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O preconceito que condena

 

O programa Fantástico da Rede Globo trouxe mais uma história de injustiça cometida pelo Poder Judiciário brasileiro contra um jovem preto e periférico. Infelizmente, Carlos Edmilson da Silva é mais um dentre muitos jovens pobres, pretos ou pardos, que tem suas vidas destruídas por uma investigação mal conduzida e por um Poder Judiciário negligente, que dá maior evidência à voz da Polícia e do Ministério Público.

Carlos Edmilson viu sua vida mudar após uma prisão pelo cometimento do crime de furto na cidade de Barueri, região metropolitana de São Paulo. A partir daquele momento seus dados, como “criminoso”, passaram a constar do cadastro da Polícia. Ficou pouco tempo preso pelo crime de furto. Em liberdade, foi acusado e preso pelo estupro de quatro mulheres, ocorridos entre os anos de 2006 e 2007, novamente na região de Barueri. Ficou três anos preso até que um exame de DNA comprovasse que ele não era o autor daqueles crimes.

Ocorre que a sequência de injustiças não para por aí. Entre os anos 2010 e 2012 houve uma série de estupros na região de Barueri e Osasco, e, novamente, Carlos Edmilson foi apontado como autor dos crimes. Com base em um reconhecimento fotográfico, ele foi condenado a mais de 170 anos de prisão.

Após doze anos preso por um crime que não cometeu, correndo os riscos de quem é acusado de crimes sexuais, o Superior Tribunal de Justiça, por sua Quinta Turma, na última terça-feira (14), acolheu o recurso da defesa e colocou Carlos Edmilson em liberdade, uma vez que, novamente, o material genético (DNA) encontrado nas vítimas não era dele.

Instado a se manifestar sobre os fatos que seriam apontados na reportagem do Fantástico, o Tribunal de Justiça de São Paulo declarou que os juízes têm independência funcional para decidir de acordo com os documentos dos processos e “seu livre convencimento”, reforçando que “Quando há discordância da decisão, cabe às partes a interposição dos recursos previstos na legislação vigente, como ocorreu no caso”. Ou seja, o Tribunal de Justiça lavou as mãos e não reconheceu que houve um erro judiciário na hipótese.

Para além disso, não se olvida que o juiz tem independência funcional, mas essa independência é limitada. Não pode, no mundo ideal, o magistrado condenar qualquer indivíduo, por qualquer crime, sem que o órgão acusador tenha provado suas alegações.

O sistema processual brasileiro adota, como regra, o sistema do livre convencimento motivado ou persuasão racional. A liberdade do magistrado não é plena, uma vez que não pode substituir a prova por meras conjecturas nem mesmo por sua opinião sobre os fatos ou sobre o acusado.

Em um processo penal ideal, o órgão de acusação deve apresentar uma hipótese acusatória e, com ela, os elementos probatórios correspondentes. Ademais, há que ser possibilitado a defesa apresentar contra-hipóteses e contraprovas. Sendo que, ao final, o julgador, diante do conhecimento atômico dos elementos apresentados (e não holístico), e da valoração sobre eles, emita sua decisão de maneira racional e imparcial.

No entanto, no mundo real a história é diferente. Os julgadores, afastando-se do mister constitucional, invariavelmente se fiam exclusivamente das hipóteses acusatórias e nos escassos elementos de prova apresentados pela acusação, escanteando as teses defensivas, alegando para tanto o mantra do “livre convencimento motivado”, tal como o Tribunal de Justiça lançou em sua nota.

Segundo Gustavo Henrique Badaró, partindo-se de uma concepção racionalista, de que a decisão deve se fundar num método de corroboração de hipóteses fáticas (com base na prova produzida, e não na crença do julgador), o que importa é se a proposição fática está suficientemente corroborada – e não falsificada por hipóteses contrárias ou diversas – para ser tida por provada. Logo, o processo de valoração serve para verificar se as hipóteses fáticas estão ou não confirmadas pelas provas, e não para gerar uma crença no julgador.

No caso trazido pelo Fantástico, Carlos Edmilson foi condenado diante do reconhecimento fotográfico realizado pelas vítimas. No entanto, conforme ficou evidenciado posteriormente, havia material genético que poderia ser utilizado como elemento de prova para confirmar se, de fato, Carlos era o autor do crime. Graças ao trabalho do “Innocence Project Brasil” foi possibilitada a produção do exame de DNA que demonstrou, cabalmente, que Carlos não era o autor dos estupros.

No entanto, fica a pergunta, se havia material genético para demonstrar se Carlos era ou não autor do crime, por que o Ministério Público não produziu essa prova cabal? Por que o Poder Judiciário paulista se contentou com o reconhecimento fotográfico? A resposta é simples: porque Carlos Edmilson da Silva era, na época do julgamento, um jovem, preto, pobre e periférico, portanto, estigmatizado pela cor de sua pele e pela sua condição econômico-social, fato que ocorre não raras vezes nos tribunais brasileiros. Quando isso vai acabar? Quando o Poder Judiciário irá julgar racionalmente o processo penal? Quando o Poder Judiciário irá julgar analisando os fatos e as provas, e não as pessoas acusadas? Quando esse preconceito terá fim?

