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Diocese de Assis

 

 

Como identificar os cristãos? Pela Bíblia? Pela Igreja? Pelo Palavreado? Pelos trejeitos? Pela roupa? Pelos costumes? Pelos amigos?

No século II, um belíssimo texto da carta a Diogneto responde a estas perguntas e a muitas outras. Vale a pena ler.

“Os cristãos não se diferenciam dos outros homens nem pela pátria nem pela língua nem por um gênero de vida especial. De fato, não moram em cidades próprias, nem usam linguagem peculiar, e a sua vida nada tem de extraordinário. A sua doutrina não procede da imaginação fantasista de espíritos exaltados, nem se apóia em qualquer teoria simplesmente humana, como tantas outras.

Moram em cidades gregas ou bárbaras, conforme as circunstâncias de cada um; seguem os costumes da terra, quer no modo de vestir, quer nos alimentos que tomam, quer em outros usos; mas o seu modo de viver é admirável e passa aos olhos de todos por um prodígio. Habitam em suas pátrias, mas como de passagem; têm tudo em comum como os outros cidadãos, mas tudo suportam como se não tivessem pátria.

Todo país estrangeiro é sua pátria e toda pátria é para eles terra estrangeira. Casam-se como toda gente e criam seus filhos, mas não rejeitam os recém-nascidos. Têm em comum a mesa, não o leito.

São de carne, porém, não vivem segundo a carne. Moram na terra, mas sua cidade é no céu. Obedecem às leis estabelecidas, mas com seu gênero de vida superam as leis. Amam a todos e por todos são perseguidos. Condenam-nos sem os conhecerem; entregues à morte, dão a vida. São pobres, mas enriquecem a muitos; tudo lhes falta e vivem na abundância.

São desprezados, mas no meio dos opróbrios enchem-se de glória; são caluniados, mas transparece o testemunho de sua justiça. Amaldiçoam-nos e eles abençoam. Sofrem afrontas e pagam com honras. Praticam o bem e são castigados como malfeitores; ao serem punidos, alegram-se como se lhes dessem a vida. Os judeus fazem-lhes guerra como a estrangeiros e os pagãos os perseguem; mas nenhum daqueles que os odeiam sabe dizer a causa do seu ódio.

Numa palavra: os cristãos são no mundo o que a alma é no corpo. A alma está em todos os membros do corpo; e os cristãos em todas as cidades do mundo. A alma habita no corpo, mas não provém do corpo; os cristãos estão no mundo, mas não são do mundo. A alma invisível é guardada num corpo visível; todos vêem os cristãos, pois habitam no mundo, contudo, sua piedade é invisível.

A carne, sem ser provocada, odeia e combate a alma, só porque lhe impede o gozo dos prazeres; o mundo, sem ter razão para isso, odeia os cristãos precisamente porque se opõem a seus prazeres.

A alma ama o corpo e seus membros, mas o corpo odeia a alma; também os cristãos amam os que os odeiam. Na verdade, a alma está encerrada no corpo, mas é ela que contém o corpo; os cristãos encontram-se detidos no mundo como numa prisão, mas são eles que abraçam o mundo.

A alma imortal habita numa tenda mortal; os cristãos vivem como peregrinos em moradas corruptíveis, esperando a incorruptibilidade dos céus. A alma aperfeiçoa-se com a mortificação na comida e na bebida; os cristãos, constantemente mortificados, vêem seu número crescer dia a dia. Deus os colocou em posição tão elevada que lhes é impossível desertar.”

Ser Cristão é, portanto, não uma questão de status, de honra ou de poder, mas de pertença: “vocês são de Cristo e Cristo é de Deus” (1 Cor 3,23).

PE. EDIVALDO PEREIRA DOS SANTOS




Diocese de Assis

 

Para quem possui ao menos uma parreira de uvas em casa ou conhece a arte da vindima, ou, quiçá, seja um viticultor de sucesso, sabe perfeitamente o quão importante é a arte da poda. Nada é tão fundamental para uma boa colheita do que seus segredos e prática em tempo certo, na maneira como se corta, no manejo do instrumento, na observação dos ciclos lunares, etc, etc. Pois bem: “Eu sou a videira verdadeira e meu Pai é o agricultor. Todo ramo que em mim não dá fruto, ele o corta…( Jo 15, 1-2)”, nos disse Jesus.

