do mundo.

Desenvolvida por Linda Trichter Metcalf e Tobin Simon, fundadores do PW Center, cuja sede é na Califórnia USA, a Escrita Proprioceptiva tem sido praticada há mais de 40 anos nos Estados Unidos e em outros países.

No livro “Writing the Mind Alive – The Proprioceptive Method for Finding Your Authentic Voice” (Ballantine Books, 2002), os autores apresentam o conceito da EP como um método que utiliza a escrita para diminuir a velocidade dos pensamentos e, assim, possibilitar uma escuta profunda, atenta e curiosa desse fluxo intenso de informações sobre nós mesmos.

Diferentemente de um simples diário ou da escrita criativa, a EP é uma prática que convida o praticante a um mergulho reflexivo sobre seus pensamentos e emoções. Durante a sessão, que dura cerca de 30 minutos, o participante é convidado a respeitar três regras básicas, utilizar uma ferramenta chamada Pergunta Proprioceptiva e, ao final, responder a quatro questões específicas.

O resultado desse processo é um texto chamado de Escrito, reflexo autêntico do fluxo de pensamento do escritor no momento presente. A grande sacada da EP está em seu formato ritualístico e na metodologia estruturada.

A EP vai além da escrita criativa ao unir expressão e reflexão. O praticante é levado a experimentar seus pensamentos como vozes internas que revelam crenças cristalizadas, sensações, lembranças e emoções, proporcionando um entendimento mais profundo sobre si mesmo e, consequentemente, provocando uma ampliação da consciência que se reflete tanto na auto estima do praticante quanto na sua atuação criativa na vida.

 

Renata Parisi é psicanalista e Professora de Escrita Proprioceptiva. Psicanalista pelo Instituto Deep, de São Paulo; tem pós-graduação em Psicologia Transpessoal, pelo IPEC; e mestrado em Estudos Interdisciplinares de Comunidade e Ecologia Social, pelo Instituto de Psicologia da UFRJ. Professora de Escrita Proprioceptiva (Proprioceptive Writing), obteve certificação no The Proprioceptive Writing Center, na Califórnia, Estados Unidos.




FIAGROS: é preciso derrubar o veto de Lula

Oportunidades e desafios na captação de recursos para o setor Agropecuário
 

Os FIAGROs são os Fundos de Investimento nas Cadeias Produtivas Agroindustriais. Criados em 2021, são ativos de investimento do agronegócio, seja de natureza imobiliária rural ou de atividades relacionadas ao setor. O FIAGRO acabou se tornando uma fonte alternativa de financiamento para o produtor rural, de modo a não depender exclusivamente dos bancos e do Plano Safra.

Entretanto, em janeiro deste ano, o presidente Lula sancionou a *Lei Complementar 214/2025 que regulamenta a reforma tributária, mas vetou trechos que previam a isenção de tributos para os Fundos de Investimento nas Cadeias Produtivas do Agronegócio (FIAGROs) e para os Fundos de Investimento Imobiliário (FIIs). Esses trechos isentariam tais fundos da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS).

A justificativa do governo para o veto foi a ausência de autorização constitucional para que esses fundos não fossem considerados contribuintes do IBS e da CBS.

Isso pode impactar diretamente o crédito para os produtores rurais. É uma insensatez e ilógico o que o presidente fez.

Os FIAGROs são fundos onde as pessoas podem investir e que funcionam como fontes de financiamento para o agronegócio. No mundo inteiro, os fundos já são mais representativos do que os bancos. Esse tipo de fundo tem crescido bastante, pois permite também que investidores urbanos participem do setor agroindustrial, aproveitando o potencial do agronegócio brasileiro.

O Brasil conta com cinco grandes bancos e cooperativas de crédito, além de seis linhas de crédito disponíveis para o agronegócio. Há também o Plano Safra, que atende apenas uma pequena parte da produção. Dessa forma, os agricultores ficam nas mãos desses bancos e frequentemente enfrentam desafios para a concessão de crédito, tornando-se dependentes das instituições financeiras, que impõem taxas, garantias e burocracias muitas vezes incompatíveis com a realidade do setor.

Prova maior da importância de financiamentos alternativos é a notícia da suspensão do Plano Safra. O Tesouro Nacional decidiu suspender novas contratações destas linhas de financiamento 2024/2025. A medida vale a partir de 21 de fevereiro. O Governo, sempre correndo para remediar ao invés de prevenir, editou a MP 1.289/2025 liberando 4,17 BI, para conter a pressão do segmento. Ainda sim, é insuficiente para o que o setor demanda de fomento.

Os fundos representam um novo universo, uma nova possibilidade de financiamento com juros menores, pois, muitas vezes, esse capital vem do exterior. Os investidores estrangeiros não estão acostumados com os juros elevados do Brasil e, portanto, taxas mais baixas já são atrativas para eles. O FIAGRO é exatamente isso: uma fonte de financiamento. Além de financiar o campo, atualmente beneficia cerca de 600.000 investidores.

Com esse veto presidencial, os FIAGROs passarão a pagar os tributos previstos na reforma tributária, especificamente o IBS e a CBS. Isso significa uma alíquota de até 28,5%, o que inviabilizará completamente esses fundos.

A nossa expectativa é que a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) manifeste firmemente sua discordância com o veto e atue no Congresso Nacional para derrubá-lo. A tributação desses fundos compromete a competitividade do setor, aumenta os custos para os produtores, reduz a oferta de crédito no agronegócio e, por consequência, eleva os preços dos alimentos para o consumidor final.

Eduardo Berbigier é advogado tributarista, especialista em Agronegócio, membro dos Comitês Juridico e Tributário da Sociedade Rural Brasileira e CEO do Berbigier Sociedade de Advogados.