 

Marcelo Aith é advogado criminalista. Mestre em Direito Penal pela PUC-SP. Latin Legum Magister (LL.M) em Direito Penal Econômico pelo Instituto Brasileiro de Ensino e Pesquisa – IDP. Especialista em Blanqueo de Capitales pela Universidade de Salamanca.

 

 

 




A tragédia anunciada no Rio Grande do Sul

 

As enchentes que assolam o Rio Grande do Sul há mais de duas semanas, com um saldo trágico de 148 mortes e meio milhão de desabrigados, escancaram a vulnerabilidade do estado frente aos eventos climáticos extremos intensificados pelas mudanças climáticas. A catástrofe, que já afeta 2,1 milhões de pessoas em 447 municípios, exige ações urgentes e eficazes para mitigar seus impactos e prevenir futuras tragédias.

Estudos científicos recentes, como o realizado pelo grupo ClimaMeter, evidenciaram que as chuvas que atingiram a região Sul do país foram 15% mais intensas devido às mudanças climáticas em curso.

As consequências das enchentes vão além dos números alarmantes de mortes e desabrigados. A saúde pública enfrenta o risco iminente de surtos de doenças infecciosas, como diarreias, leptospirose e dengue, que se propagam rapidamente em ambientes contaminados.

A economia do estado, fortemente impactada, sofre perdas incalculáveis na agricultura, com lavouras destruídas e animais mortos, na indústria, com fábricas paralisadas e infraestruturas danificadas, e no comércio, com lojas fechadas e mercadorias perdidas. Os efeitos dessa crise econômica se estendem por toda a cadeia produtiva, afetando empregos, renda e o desenvolvimento do estado.

A resposta do governo federal, com a liberação de um pacote de R$ 50 bilhões e a suspensão da dívida pública do estado, é um passo importante, mas não suficiente. A reconstrução do Rio Grande do Sul demanda um esforço conjunto de todos os setores da sociedade, com investimentos em infraestrutura, moradia, saúde e prevenção de desastres.

É preciso investir em sistemas de alerta precoce, mapeamento de áreas de risco, construção de diques e barragens, além de promover a educação ambiental e a conscientização da população sobre os riscos e medidas de prevenção.

Nesse contexto, o papel do poder público e dos parlamentares é fundamental. Aos governantes cabe a responsabilidade de liderar o processo de reconstrução, destinando recursos, elaborando planos de ação e implementando políticas públicas eficazes.

Aos parlamentares, cabe o papel de fiscalizar a aplicação dos recursos, propor leis que fortaleçam a prevenção e o enfrentamento de desastres naturais e garantir que os interesses da população afetada sejam atendidos.

A aprovação da suspensão da dívida do Rio Grande do Sul com a União pela Câmara dos Deputados é um exemplo de ação legislativa que pode contribuir para a recuperação do estado.

Além disso, a solidariedade entre os estados da federação é crucial neste momento. Estados como São Paulo, com maior capacidade econômica e logística, podem contribuir significativamente para a reconstrução do Rio Grande do Sul.

A mobilização de recursos, envio de equipes de resgate e assistência médica, doação de alimentos, água e medicamentos, além do apoio na reconstrução de infraestruturas, são exemplos de ações que podem fazer a diferença na vida das pessoas afetadas.

A experiência de outros países, como a Holanda, referência mundial em engenharia hidráulica, pode ser valiosa na busca por soluções eficazes. A expertise holandesa em planejamento de diques, barragens e sistemas de drenagem pode contribuir para a criação de uma infraestrutura resiliente no Rio Grande do Sul, capaz de proteger a população e minimizar os danos causados por futuras enchentes. A cooperação internacional, com intercâmbio de conhecimentos e tecnologias, pode ser fundamental para o enfrentamento desse desafio.

A tragédia gaúcha é um alerta para todo o país. As mudanças climáticas são uma realidade inegável, e seus impactos já se fazem sentir com força crescente em diversas regiões do Brasil.

É necessário que governos, empresas e sociedade civil se unam em um esforço conjunto para mitigar os efeitos do aquecimento global, reduzir as emissões de gases de efeito estufa e investir em energias renováveis. A transição para uma economia de baixo carbono é essencial para garantir um futuro mais seguro e sustentável para todos.

A reconstrução do Rio Grande do Sul é um desafio colossal, mas não impossível. Com planejamento, investimentos, cooperação, liderança do poder público e a solidariedade de outros estados, é possível transformar a tragédia em oportunidade para construir um estado mais resiliente, preparado para enfrentar os desafios do futuro e garantir o bem-estar de sua população.

A união de esforços em todos os níveis é fundamental para superar essa crise e construir um futuro mais seguro e próspero para o Rio Grande do Sul e para o Brasil.

Mauro Bragato é deputaddo estadual (SP)




Atenção mulheres: é proibido envelhecer!

 

No final do ano de 2021, a atriz Sara Jéssica Parker, hoje com 59 anos de idade, concedeu uma entrevista à revista Vogue onde relatou os inúmeros comentários negativos que recebeu, e, ainda, vem recebendo, sobre sua aparência, como suas rugas e seus cabelos grisalhos, em contraposição a sua antiga cabeleira loira e brilhante. Uma tendência que vem sendo abraçada por muitas mulheres no mundo que para além das tendências de coloração, que ditam a moda, permitir a presença dos cabelos prateados, denota uma atitude de libertação e obediência ao próprio repertório, que repousa no desejo de manifestar aquilo que se é, bem como, não oferecer tanta resistência a ação do tempo, e, ainda, sinalizar com força a possibilidade de novos padrões de beleza.