Percebeu agora a importância dessas palavras na vida cristã? Unidade e bons frutos! Sem isso, nada somos. Sem a apresentação de resultados práticos e visíveis, derivados da seiva de nossa fé, corta-se o ramo seco que se tornou nossa vida e a descarta dos planos celestiais. “Tais ramos são recolhidos, lançados no fogo e queimados (Jo 15, 6)”. Alguém aí ainda não entendeu tão claras e objetivas palavras ou quer que se desenhe? A didática das promessas de Cristo não poderia ser mais contundente e sua pedagogia usa das coisas simples para realçar a importância de nossa unidade a Ele, fonte primeira dos bons frutos que o Pai espera de nós.

Quantos ramos secos nos dias atuais! Seria falta de nutrientes no solo ressequido de nossos corações? Ou a necessidade de uma poda mais radical nesse crescimento exacerbado dos muitos ramos de nossa existência, a planta de muitas folhas sem frutos que a vida humana apresenta?  Estamos crescendo em exuberância aos olhos de muitos, mas sem os resultados esperados pelo agricultor que aqui nos colocou, nos plantou. De nada adianta um parreiral vistoso, verdejante, sem as podas necessárias, sem os frutos bons e saborosos de uma existência produtiva. Disso é que nos fala Paulo, ao mencionar fé sem obras, existência vazia, morta, sem resultados agradáveis a Deus. Galho seco se lança fora! A fé sem frutos, sem resultados práticos, é realmente morta.

Oportuno se faz, de quando em quando, um exame na saúde de nossa vida espiritual. Para isso existe a Igreja e seus sacramentos. Em especial o reconhecimento de nossas fraquezas, a Confissão e a Eucaristia, fonte de nossa espiritualidade, o grande alimento que nos mantêm unidos ao Cristo e nutridos por Ele nesse desafio de produzir para Deus. De nada adianta uma caminhada de fé sem esses pressupostos de inserção ao Cristo e total adesão aos seus ensinamentos. Não há alternativas, nem enxertos em ramos diferentes da fé que recebemos no batismo, nem manipulações da moderna tecnologia agrícola que parece “fazer milagres” no campo das produções humanas, nem adubação, nem vento, nem chuvas “provocadas” mas incontroláveis, nada disso resolverá nosso problema sem os “frutos saborosos” que o Pai espera de cada um de nós. A natureza divina rejeita improvisos de última hora!

WAGNER PEDRO MENEZES [email protected]

 

 




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É fundamental dar sentido para os nossos passos. Mas, antes, é necessário encontrar o caminho! Por não haver preocupação com o caminho é que surgem os atalhos; é que as pessoas se perdem; é que a vida desanda. A falta de caminho subjuga uma pessoa à fatalidade do destino.

O texto bíblico retirado de João 14,1-6 é bastante contundente:“Jesus continuou dizendo: ‘Não fique perturbado o coração de vocês. Acreditem em Deus e acreditem também em mim. (…) para onde eu vou, vocês já conhecem o caminho.’ Tomé disse a Jesus: ‘Senhor, nós não sabemos para onde vais; como podemos conhecer o caminho?’  Jesus respondeu: ‘Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida. Ninguém vai ao Pai senão por mim.”

São Clemente I, papa (século I) num dos fragmentos de sua carta aos coríntios, assim escreve:

“Este é o caminho, caríssimos, onde encontramos, nossa salvação: Jesus Cristo, o pontífice de nossas oferendas, nosso defensor e arrimo nas fraquezas.

Por ele nossos olhos se voltam para as alturas dos céus; por ele contemplamos, como num espelho, o rosto puríssimo e sublime de Deus; por ele abrem-se os olhos de nosso coração; por ele a nossa inteligência, insensata e obscurecida, desabrocha para a luz; por ele quis o Senhor fazer-nos saborear a ciência imortal, pois sendo ele ‘o esplendor da glória de Deus, foi colocado tão acima dos anjos quanto o nome que herdou supera o nome deles’” (cf. Hb 1,3.4).

Combatamos, portanto, irmãos, com todas as forças, sob as suas ordens irrepreensíveis.

Consideremos os soldados, que combatem sob as ordens dos nossos comandantes. Quanta disciplina, quanta obediência, quanta submissão em executar o que se ordena!

Nem todos são chefes supremos, ou comandantes de mil, cem ou cinquenta soldados, e assim por diante; mas cada um, em sua ordem e posto, cumpre as ordens do imperador e dos comandantes. Os grandes não podem passar sem os pequenos, nem os pequenos sem os grandes. A eficiência depende da colaboração recíproca.

Sirva de exemplo o nosso corpo. A cabeça nada vale sem os pés, nem os pés sem a cabeça. Os membros do corpo, por menores que sejam, são necessários e úteis ao corpo inteiro; mais ainda, todos se harmonizam e se subordinam para salvar todo o corpo.

