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Reestruturação ou centralização? A nova PEC e o futuro da segurança no Brasil

 

Raquel Gallinati

Raphael Zanon da Silva

 

A recente Proposta de Emenda Constitucional (PEC) da Segurança Pública trouxe à tona discussões sobre a necessidade de fortalecer a estrutura de segurança do país. A proposta, que rebatiza a Polícia Rodoviária Federal como Polícia Ostensiva Federal e amplia as atribuições da Polícia Federal, visa enfrentar o crime organizado e proteger áreas de relevância nacional.

Contudo, ao mesmo tempo em que busca enfrentar a criminalidade, a PEC levanta questões cruciais sobre a centralização de funções de segurança no Ministério da Justiça.

Tais mudanças não estão livres de controvérsias. O sistema de segurança pública brasileiro já é amplamente regulado pela Constituição e por legislações infraconstitucionais que definem as atribuições das forças de segurança estaduais e federais. A introdução de uma emenda constitucional sem um embasamento técnico robusto e sem consulta pública ampla pode, ao invés de resolver, criar novos desafios.

Alterar o sistema de segurança de modo tão abrangente e sem estudos técnicos aprofundados, pode desconsiderar as causas estruturais da violência, resultando em soluções superficiais que não atacam os problemas centrais. Ao invés de introduzir mudanças que possam desestabilizar o equilíbrio das forças de segurança, o caminho responsável seria fortalecer as leis já existentes e focar em estratégias de combate à criminalidade que sejam bem fundamentadas.

A PEC propõe a criação de uma nova corporação federal de policiamento ostensivo, que operaria em rodovias, ferrovias e hidrovias, além de ampliar o escopo da Polícia Federal para incluir investigações de crimes ambientais e milícias privadas. Tais mudanças refletem uma tentativa do governo de adaptar as forças federais aos desafios impostos pelo crime organizado, cujas operações e redes de influência transcendem os limites estaduais e exigem uma resposta integrada.

Entretanto, ao centralizar essas atribuições no Ministério da Justiça, o governo pode sobrecarregar as forças federais e subestimar o papel vital das Polícias Civis estaduais, responsáveis pela atuação de Polícia Judiciária e pela investigação de crimes em nível local.

A estrutura das Polícias Civis é um fator crucial para a segurança pública, mas enfrenta há anos um déficit de investimentos e de efetivo. Apesar do avanço com o advento da nova Lei Orgânica Nacional das Polícias Civis, o crescimento populacional e o aumento das taxas de criminalidade geraram uma demanda maior do que as Polícias Civis conseguem atender.

A PEC, ao focar nos órgãos federais, deixa de lado essa necessidade urgente de fortalecimento das forças estaduais, essenciais para conter o avanço do crime ainda em suas raízes. Polícias Civis mais estruturadas, com maior efetivo e remuneração adequada, são uma solução que demonstraria eficácia na prevenção de atividades criminosas que muitas vezes acabam por alimentar as organizações de maior escala.

Sem o fortalecimento das forças estaduais, bem como da elevação das Guardas Civis Metropolitanas no nível de Polícia Municipal, a segurança pública continuará comprometida, mesmo com uma atuação mais ampla da Polícia Federal.

Além disso, o Brasil precisa de políticas de segurança que reflitam as necessidades reais da população e considerem as peculiaridades regionais. Um sistema de segurança eficiente deve levar em conta as diferentes realidades locais e, por isso, soluções centralizadas e distantes da realidade tendem a ser limitadas em um país de proporções continentais e com desigualdades profundas. As particularidades locais precisam ser respeitadas, e as estratégias de segurança pública devem ser sensíveis a essas diferenças, para evitar respostas aleatórias que desconsideram a complexidade do cenário brasileiro.

Ademais, para além de reformas constitucionais, a segurança pública requer um compromisso a longo prazo com políticas que ataquem as causas sociais da criminalidade. Não se pode resolver o problema da violência e da criminalidade com mudanças pontuais ou meras reformas legais. É necessário, também, um investimento sólido e sustentável em educação, suporte familiar e políticas de desenvolvimento social. Este é um dos pontos centrais de críticas à PEC: uma política de segurança que realmente enfrente a criminalidade de forma duradoura deve considerar o impacto de políticas públicas que transcendam a repressão imediata e alcancem as raízes do problema, como o acesso a oportunidades e condições dignas de vida para toda a população.