Seria muito mais terno, belo e humano se fosse algo natural, já que o envelhecimento reflete, ou ao menos deveria refletir, o processo de amadurecimento da pessoa. E é justamente no compêndio das experiências que uma mulher possui, tais como suas histórias, suas crenças, suas cicatrizes e seus aprendizados, que reside uma imensurável beleza.

Mas é sabido, que esta atitude clama por coragem, já que no mundo real se a mulher opta por envelhecer, terá de enfrentar o manto da invisibilidade que lhe retirará de cena, pois a ordem social que tem imperado glamouriza a juventude, direcionando todos os holofotes a tudo que é jovial, verde, ao que principia.

As mulheres, como sempre, são as vítimas preferenciais da ditadura da beleza. E este é um fato praticamente incontroverso em nossa sociedade patriarcal. “Parker”, na entrevista supramencionada, se compara com o colega, de praticamente mesma idade, “Andy Cohen”, da famosa série por eles estrelada, “Sexy and the City”, que também ostenta rugas e cabelos grisalhos, mas nele é “primoroso” e desabafa: “Eu sei como eu sou. Eu não tenho escolha. O que vou fazer a respeito? Parar de envelhecer? Desaparecer?” (sic)

Uma lástima! Triste consentir que em pleno século XXI uma mulher não possa decidir como pretende envelhecer, sem ser massacrada. Afinal, a clientela masculina, quanto aos efeitos do envelhecimento em seus corpos, não sofrem com agentes limitadores na mesma proporção que ocorre com as mulheres.

Homens grisalhos e mais velhos, gozam de prerrogativas como beleza, experiência e virilidade. A exemplo, podemos citar no Brasil, o grande ator brasileiro, Antonio Fagundes, atualmente com quase 75 anos de idade, muito charmoso e belo, exibe cabelos ultra brancos, rugas normais do processo do envelhecimento e pálpebras inchadas, para não dizer caídas ao redor dos olhos. Porém, não importa como esteja, vai provocar suspiros por onde passar.

Uma atriz nas mesmas condições, se optar não retocar a área dos olhos e aparecer com as mesmas “bolsas” abaixo dos olhos, certamente receberá críticas e apontamentos de descuido.

Sem contar o cabelo grisalho feminino, que realmente desaponta a sociedade, é algo quase que inaceitável. Não somente o tom prateado das madeixas, mas definitivamente, está proibido enaltecer tudo que não é de bom gosto, como sobrepeso, rugas e cabelos brancos. Mulheres estão proibidas de envelhecer, é isto!

Reconheça sua idade e mantenha-se jovem, para não sofrer os efeitos restritivos da passagem do tempo. Não à toa, clínicas e consultórios médicos voltados para o mercado da estética, encontram-se cada vez mais abarrotados. E é de fato, difícil por vezes, sair da consciência coletiva que nos empurra para estes lugares.

A declaração de Jéssica, sensibiliza e indigna, pois é como se ela devesse um pedido de desculpas à sociedade por não retardar o próprio envelhecimento e, deste modo, perder complemente seu valor e seu apreço.

O fato é que envelhecemos de dentro para fora. E tal manifestação é urgente e irrecuperável, bem como, é igualmente urgente, que todos nós combatamos estas castrações sociais, pois somente assim conseguiremos traspor as muralhas da certidão de nascimento, que constroem muros internos imensos e quase que instransponíveis.

Cada um deveria decidir, por si mesmo, como quer viver, sem medo de ousar, sem medo de parecer ridículo, sem medo de amar, porque esse é o único sentimento que não envelhece. Mas, sim, o  amor tardio, também não é bem-visto.

Simone de Beauvoir, escreveu um pequeno romance – “Mal entendido em Moscou” – onde narra uma crise existencial suprema, ao se deparar com a idade, com a velhice, durante uma viagem. Há uma passagem no livro, que merece destaque, pois exprime uma dor suprema – a idade que nos desqualifica, a velhice intolerável, que suplanta o próprio medo da morte:

“Estou sozinha”! A angústia a fulminou: angústia de existir, muito mais intolerável que o medo de morrer. Sozinha como uma pedra no meio do deserto, mas condenada a ter consciência da inutilidade de sua presença. Todo o seu corpo amarrado em um nó, rígido, em um grito silencioso.” (BEAUVOIR, Simone. Mal-entendido em Moscou. 1ª edição. Rio de Janeiro.2015).

Será mesmo que na medida em que nós mulheres vamos cedendo à força do inconsciente, que não quer mais resistir a ação do tempo, estaremos fadadas a experimentar tamanha solidão e medo?

Não há uma resposta simples, evidente, mas o fato é que é preciso ter coragem e autonomia para viver em conformidade com a própria essência, uma atitude que contribuirá para que mais e mais mulheres ousem abraçar seus processos, ousem exibir suas mechas cor de prata, corpos mais frágeis e com menos tônus ou mesmo com mais adiposidade, pois, desse modo, fortalecerão e encorajarão outras mulheres, exaustas desses padrões opressores.