Asseguremos, portanto, a salvação de todo o corpo que formamos em Cristo Jesus, e cada um se submeta ao seu próximo conforme o dom da graça que lhe foi concedido.

O forte proteja o fraco e o fraco respeite o forte; o rico seja generoso para com o pobre e o pobre agradeça a Deus por ter dado alguém que o ajude na pobreza. O sábio manifeste sua sabedoria não por palavras, mas por boas obras; o humilde não dê testemunho de si mesmo, mas deixe que outro o faça. Quem é casto de corpo não se vanglorie, sabendo que é Deus quem lhe dá o dom da continência.

Consideremos, então, irmãos, de que matéria somos feitos, quem éramos e em que condições entramos no mundo, de que túmulo e trevas nos fez sair aquele que nos plasmou e criou, para nos introduzir no mundo que lhe pertence, onde nos tinha preparado tantos benefícios antes mesmo de termos nascido.

Sabendo, pois, que recebemos todas estas coisas de Deus, por tudo lhe demos graças. A ele a glória pelos séculos dos séculos. Amém”.

PE. EDIVALDO PEREIRA DOS SANTOS




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Há de se convir que não foi por acaso a citação de Jesus à classe dos mercenários, quando nos contou a parábola do bom pastor. “O mercenário, que não é pastor e não é dono das ovelhas, vê o lobo chegar, abandona as ovelhas e foge, e o lobo as ataca e dispersa” (Jo 10, 12). No redil das ovelhas os dois estão sempre presentes. Estes com o desejo de obter vantagens, lucrar sobre eventuais descuidos, conquistar a confiança das ovelhas ingênuas, descuidadas, desgarradas… Aqueles com o intuito único de garantir o bem estar, saúde e integridade das ovelhas que lhe foram confiadas… Ao primeiro sopro das adversidades fogem os mercenários!

Essa realidade conhecemos bem. Nem sempre a salvação está garantida num redil onde mercenários usam máscaras de pastores preocupados e dissimulados, mas que almejam tão somente as benesses de um cargo, os dividendos sociais, a estabilidade profissional, o reconhecimento e a formalidade que a áurea de uma posição possa oferecer. Garantias circunstanciais de qualquer bom mercenário.

Já o bom pastor põe em risco tudo isso, até a própria vida! Nesse prisma, um único e autêntico pastor pode reivindicar para si todos os atributos da bondade e perfeição que seu ministério deixou como herança. Só Jesus foi o Bom Pastor autêntico! Os demais ainda tentam, são simulacros da Perfeição que exemplificou com a vida. Por maiores e mais santificados que sejam os ministérios dos bons pastores do povo, ainda possuem a marca da fraqueza humana que impede a plenitude na ação de bem administrar a messe, o rebanho que lhes fora confiado. Exceções existem, é lógico, mas todas elas susceptíveis a acertos e desacertos, comuns ao nosso gênero.

Por isso, não generalizemos nossas críticas e opiniões a respeito deste ou daquele rebanho, ou pastor, ou credo, ou grupo religioso. O fato é que todos estão inseridos no rebanho de Cristo e, bem ou mal, um dia chegaremos lá, prontos para a tosquia, a colheita do Senhor da Messe! O fato é que Ele continua se dando a conhecer, se manifestando a todos, aqui e acolá, apesar da ação sorrateira dos mercenários de plantão! O fato é que o Bom Pastor desse redil ainda conduz seu povo à vida, à plenitude de seu Amor, ao zelo por todos os que se deixam guiar à sombra de seu cajado. Não se trata de uma entrega submissa a uma crença pura e simples, mas de um amadurecimento de fé. Deixar-se guiar pelas promessas de um mestre do naipe de Cristo é uma opção pessoal, mas que necessita de um mínimo de senso crítico para bem conhecer aqueles que nos conduzem. Porque de boas intenções e bons pregadores o inferno também está cheio.  É necessário conhecer e se deixar conhecer, conduzir, mas também se deixar conduzir, acreditar, desconfiando sempre, confiar sem acreditar em tudo o que se vê, se ouve, se diz…

Porém, não temas, pequenino rebanho!  O fundamento da fé cristã conhece bem a consistência de sua pedra angular, aquela mesma que foi rejeitada pelos construtores dos muitos muros e paredes que a civilização levantou e ainda levanta. Era essa a pedra essencial na configuração de um arco, uma ponte… era ela quem dava sustentação, travando uma obra consolidada, permitindo-lhe resistir ao peso dos anos, séculos, milênios… Jesus Cristo! “Em nenhum outro há salvação, pois não existe debaixo do céu outro nome  dado aos homens pelo qual possamos ser salvos” (At 4-12). Eis nosso Pastor, nosso único e verdadeiro guia, a conduzir seu povo pelos caminhos da melhor pastagem. Quem se deixa guiar à luz desses ensinamentos há de encontrar a porta dos verdejantes prados celestiais. E nunca os currais dos falsos pastores e mercenários!