A PEC da Segurança Pública representa, de fato, uma tentativa de reformular a atuação federal, mas deixa em aberto questões essenciais sobre a sustentabilidade dessas medidas sem um suporte robusto das forças estaduais e sem um investimento social consistente e eficaz. O combate ao crime organizado exige, além de um aparato federal estruturado, uma abordagem integrada que vá além das fronteiras das instituições policiais e abranja as causas sociais que alimentam o ciclo da criminalidade.

Portanto, a segurança pública no Brasil precisa ser vista pelo governante como um compromisso de longo prazo, no qual o fortalecimento das forças estaduais, o investimento em educação e o apoio social caminhem lado a lado com as medidas repressivas de combate ao crime.

 

Raphael Zanon da Silva é delegado de polícia do Estado de São Paulo e professor; Raquel Gallinati é secretária de Segurança Pública de Santos e diretora da Associação dos Delegados de Polícia do Brasil

 

 

 




O combate à indústria paralela de atestados médicos

A partir do próximo dia 5 de novembro, a indústria ilegal de atestados médicos deverá sofrer um impacto significativo. Nessa data, o Conselho Federal de Medicina (CFM) lançará sua nova plataforma digital, Atesta CFM, criada para centralizar, emitir e validar esse tipo de documento. Até então, a internet servia como um campo fértil e lucrativo para a proliferação de inúmeras falsificações.

A partir de 5 de março de 2025, o sistema passará a ser o caminho obrigatório em todo o Brasil. A plataforma integrará a emissão de atestados médicos com certificação digital, garantindo autenticidade e proteção contra fraudes.

De fato, a iniciativa do CFM vinha sendo estudada há tempos e se mostra fundamental. Hoje, basta caminhar pelo centro de São Paulo ou de outras capitais para encontrar representantes dessa indústria ilegal de venda de atestados. Na internet, em poucos cliques, é possível encontrar anúncios oferecendo atestados médicos falsos, disponíveis em minutos. Nada é feito em segredo: alguns desses anunciantes oferecem até um “cardápio” de opções fraudulentas, incluindo atestados, laudos médicos e receitas.

Para que o novo sistema de atestados do CFM realmente impacte o mercado criminoso, é essencial ampliar a vigilância e reforçar sanções contra quem utiliza esses documentos falsificados. As autoridades policiais precisam investir mais no combate a esse tipo de delito, que envolve consequências criminais como falsidade ideológica, falsificação de documento e uso de documento falso. Além disso, o trabalhador que apresenta um atestado falso para justificar faltas no trabalho pode ser demitido por justa causa, além de responder criminalmente.

Muitos desses operadores do mercado ilegal aceitam pagamento via PIX, o que deixa rastros que poderiam facilitar o rastreamento dos fraudadores, caso houvesse um esforço policial direcionado.

O sistema desenvolvido pelo CFM representa um passo importante no enfrentamento dessa indústria ilegal. Com tecnologia e maior controle na emissão de atestados, é possível frear essa verdadeira indústria de fraudes, que afeta a credibilidade médica, prejudica o ambiente profissional e onera a previdência social.

 

Claudia de Lucca Mano é advogada e consultora empresarial atuando desde 1999 na área de vigilância sanitária e assuntos regulatórios, fundadora da banca DLM e responsável pelo jurídico da associação Farmacann

 




Apelo aos eleitos de 2024: descubram o potencial do Turismo, da Hospedagem e da Alimentação Fora do Lar

 

O setor de Turismo, Hospedagem e Alimentação Fora do Lar no Brasil é um gigante adormecido à espera de ser despertado. No estado de São Paulo, com mais de 500 mil estabelecimentos que geram quase 1 milhão de empregos, este setor é o motor econômico vital que impulsiona o desenvolvimento regional e nacional. No entanto, também é uma seara que enfrenta desafios significativos, que precisam ser abordados com urgência, a fim de liberar todo o seu potencial.