Por fim, sempre de bom alvitre lembrar que os fiscais da beleza de hoje e aqueles que escrevem as cartilhas para homens e mulheres de modo geral, que dizem quem está apto a desempenhar papeis no mercado de trabalho ou não, levando-se em conta, justamente a faixa etária, ou seja, os grandes atores que promovem e alimentam o etarismo de hoje, serão as vítimas destes mesmos padrões e processos num brevíssimo amanhã.

Portanto, precisam se dar conta que, no momento, estão apenas alinhavando seus pescoços para sangrar na mesma guilhotina.

 

Ana Toledo é advogada, sócia do escritório AC Toledo Advocacia. Especialista em Direito Previdenciário Público e Seguridade Social. www.actoledo.com.br

 




Saber escutar nos aproxima das pessoas

 

 

Desde que desenvolvemos a linguagem, passamos a valorizar os grandes oradores. Na escola, os melhores alunos são os que dão as melhores respostas. Nas organizações não é diferente. Quem fala bem, se dá bem. Admiramos e promovemos líderes capazes de comunicar com clareza uma mensagem, envolver, cativar e persuadir outros por meio de sua linguagem.

O que tenho observado é que a habilidade que mais faz falta nas pessoas, especialmente nos líderes que acompanho é a escuta. Dada nossa educação, não é difícil perceber porque a escuta ainda não é valorizada, portanto não é desenvolvida. Nas empresas, executivos e executivas são valorizados pela arte da fala, tornam-se grandes contadores de histórias ou grandes negociadores.

São homens e mulheres reconhecidos por sua incrível capacidade de influenciar pessoas pela arte da fala. Sua capacidade de escutar fica em segundo plano. Sequer percebem que não sabem escutar. Sabem ouvir, mas alguns estão longe de saberem escutar.

Em minha trajetória, percebo que aprender a ter boa oratória é muito mais fácil que aprender a escutar. Porém, existe uma saída, pois aos poucos esse jogo está mudando. Para algumas organizações a empatia na liderança é uma habilidade valorizada.

Fala-se cada vez mais de uma liderança humanizada. Isso significa uma liderança que gosta e cuida de gente. E o que seria da empatia sem a escuta? Se não soubermos escutar, não poderemos compreender o que a outra pessoa está experienciando.

Escutar é difícil. Por si só, a escuta já é um problema. Para o filósofo chileno Rafael Echeverría, escutar é igual a “ouvir + interpretar”. A nossa capacidade de processar, interpretar e julgar a informação é nossa principal aliada e ao mesmo tempo nossa principal inimiga na escuta. Ao escutarmos, podemos acessar o mundo do outro. Por isso, a escuta é tão poderosa.

E ao escutarmos, interpretando o mundo do outro, podemos nos afastar do nosso. Nossa interpretação pode ser o oposto do que o outro tem a nos dizer. Contudo, se escutarmos bem, corremos o risco de aprender e de nos transformar pela fala do outro.

Quando escutamos verdadeiramente, mudamos. Não é possível sair da mesma forma que entramos em uma conversa, se nossa escuta for genuína. O que o outro fala, me impacta de diversas maneiras. Como o outro fala pode me levar a diversos lugares, dependendo da minha forma de ver o mundo.

Se conseguirmos suspender, por alguns minutos, nossa forma de ver o mundo para colocar a lente do outro, uma conversa se torna um portal aberto para novas possibilidades de ver, de ser e de fazer. Se somos capazes de escutar e perceber esse lugar de onde o outro fala, não tem erro. Sairemos transformados.

É por isso que nossa escuta é tão importante. Nos aproxima de qualquer pessoa, por mais diferente que esta pessoa seja de nós. Mas isso só é possível se tivermos interesse, se conseguirmos desapegar e estivermos suficientemente curiosos para conhecer até aquilo que achamos que já sabemos.

Esse é meu convite para você: escute de verdade. Seu mundo nunca mais será o mesmo.

 

Roberta Perdomo é especialista em Gestão Estratégica de Pessoas e autora do livro “Eu não nasci para liderar




O inesperado e o sem precedentes

 

 

 

Na segunda-feira, 1º de abril, supostos aviões militares de Israel bombardearam o consulado iraniano em Damasco, na Síria. Nesse ataque, o comandante da Guarda Revolucionária do Irã, Mohammad Reza Zahedi, e outras seis pessoas faleceram. A Guarda Revolucionária do Irã, também conhecida como Força Quds, é uma organização militar fundada em 1979, logo após a Revolução Iraniana, que resultou na queda do xá Mohammad Reza Pahlavi e no estabelecimento da República Islâmica do Irã, sob a liderança do aiatolá Ruhollah Khomeini.

Originalmente criada para proteger os ideais revolucionários do novo regime e defender o país contra ameaças internas e externas, a Guarda Revolucionária tornou-se uma das instituições mais poderosas e influentes do país persa. Operando independentemente das Forças Armadas regulares, é considerada uma força de elite que reporta diretamente ao Líder Supremo.