WAGNER PEDRO MENEZES [email protected]

 

 




Diocese de Assis

 

Procurando, na Bíblia, alguns textos para o artigo desta semana, senti um forte apelo do coração para escrever sobre a coragem. Sim! A coragem.

Ora, a coragem é entendida, muitas vezes, simplesmente, como destemor; como arroubo dos instintos e das pulsões ou como ação-reação de músculos e força física.

Não! A coragem não é nada disso!

A coragem é, na verdade, a energia interior que projeta o indivíduo para dentro das próprias convicções, de onde haure forças, entusiasmo, motivação, criatividade… para agir em qualquer situação e circunstância.

Corajoso não é o indivíduo que reage a tudo, forçado pelo momento, mas aquele que age movido pelo discernimento. Porque a eficácia de uma atitude não está na rapidez, mas, na lucidez.

A coragem é dom de Deus e vem de Deus!

Vejamos como, na Sagrada Escritura, a coragem é tratada ao longo de suas páginas:

“Sua prosperidade depende de você observar e praticar os estatutos e normas que Javé ordenou a Israel por meio de Moisés. Força e coragem! Não tenha medo, nem se acovarde” (1Cr 22,13).

“Então Davi falou a seu filho Salomão: Força! Coragem! Mãos à obra! Nada de medo ou receio, pois Javé Deus, o meu Deus, está com você. Ele não vai deixar nem abandonar você, enquanto não terminar o serviço de construção do Templo de Javé” (1Cr 28,20).

“Levante-se, porque este assunto compete a você. Estamos do seu lado. Coragem e mãos à obra” (Esd 10,4).

“Na verdade, eles nos queriam amedrontar, pensando que iríamos abandonar a obra, deixando-a sem acabar. Mas aí é que eu colocava mais coragem no trabalho” (Ne 6,9).

“O rei e aqueles que o rodeavam ficaram admirados da coragem com que o rapaz enfrentava os sofrimentos, como se nada fossem” (2Mc 7,12).

“Cada um anima o seu companheiro, dizendo-lhe: coragem” (Is 41,6).

“O Senhor Javé me deu a capacidade de falar como discípulo, para que eu saiba ajudar os desanimados com uma palavra de coragem. Toda manhã ele faz meus ouvidos ficar atentos para que eu possa ouvir como discípulo” (Is 50,4).

“Mas o justo persiste no seu caminho, e quem tem mãos puras redobra a coragem” (Jó 17,9)

“Lembra-te, Senhor, manifesta-te a nós no dia da nossa tribulação. Quanto a mim, dá-me coragem, Rei dos deuses e Senhor dos poderosos” (Est 4,17).

“Coragem, meus filhos! Clamem a Deus, e ele os livrará da opressão e das mãos dos inimigos” (Br 4,21).

“Jerusalém, tenha coragem! Aquele que lhe deu um nome a consolará” (Br 4,30).

“Que os pobres vejam e se alegrem. Busquem a Deus, e vocês terão coragem” (Sl 69,33).

“Jesus, porém, logo lhes disse: ‘coragem! Sou eu. Não tenham medo’” (Mt 14.27).

Não tenho dúvida de que só precisamos de coragem para continuar seguindo o caminho, mesmo com os maiores desafios.

Admita a coragem com outro espírito e viva mais confiante!

PE. EDIVALDO PEREIRA DOS SANTOS




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É triste admitir, mas nossa fé está sempre rodeada por fantasmas. A lógica da natureza humana não permite a total compreensão dos mistérios, em especial aqueles sobre os quais não encontramos qualquer explicação racional. Imaginem o quão difícil foi para os discípulos de Jesus entender e aceitar o retorno do mestre ao convívio com eles, quando ainda se achavam assustados e temerosos com tudo o que testemunharam nas cenas da Via Crucis. Como acreditar no que viam, quando eles próprios haviam providenciado os perfumes e a sepultura para aquele corpo desfigurado e vilipendiado com tamanha violência? Como admitir seu retorno à vida? “Estavam vendo um fantasma” (Lc 24, 37). Só podia ser.