Além de suas operações dentro do Irã, a Guarda Revolucionária também desempenha um papel ativo em várias regiões do Oriente Médio, particularmente no apoio a grupos e movimentos aliados ao Irã, como o Hezbollah no Líbano e várias milícias xiitas no Iraque, na Síria e no Iêmen. A unidade mais conhecida da Guarda Revolucionária neste contexto é a Força Quds, responsável pelas operações extraterritoriais e pelo apoio a grupos aliados além das fronteiras do Irã.

Logo após o ataque de 1º de abril, o presidente iraniano, Ebrahim Raisi, declarou que Israel teria violado o Direito Internacional “ao cometer o crime terrorista de atacar o edifício diplomático”. O aiatolá Ali Khamenei, líder supremo do Irã, afirmou que Israel não apenas deveria, mas seria punido. Foi nesse contexto que, entre o sábado, 13 de abril, e o domingo, 14 de abril, ocorreu um ataque sem precedentes no Oriente Médio: cerca de 300 drones e mísseis iranianos foram disparados em direção a Israel.

O ataque foi seguido por uma resposta já esperada: aliados de Israel, como Estados Unidos, Reino Unido e França, se mobilizaram para deter e interceptar os projéteis iranianos. O inesperado, no entanto, veio logo a seguir: a ajuda de países árabes. A Jordânia, por exemplo, abriu seu espaço aéreo para aviões israelenses e estadunidenses, e os próprios jordanianos teriam abatido alguns dos drones iranianos. Esse fato pode ter soado como uma surpresa, pois, no passado, a Jordânia já atacou Israel. Mais do que isso, uma parte significativa da população jordaniana tem origem palestina.

O outro aspecto sem igual do ataque recente foi o apoio da Arábia Saudita a Israel, interceptando disparos provenientes do Iêmen. A ajuda saudita, no entanto, não era necessariamente um gesto de proteção ou aliança com Israel, mas, sim, uma ação contra Teerã. A Arábia Saudita e o Irã, principais potências do Golfo Pérsico, competem tanto pela liderança quanto pela influência na região. Ambas as nações estão envolvidas em uma série de conflitos regionais, apoiando atores opostos e buscando expandir sua rede de aliados. No Iêmen, outro foco de instabilidade no Oriente Médio atual, a Arábia Saudita lidera uma coalizão militar que combate os rebeldes Houthis, apoiados pelo Irã. Além disso, os dois países têm interesses conflitantes na Síria, no Líbano e em outras nações.

Entre 18 e 19 de abril, Israel atacou o Irã em resposta. Esses ataques teriam atingido aeroportos e instalações militares – próximos a locais onde é desenvolvido o programa nuclear iraniano. Anteriormente, o Irã havia dito que qualquer resposta israelense escalaria o conflito, com uma nova rodada de disparos vindos de Teerã. Agora, a questão é se isso de fato ocorrerá. Por maior que tenha sido o ataque iraniano em 13 de abril, parece ser mais uma demonstração de força. Os iranianos certamente sabiam que o sistema de defesa “Domo de Ferro” de Israel interceptaria boa parte dos projéteis. Com a recente resposta de Tel-Aviv, poderemos presenciar uma escalada jamais vista dos conflitos no Médio Oriente – pois as forças iranianas são exponencialmente maiores que as de Israel.

Enquanto aliados de Israel tentam moderar as ações de Tel-Aviv, as bolsas de valores ao redor do mundo despencaram e o dólar no Brasil alcançou seu maior valor em mais de um ano. É provável que, em breve, vejamos novos reflexos nos preços do petróleo e das commodities em geral. Esses efeitos, no entanto, não são nem inesperados nem sem precedentes.

João Alfredo Lopes Nyegray é doutor e mestre em Internacionalização e Estratégia. Especialista em Negócios Internacionais. Advogado, graduado em Relações Internacionais. Coordenador do curso de Comércio Exterior e do Observatório Global da Universidade Positivo (UP). Instagram: @janyegray

 




Quando resistir não é a solução

 

 

Carl Gustav Jung, psiquiatra suíço, fundador da psicologia analítica, nos lembra que tudo a que resistimos, persiste. Refletindo sobre esta sua famosa frase, consigo entender o quanto é importante encarar de frente as nossas dificuldades, os nossos anseios, pois só assim conseguimos despertar a consciência para um caminho de amadurecimento emocional.

Temos o hábito de nos cobrar sermos o tempo todo felizes, capazes, eficientes e muitas outras características que nos fazem acreditar que temos que ser perfeitos, que não podemos ou não devemos sentirmo-nos frustrados, ansiosos, tristes, decepcionados e quando algo acontece e percebemos estes sentimentos em nós que são considerados negativos, tendemos a resistir em entrar em contato com eles, pois os consideramos sinais de fraqueza e vulnerabilidade.

Sendo assim, ignoramos o que está se passando conosco internamente criando a ilusão de que com este comportamento estamos protegidos e assim nos sentiremos melhor. Certo? Não, errado…

Quanto mais fugimos dos nossos pensamentos, sentimentos e emoções, mais presos a eles ficamos, pois quando nos esforçamos para escondê-los de nós mesmos e dos outros, continuamos próximos deles, tentando empurrar para baixo o que está incomodando, construindo desta forma uma barreira que impede de nos enxergarmos por completo com todas as qualidades que nos pertencem, nos limitando a aceitar o nosso modo de ser e sentir.

Agindo assim, ficamos remando contra a maré, e a dor e o sofrimento velados, podem inclusive aparecer através de sintomas físicos como uma doença ou uma alteração orgânica até que possamos dar-lhes a devida atenção. É como quando temos uma ferida infeccionada e insistimos em cobri-la, o pus que está por baixo dela quer sair a todo custo, e enquanto não tiramos o curativo e deixamos o pus sair, a ferida fica ali latejando.

Segundo Jung, quanto mais resistimos aos nossos medos, ao que nos assusta, aos nossos sentimentos considerados por nós ruins, mais poder e domínio eles terão sobre nós; agiremos de maneira inconsciente repetindo padrões de comportamento sem nem sequer saber para que estamos agindo daquela maneira.

Portanto negar, resistir, fugir àquilo que nos incomoda, só agrava os estados de ansiedade, inquietação e nervosismo.

A tristeza, a ansiedade, os medos, as frustrações, as decepções, os conflitos, nos tornam humanos e aceitar que estes aspectos fazem parte de nós, pode colaborar para vivermos de maneira mais harmoniosa e gentil, contribuindo com o nosso equilíbrio e liberdade emocionais.

 

 

Por Renata Nascimento é psicólogaclínica de orientação junguiana




Casamento se faz com amor e reconquista

Com os anos de relacionamento, não é incomum que todo aquele encanto, a alegria, o prazer de estar com a pessoa amada enfraqueça, diminua, encolha e desbote. Em outras palavras, a conexão vai se perdendo. E, com ela, a intimidade.

Com a convivência, o desgaste, problemas que todo casal enfrenta, a conexão se reduz ou até desaparece. O grande desafio é mantê-la, é recolocá-la na rotina, é renová-la, reerguê-la. E mesmo fortalecê-la, caso não tenha se perdido. Porque nunca é demais estar cada vez mais ligado a quem se ama.

É preciso entender, antes de tudo, que as formas de se manter conectado a alguém mudam com o tempo. A afinidade inicial, que deu o clique lá atrás, quando vocês começaram o namoro, pode não ser mais a mesma.

Se, com o passar dos anos, você quer voltar ao que o(a) aproximava de seu amor, pode ser que reencontre exatamente aquela conexão inicial – mas pode ser também que ela tenha ficado no passado mesmo, para sempre.

Por isso é importante você conhecer seu(sua) parceiro(a), se interessar por ele/ela, procurar o que a(o) liga a ele/ela agora. Às vezes, como no filme Casal improvável, essa conexão pode estar nos momentos mais banais, mais triviais, mais simples da vida.

Portanto, ela começa de algo que vocês já têm. Não é preciso inventá-la. Claro que não é fácil manter compatibilidade em todas as áreas da vida ao mesmo tempo. As conexões são dinâmicas, como a vida. Por isso, em cada momento, é indispensável saber o que o outro deseja, o que ele/ela pensa, quais são suas demandas e carências.

É a partir daí que novas conexões se tornam possíveis. Isso não quer dizer que elas sejam fáceis. Aliás, é exatamente nos momentos mais difíceis que essa ligação é posta à prova. É fácil conectar-se quando tudo está bem.

Porém, quando seu(sua) companheiro(a) está passando por um mau momento ou quando ele/ela está errando com você, aí é muito trabalhoso manter ou gerar conexão. Ela é a forma como a outra pessoa se sente percebida e amada. Tudo parte daí.

É preciso ser um “operário do amor” e trabalhar muito para que a afinidade não se perca e sempre se renove. Porque, uma vez que diminui, a tendência é que, com o tempo, a distância entre o casal só aumente. A relação madura entre um homem e uma mulher é algo desafiador. É necessário ser criativo(a), interessado(a), paciente, sensato(a). E, principalmente, mobilizar toda a sua capacidade de amar.

Quando falamos em conexão, o objetivo é entender que essa reaproximação, essa reconquista da intimidade transmite ao(à) seu(sua) companheiro(a) a certeza de que ele/ela é amado(a), admirado(a). Isso propicia segurança. Uma pessoa se solta, se desinibe, se conecta somente num ambiente em que se sente segura. As relações afetiva e física dificilmente serão boas num ambiente de insegurança e de desconfiança.

O relacionamento amoroso é uma ótima forma de desenvolvimento pessoal. Observe quanta capacidade, quanta habilidade você precisa desenvolver para manter um namoro ou um casamento. Ou seja, a partir de um relacionamento saudável você se prepara para lidar com o trabalho, com as amizades, com os filhos, com os pais. É em casa que aprendemos a cuidar, a amar. A conexão gera harmonia e entendimento.

 

Déa Jório, fisioterapeuta especialista em Saúde da Mulher, e Jal Reis, terapeuta e educador sexual, casados há 10 anos e autores do livro “21 Hábitos para Apimentar o Relacionamento”.




O livro de Tobias: uma história edificante

 

No século III antes de Cristo um grande número de judeus moravam no Egito, em Alexandria. O nome desta cidade era uma homenagem ao famoso Alexandre (356-323 a. C.), criador de um grande Império que, a partir da Grécia, passando pelo Egito, chegava até a Índia. 