O maior entrave da fé é a lógica. Vivemos num mundo prisioneiro dos cinco sentidos (visão, tato, audição, olfato e paladar). Esquecemos que nossa alma possui uma acuidade especial, um sexto sentido, capaz de superar nossas lógicas e os fantasmas que nossas mentes constroem. Somos capazes de enxergar além da realidade que nos cerca. Essa capacidade, no entanto, deve ser bem apurada e direcionada, como a fé nos ensina. Caso contrário, continuaremos a ver fantasmas em tudo que nos rodeia e foge de nossa compreensão. Essa é a limitação daqueles que não purificam sua fé à sombra dos ensinamentos cristãos. Preocupam-se porque não conhecem a pureza desses ensinamentos. “Mas Jesus disse: ‘Por que estais preocupados e por que tendes dúvidas no coração? Vede minhas mãos e meus pés: sou eu mesmo! Tocai em mim e vede’!” (Lc 24,38). O sexto sentido da fé pura e genuína complementa e aprimora os sentidos da limitação humana. Tocai e vede.

Eis porque a fé em Cristo não foge da realidade. Ainda nos é possível tocar e ver, sentir a presença divina entre nós graças aos mistérios da ressurreição. Ainda é possível sentar-se à mesa com Cristo, ouvir suas palavras, sentir seu amor, degustar o pão e o vinho, “alguma coisa para comer”, para reavivar a chama de uma esperança maior que nossas lógicas… Sim, a fé não cria fantasmas, mas reaviva em nós as promessas divinas: “Era preciso que se cumprisse tudo o que está escrito sobre mim na Lei”… Era preciso que não se subtraísse nenhum til ou vírgula da Palavra de Deus…, se quiséssemos alcançar o dom do Entendimento, só concedido àqueles que não mais criassem fantasmas em sua caminhada de fé. Seria essa a graça maior que o Espírito Santo poderia oferecer àqueles que lhe fossem fiéis até o fim, o grande final dessa história de Amor e Fé. Sem falsas visões ou distorções doutrinárias, sem fantasmas!

Hoje, a fé dos tempos modernos supera as lógicas do pragmatismo mundano. Com uma visão maior e mais racional da vida e seus mistérios, ousaria até dizer que nossa fé cresceu em graça e sabedoria. Não diria ser maior do que aquela que nos demonstraram os discípulos de Jesus, que o tocaram e viram, mas com certeza mais amadurecida e coerente. Sabemos que o intelecto humano está mais desenvolvido. Sabemos que a ciência fornece todas as respostas que buscamos para decifrar os segredos da matéria. Mas só a fé explica os mistérios. Só ela é capaz de saciar nosso espírito e abrir nossa inteligência para o sexto sentido humano, o dom do entendimento. Sem essa sensibilidade de alma estaremos limitados à triste realidade de um corpo perecível. Vendo fantasmas onde deveríamos reconhecer o maior dos milagres da história humana, o Cristo Ressuscitado que caminha conosco!

          WAGNER PEDRO MENEZES [email protected]




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Nada há de mais desagradável para um convalescente qualquer do que alguém tocar-lhe a ferida ainda em aberto. A dor retorna com igual intensidade, tal qual quando adquirida de uma forma ou de outra. Dói até na alma, costumamos dizer. Pior ainda quando essa provocação vem acompanhada pela dúvida, pela ironia, pela indiferença…

Não diria ser esse o caso de Tomé, mas a dúvida estava ali presente. ”Se  eu não vir a marca dos pregos em suas mãos, se eu não puser o dedo nas marcas dos pregos e não puser a mão no seu lado, não acreditarei” (Jo 20,25). A incredulidade sempre exige provas convincentes, palpáveis. Não seria diferente com o apóstolo retardatário, aquele que esteve ausente na primeira manifestação do Cristo redivivo em meio a seus discípulos. Mas a visão daquelas chagas foi tão impactante que só lhe restou prostrar-se diante do Mestre e exclamar: “Meu Senhor e meu Deus!”. As feridas ainda recentes por certo causavam dores, senão ao Cristo que sobrepujara uma cruz e um túmulo da perversão humana, ao menos e principalmente aos olhos atônitos e envergonhados daqueles que testemunharam ali a crueldade de que foram capazes os poderosos de seu povo. A que ponto chegaram!  As provas ali estavam, sangrando no corpo e na alma de todos.

As feridas abertas poderiam ser sanadas do corpo glorioso de Jesus. Não havia razão para mantê-las visíveis, já que a vitória sobre a morte era uma transposição que apagava todo e qualquer vestígio de uma derrota circunstancial. Cristo morreu, mas não se deixou derrotar. Cristo saiu do sepulcro com seu corpo glorificado, sem nunca se deixar manchar por qualquer nódoa de nossos pecados. Essa foi sua maior vitória: apagar de vez a derrota vergonhosa proporcionada pelo pecado original. Cristo venceu a morte e nos devolveu a plenitude da vida, a cura definitiva que a alma humana ansiava por alcançar. Desde então, as feridas ainda abertas que rondam nossa história aí estão, por conta do nosso livre arbítrio, o direito que temos de acreditar ou não nas promessas de Deus. Mas preferimos cutucar nossas feridas com a tosca visão dos mistérios que ainda turvam a fé em Cristo Ressuscitado.

Muitas portas permanecem fechadas em nossas vidas porque não abrimos nossos corações para a ação de Deus. Ele, por primeiro, nos mostra as mãos e o lado de seu Filho ferido por nossa ingratidão, mas logo a seguir nos reenvia ao mundo, com a missão de levar adiante sua Paz e Amor sem limites. Perdoa-nos pelo maior dos nossos pecados, a rejeição de sua graça, de sua ação entre nós, em nós. É tempo de percebermos nossa mesquinhez, ao exigir provas, ao desejar o toque ridículo e inútil de nossos dedos na ferida que causamos a seu Filho. É tempo de vestirmos a carapuça de nossa indignidade e esconder a vergonha de nossa prepotência. Parar de exigir de Deus as provas de uma crueldade que só aconteceu por conta de nossos pecados, nossa culpa pura e simples. Caso contrário, as feridas voltarão a se abrir, a vazar, a pulsar em sua dor lancinante, não em Cristo, mas em cada um de nós, lançados ao léu no fogo das maldições eternas. Porque as brasas da geena e as lanças dos algozes de Cristo são capazes de queimar e ferir de morte muitos dos que duvidam  das Verdades de nossa fé. Não cutuque essas feridas ainda mais!

WAGNER PEDRO MENEZES [email protected]




Diocese de Assis

A Páscoa da Ressurreição que a Igreja celebrou no último domingo é muito mais do que uma tradicional celebração Católica que encerra a Semana Santa; é muito mais do que uma solene cerimônia religiosa; é muito mais do que uma grande concentração religiosa. O que celebramos é o fundamento da fé. É a essência do cristianismo. É a razão de ser da Igreja Católica: sua origem, sua missão e finalidade.

O eixo da páscoa é o eixo da vida da Igreja: o Mistério da Paixão, Morte e Ressurreição de Jesus. Portanto, a Igreja vive da páscoa que celebra e experimenta cada dia, na celebração eucarística, o Cristo Vivo num estado de páscoa permanente. Neste Sentido o Mistério que celebramos no domingo passado não tem fim. Pelo contrário, renova-se a cada dia e renova a própria Igreja.

A liturgia oferece, nesta semana, o que chamamos “oitava da páscoa”. É uma semana vivida como se fosse um dia, o domingo da ressurreição. Enquanto se prolonga por uma semana, o domingo da ressurreição mostra a força de renovação da vida, num tempo que não tem fim. Deus, não só espalha a semente da vida em todos os lugares deste mundo, mas a faz germinar, contrariando e vencendo o espírito de morte, mostrando a força das obras de suas mãos, principalmente, sobre o homem.

A obra de Deus é admirável na criação, mas, muito mais admirável, na redenção, diz uma oração proclamada no Sábado Santo. E é exatamente essa a profundidade do Mistério Pascal: Deus não criou o ser humano e o abandonou ao poder do nada. Ele criou e cuida, bem de perto, com as mesmas mãos, os que fomos constituídos seus filhos e filhas.

Somos testemunhas de que nada tem faltado à Igreja, ao longo dos séculos, porque a providência de Deus sempre chegou antes das nossas necessidades. É preciso admitir: o que necessitamos é sempre muito diferente do que pedimos e queremos. Por isso, a providência de Deus manifestada pela Páscoa da Ressurreição é o tudo que nos têm faltado e não sabemos compreender e experimentar.