As suas conquistas levaram a ‘impor’ a língua grega. Por isso, muitos judeus que moravam em Alexandria já não falavam o hebraico, mas apenas o grego. Daí surgiu a iniciativa de traduzir toda a Bíblia do Antigo Testamento do hebraico para o grego. E, como, segundo uma tradição, os tradutores da Bíblia do hebraico para o grego teriam sido setenta, esse texto foi chamado a Bíblia dos Setenta (LXX). A tradução foi realizada aos poucos e, além disso, na Bíblia Grega estão sete composições novas, a saber: Tobias, Judite, os dois Livros dos Macabeus, Sabedoria, Eclesiástico e Baruc. São os chamados livros deuterocanônicos, quer dizer, reconhecidos como textos oficiais da Bíblia num segundo momento; e são aceitos pelas Igrejas Católica e Ortodoxa.

Como escreveu corretamente o biblista francês Pierre Benoit, no seu livro ‘Exegese et Theologie II’ (1961), inspirando a tradução grega da Bíblia, o Espírito Santo não repudiou a primeira etapa da Bíblia escrita em hebraico, mas a desenvolveu rumo ao universalismo cristão.

O livro de Tobias (Tb) é um deles e está dividido em catorze capítulos. O nome Tobias, abreviatura hebraica de ‘Tôbiyyâh’, significa ‘Deus é bom’.  Esse livro, no texto grego chamado de Tobit, foi escrito por volta de 200 anos Antes de Cristo, para os judeus que moravam fora da Palestina, especialmente em Alexandria. Apesar de ser ‘deuterocanônico’,  o livro era muito popular entre os judeus no tempo de Jesus e nos ajuda a conhecer a espiritualidade judaica da Diáspora, quer dizer, dos lugares daqueles judeus que moravam fora da Palestina.

Tobit, um exilado da tribo de Neftali, residente em Nínive, capital da Assíria, piedoso, observante, caridoso, fica cego. Seu parente, Ragüel, em Ecbátana, tem uma filha, Sara, que viu morrer sucessivamente sete noivos, mortos na noite do casamento pelo demônio Asmodeu. Tobit e Sarah, cada qual por seu lado, pedem a Deus que os livre desses infortúnios e, dessas duas preces, Deus faz uma grande alegria: envia seu anjo Rafael, que conduz Tobias, filho de Tobit, à casa de Ragüel, faz que ele se case com Sara e lhe dá o remédio que curará o cego.

É uma história edificante, na qual têm lugar notável os deveres para com os mortos e o conselho de dar esmola. O sentimento de família aí se exprime com emoção e encanto. Desenvolve uma noção muito elevada do matrimônio, quase uma antecipação do conceito cristão. 

O anjo Rafael, cujo nome significa ‘Deus cura’, manifesta e ao mesmo tempo esconde a ação de Deus, do qual é instrumento. É essa providência cotidiana, essa proximidade de um Deus benévolo, que o livro convida a reconhecer.

Nesse livro, percebe-se que os judeus, morando fora da Palestina num  meio pagão, como cidadãos cooperam com os governantes justos, mas defendem-se dos injustos e daqueles que não lhes dão a liberdade de seguir a Lei de Moisés.

O livro de Tobias contém belíssimas preces de louvor, de súplica e de ação de graças, comparáveis aos mais belos salmos, sobretudo a ação de graças do capítulo 13: “Bendito é Deus, que vive para sempre, e bendito é seu Reino! Ele castiga e tem compaixão, faz descer até o fundo do abismo e faz, pela sua majestade, voltar da perdição. Não há quem possa fugir da sua mão. Celebrai-o, filhos de Israel, diante das nações para o meio das quais ele os dispersou e aí mostrou sua majestade. Exaltai-o  diante de todos os viventes, pois ele é o nosso Senhor, ele é o nosso Pai, ele é o nosso Deus por todos os séculos”.

Lino  Rampazzo é doutor em Teologia, professor no curso de Teologia da Faculdade Canção Nova.




Crédito consignado e mais um golpe de milhões de reais

 

No mundo das fraudes financeiras, é sabido que os mais diversos métodos de operação são utilizados para o mesmo objetivo: atrair o maior número possível de vítimas e o máximo volume de dinheiro delas. Esse, inclusive, era o foco do grupo Live Promotora, que se apresentava como uma empresa de serviços de concessão de empréstimos para pessoas físicas. Estima-se que a empresa fraudulenta tenha enganado mais de mil vítimas e retido aproximadamente 22 milhões de reais.

O caso, contudo, tem caminhado na Justiça, onde muitas dessas vítimas tentam buscar seus valores investidos e a dignidade de volta. Dos suspeitos de liderarem a fraude, foram apreendidos até o momento cerca de R$ 200 mil.

Os serviços oferecidos pelo grupo consistiam em crédito consignado, portabilidade de crédito e consultoria financeira. Eles captavam as vítimas dizendo ser representantes de bancos que atuavam com empréstimos consignados, garantindo que, em caso de realização de empréstimo, reduziriam o valor das parcelas pagas pela pessoa física, de modo a proporcionar um lucro resultante da diferença entre o valor pago no empréstimo e o valor que receberiam com o retorno das financeiras.

Além do retorno financeiro previsto com essa redução, o grupo também prometia a aplicação do montante no mercado financeiro e a devolução acrescida de uma rentabilidade de 13,3%, o que cativava ainda mais as vítimas. Isso, contudo, jamais aconteceria.