Diante disso, que postura de fé precisamos assumir? É preciso viver a fé de modo eucarístico. Fazer da Eucaristia, não apenas um ritual do templo, mas uma celebração da vida que desperta para a mesma prática de Jesus, os mesmos sentimentos de Jesus, o mesmo espírito de Jesus, o mesmo amor de Jesus, a mesma dinâmica de Jesus, a mesma coerência de Jesus, a mesma ousadia de Jesus, a mesma obediência de Jesus porque “Ele, apesar de sua condição divina, não fez alarde de ser igual a Deus, mas se esvaziou de si e tomou a condição de escravo, fazendo-se semelhante aos homens. E mostrando-se em figura humana, humilhou-se, tornou-se obediente até a morte, morte de cruz. Por isso Deus o exaltou e lhe concedeu um título superior a todo título, para que, diante do título de Jesus, todo joelho se dobre, no céu, na terra e no abismo; e toda língua confesse, para a glória de Deus Pai: Jesus Cristo é o Senhor!” (Filipenses 2,6-11, segundo a Bíblia do Peregrino).

Eu me alegro em compartilhar com todos essas poucas linhas e dizer, como sacerdote, o quão maravilhoso é celebrar a Eucaristia e, inspirado por ela, ser chamado a viver uma vida como a de Jesus. Não é o fato de ser sacerdote que me faz capaz de viver como Jesus, mas, a Eucaristia que a Igreja recebeu como herança para si e para todos quantos dela se aproximarem como discípulos de Cristo.

É por isso que, a vida do Cristão só se faz verdadeira em estado de páscoa permanente. Isto é dom de Deus!

O apelo da páscoa continua insistente e instigante nas lutas diárias, por uma consciência de pertença ao Corpo de Cristo, seja no tecido eclesial ou social. Somos chamados, durante todo o ano 2024, a dar testemunho do ressuscitado e da ressurreição em nossas vidas!

PE. EDVALDO JOSÉ DOS SANTOS




Diocese de Assis

 

É mais fácil acreditar na hipótese de um roubo, uma malandragem qualquer, do que na possibilidade de um milagre. Foi essa a primeira reação dos discípulos diante do túmulo vazio onde horas antes haviam depositado o corpo do Senhor. Profanaram seu túmulo, roubaram seu corpo. Não lhes passava pela cabeça aquela estranha linguagem profética de que o Messias haveria de ressuscitar dos mortos.

Ainda hoje essa linguagem é muito dura para a lógica da vida: nascer, crescer, morrer. Ainda hoje muitos teimam na possibilidade do roubo, afastando por completo o maior dos milagres de que se tem notícia na frágil e finita história humana. Como assim, ressuscitou? A possibilidade de um morto voltar à vida foge completamente da lógica, da biológica… real e primária na definição do ato de viver… e morrer! Não, definitivamente não. Um atestado de óbito não dá margens para rasuras, alternativas contrárias ao que se atesta. Então, melhor aceitar as evidências dos fatos: roubaram o corpo do Senhor!

Acontece que nenhuma lógica humana é maior do que o milagre da própria vida. Se Jesus, redentor e restaurador da maior obra divina, se sua missão era justamente nos devolver a graça, reatar a plenitude da vida, a morte não poderia ter efeito sobre Ele, nunca, jamais! Mesmo que não houvesse a crucificação, que sua morte viesse naturalmente como a qualquer ser vivo, mesmo que os anjos o resgatassem milagrosamente desse vale de lágrimas, se não houvesse a ressurreição, seria vã nossa fé. Conclusão lógica e bem amadurecida no testemunho do apóstolo que conheceu Jesus em sua vida ressurrecta, em uma estrada de Damasco. Quem lhe revelou tamanha ciência teológica senão o Cristo em pessoa? Como explicar seu ardor missionário, sua entrega total e incondicional à doutrina que lhe foi revelada?

Mas as provas que o mundo exige vão além da realidade que limita nossa compreensão. Estão lá, aos rês do chão de um túmulo emprestado, usado provisoriamente, mas capaz de abrigar as evidências de um milagre imensurável. São panos ensanguentados, sujos e impregnados de muito suor e lágrimas, que por certo verteram dos olhos de sua mãe, naquele colo diáfano, naquela despedida de piedade. São “as faixas de linho deitadas no chão e o pano que tinha estado sobre a cabeça de Jesus, não posto com as faixas, mas enrolado num lugar à parte” (Jo 20, 6-7), Quem os enrolou? Por que? Mais um enigma para nossa fé pequena. Seria esse o Sudário de Turim, a famosa peça motivo de estudos, veneração e revelações minuciosas da imagem de um homem crucificado? O milenar pano de linho sobre o qual a ciência humana tem se debruçado com avidez e curiosidade, mas sem explicações lógicas para os mistérios ali ocultos?

Como vemos, os mistérios da fé cristã ultrapassam qualquer lógica da precavida sabedoria humana. Mas o apóstolo dos gentios e pagãos tem sempre uma palavra  de ânimo para nossas incertezas: “Aspirai às coisas celestes e não às coisas terrestres”. Perder-se no emaranhado das coisas falíveis e perecíveis é fácil, mas abandonar-se na esperança de uma vida imorredoura, uma fé perene e imortal é muito melhor. Não deixe que a dúvida também lhe roube a alma, além do corpo jogado na geena… O túmulo vazio de Jerusalém nos diz tudo isso.

          WAGNER PEDRO MENEZES [email protected]




Diocese de Assis

Quando alguém se põe a caminho tem um objetivo. O objetivo de uma caminhada é sempre chegar a algum lugar. A caminhada quaresmal, nos leva ao núcleo do Mistério da Fé: a Paixão, Morte e Ressurreição de Jesus. Ora, como poderia alguém se colocar a caminho sem se envolver com tudo e todos, ao longo do caminho, e com o objetivo do próprio caminho? É certo que, sem fazer algumas opções e renúncias, no caminho, a finalidade da caminhada fica comprometida e prejudicada.

Será que não é a hora de revermos o caminho e a caminhada!

A Páscoa de Jesus está sendo, cada vez mais, subaproveitada. E é possível usufruir melhor deste grande acontecimento e memorial da fé.

O texto que se segue, é das Catequeses de São João Crisóstomo, bispo (século IV), e nos ajudará a responder algumas questões pertinentes ao caminho e a nós mesmos.

“Queres conhecer o poder do sangue de Cristo? Voltemos às figuras que o profetizaram e recordemos a narrativa do Antigo Testamento: ‘Imolai’, disse Moisés, ‘um cordeiro de um ano e meio e marcai as portas com o seu sangue (cf. Ex 12,6-7). Que dizes, Moisés? O sangue de um cordeiro tem poder para libertar o homem dotado de razão ? É claro que não, responde ele, não porque é sangue, mas por ser figura do sangue do Senhor. Se agora o inimigo, ao invés do sangue simbólico aspergido nas portas, vir brilhar nos lábios dos fiéis, portas do templo dedicado a Cristo, o sangue verdadeiro, fugirá ainda mais para longe.

Queres compreender mais profundamente o poder deste sangue? Repara de onde começou a correr e de que fonte brotou. Começou a brotar da própria cruz, e a sua origem foi o lado do Senhor. Estando Jesus já morto e ainda pregado na cruz, diz o evangelista, um soldado aproximou-se, feriu-lhe o lado com uma lança, e imediatamente saiu água e sangue: a água, como símbolo do batismo; o sangue, como símbolo da eucaristia. O soldado, traspassando-lhe o lado, abriu uma brecha na parede do templo santo, e eu, encontrando um enorme tesouro, alegro-me por ter achado riquezas extraordinárias. Assim aconteceu com este cordeiro. Os judeus mataram um cordeiro e eu recebi o fruto do sacrifício.

‘De seu lado saiu sangue e água’ (Jo 19,34). Não quero, querido ouvinte, que trates com superficialidade o segredo de tão grande mistério. Falta-me ainda explicar-te outro significado místico e profundo. Disse que esta água e este sangue são símbolos do batismo e da eucaristia. Foi destes sacramentos que nasceu a santa Igreja, pelo banho da regeneração e pela renovação no Espírito Santo, isto é, pelo batismo e pela eucaristia que brotaram do lado de Cristo. Pois Cristo formou a Igreja de seu lado traspassado, assim como do lado de Adão foi formada Eva, sua esposa. Por esta razão, a Sagrada Escritura, falando do primeiro homem, usa a expressão osso dos meus ‘ossos e carne da minha carne’ (Gn 2,23), que São Paulo refere, aludindo ao lado de Cristo. Pois assim como Deus formou a mulher do lado do homem, também Cristo, de seu lado, nos deu a água e o sangue para que surgisse a Igreja. E assim como Deus abriu o lado de Adão enquanto ele dormia, também Cristo nos deu a água e o sangue durante o sono de sua morte.

Vede como Cristo se uniu à sua esposa, vede com que alimento nos sacia. Do mesmo alimento nos faz nascer e nos nutre. Assim como a mulher, impulsionada pelo amor natural, alimenta com o próprio leite e o próprio sangue o filho que deu à luz, também Cristo alimenta sempre com o seu sangue aqueles a quem deu o novo nascimento”.

A páscoa que, neste domingo, é uma data certa no calendário, para nós é o acontecimento mais importante na fé.

Celebremos a vida do Cristo em nós! Feliz páscoa para você!

É para a liberdade que Cristo nos libertou!

PE. EDVALDO JOSÉ DOS SANTOS