Apesar do caso correr em segredo de justiça, o Instituto de Proteção e Gestão do Empreendedorismo e das Relações de Consumo (IPGE) demandou uma Ação Civil Pública que visa representar coletivamente as vítimas de mais esse golpe devastador.

O crime de pirâmide financeira cresce assustadoramente ano após ano no país. Cada vez mais, golpistas dão roupagens diferentes para tal prática, com a mesma finalidade: enganar as pessoas e tirar delas todo recurso possível. Cabe aos departamentos de polícia a investigação e à justiça a condução dessas ações, de modo a recuperar os valores perdidos por milhares e até mesmo milhões de vítimas, bem como punir exemplarmente quem comete esse tipo de golpe.

Jorge Calazans é advogado especialista na área criminal, conselheiro estadual da Anacrim e sócio do escritório Calazans & Vieira Dias Advogados, com atuação na defesa de vítimas de fraudes financeiras

 

 




Homicídio decorrente de Bullying: “os garotos do chicote” e a morte numa escola de Praia Grande-SP

 

A prática da intimidação sistemática, também chamada de bullying, ocorre na maioria dos estabelecimentos de ensino no mundo e, infelizmente, no Brasil não é diferente. No último dia 16, mais uma vítima deste ato de terror teve sua vida privada precocemente, e os culpados não são apenas os agressores que fisicamente o feriram.

Jovem de 13 anos e autista, C.T. vinha sofrendo atos reiterados de violência gratuita dentro da Escola Estadual (E.E.) “Júlio Pardo Couto”, onde estudava, em Praia Grande-SP, sem que tivesse condições de defesa, segundo relatos de seus familiares. Inclusive, em 21 de março deste ano, o rapaz teria voltado para casa com o nariz sangrando, em decorrência de tais agressões no ambiente escolar.

Ao tomar ciência que o jovem vinha sofrendo bullying, seus pais procuraram o estabelecimento de ensino, para que o mesmo tomasse providências a respeito. Contudo, aparentemente, nada foi feito, uma vez que o estudante continuou sendo agredido, até chegar ao fatídico dia em que os “colegas” pularam sobre suas costas, no “banheiro da morte” – atribuição dada ao local pelos próprios agressores.

O adolescente morreu após sofrer três paradas cardiorrespiratórias, no mesmo dia, enquanto estava internado na Santa Casa de Santos-SP. Claramente, estamos falando de um homicídio decorrente de bullying, uma vez que houve ofensa física e psicológica, dentro de um estabelecimento educacional, de maneira habitual, e oriundo de um indivíduo ou de um grupo de pessoas que, sem motivo aparente, agrediram (neste caso, até a morte) alguém que não conseguia se defender.

Criminalmente, os agressores diretos de C.T. poderão ser enquadrados por ato infracional análogo ao homicídio, caso tenham mais de 12 anos, podendo ficar presos por três anos. No Brasil, o menor de 12 anos não pode responder nem mesmo por ato infracional nos moldes do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Apenas o maior de 18 anos, efetivamente, responde por crime.

Já em relação à responsabilidade civil, os pais dos menores acusados de espancar Teixera poderão, de fato, ter de indenizar a família da vítima, assim como há indiscutível responsabilidade do Governo de São Paulo, também, neste caso, tendo em vista que a escola é de gestão estadual.

Neste diapasão, a instituição de ensino bandeirante responde pelos danos causados ao aluno morto, pois tinha sido informada, por um sem-número de vezes, sobre os atos de bullying que ocorriam em suas dependências, especialmente contra a vítima em questão. Mesmo assim, não teria atuado com os devidos cuidados para evitar a tragédia anunciada.

Sendo assim, demonstra-se, aqui, grave negligência por parte dos funcionários da escola, até porque é obrigação do ambiente educacional contar com programas de combate ao bullying. É inadmissível a instituição de ensino de Praia Grande, onde C.T. foi brutalmente agredido, não ter conhecimento de que o bullying é combatido no Brasil pelo ECA, via a lei de bullying (13.185/15), que caracteriza e explica a intimidação sistemática, e pela lei 14.811/24, que implica o bullying como crime, independentemente da consequência.

Por fim, nota-se que a vítima foi, por diversas vezes, até a Unidade de Pronto-Atendimento (UPA), procurar por ajuda, após o espancamento. A priori, aparenta o equipamento também ter sido negligente no acolhimento, conforme amplamente noticiado por veículos de Comunicação, nos últimos dias. Caso isso se confirme, deve somar-se aos responsáveis pelo óbito do jovem o governo federal, que administra a UPA.

Conclui-se, portanto, que a vida de C.T. poderia facilmente ter sido salva, se um dos elos dessa história lamentável e com desfecho fatal tivesse sido quebrado. Porém, erros consecutivos dos agressores, da escola estadual de Praia Grande e do atendimento médico demonstraram ainda mais a fragilidade do ser, quando não há a mínima importância e o respeito com o próximo.

 

Felipe Martarelli é advogado, doutor em Direito Constitucional, mestre em Direitos Humanos, especialista em Processo Civil, autor de “Bullying – A Responsabilidade do Estabelecimento de Ensino”, e professor universitário.