Empresas do segmento em tela proporcionam oportunidades de emprego para brasileiros com uma ampla gama de habilidades e experiências, desde posições de entrada até cargos de gestão. A capacidade de gerar postos de trabalho e renda não pode ser subestimada, especialmente em tempos de recuperação econômica, quando a criação de oportunidades é crucial para a estabilidade social.

Apesar do enorme potencial para revitalizar áreas decadentes e criar novos polos de desenvolvimento, o setor enfrenta desafios: elevado endividamento, falta de mão de obra qualificada, burocracia regulatória excessiva e alta carga tributária sobre a folha de pagamento. Estamos falando de fatores que desestimulam novos investimentos e sufocam a inovação e o crescimento.

A Covid-19 também deixou cicatrizes profundas no segmento. Muitas empresas do meio ainda tentam se recuperar do impacto negativo das restrições sanitárias inerentes à pandemia da Covid-19, o que evidencia a necessidade de políticas públicas robustas e eficazes quanto ao assunto.

É crucial que os líderes eleitos nas eleições municipais de 2024, desta forma, estejam preparados para enfrentar esses obstáculos de frente. Neste contexto, a corrida às urnas, que chegou ao fim, oficialmente, no domingo (27/10), com o segundo turno, se apresenta como uma oportunidade de ouro. É imperativo, afinal, que os escolhidos pela população, no processo democrático, estejam comprometidos com o desenvolvimento e o apoio a essa seara da Economia.

Precisamos de líderes visionários que reconheçam a importância estratégica do Turismo, da Hospedagem e da Alimentação Fora do Lar para o crescimento econômico sustentável. Igualmente, que estejam dispostos a implementar políticas públicas que facilitem o ambiente dos negócios, melhorem a Segurança Pública e ofereçam incentivos adequados. E, não menos importante: que os governantes que cumprirão o mandato 2025/2028 possam transformar o setor, com impulso não apenas à economia local, mas, também, na melhoria da qualidade de vida de milhões de brasileiros.

O apoio governamental adequado pode liberar o potencial inexplorado das empresas deste segmento e, assim, gerar um efeito dominó de prosperidade em toda a sociedade. Turismo, Hospedagem e Alimentação, vale destacar, são mais do que pilares econômicos – o setor é oportunidade para um futuro melhor.

Somente com um compromisso firme, poderemos garantir um crescimento robusto e sustentável para o estado de São Paulo, indiscutivelmente pujante e com vocações diversas, bem como para o Brasil. Este é o momento de agir, de olhar para a frente com esperança e determinação, e de construir um Brasil mais próspero e inclusivo para todos.

 

Edson Pinto é diretor-executivo da Federação de Hotéis, Bares e Restaurantes do Estado de São Paulo (Fhoresp); presidente do Sindicato de Hotéis, Bares e Restaurantes de Osasco, Alphaville e Região (SinHoRes); mestre em Direito, pela Pontifícia Universidade Católica (PUC); e autor do livro “Lavagem de Capitais e Paraísos Fiscais” (Editora Atlas).

 




a letalidade policial: “bandido bom é bandido morto”?

Um estudo recente do Instituto Sou da Paz, baseado em dados oficiais da Secretaria da Segurança Pública de São Paulo, revela um aumento alarmante na letalidade policial, impactando desproporcionalmente a população negra. De acordo com o levantamento, entre janeiro e agosto de 2024, houve um aumento de 83% nas mortes de pessoas negras em ações policiais, em comparação ao mesmo período do ano anterior. Em contraste, o aumento para pessoas brancas foi de 59%, substancialmente menor. Entre as 441 mortes causadas por agentes de segurança em serviço nesse período — um aumento de 78% em relação ao ano anterior — 64% das vítimas eram negras (283 pessoas); 31% eram brancas (138 pessoas); e 5% não tiveram a raça/cor identificada (20 pessoas).

As áreas mais impactadas foram a capital São Paulo e a região da Baixada Santista. Na capital, o número de mortes aumentou de 76 para 118, enquanto na Baixada Santista (que inclui 22 cidades) o aumento foi de 54 para 109 mortes.

O aumento dramático na letalidade policial, especialmente entre a população negra, levanta questões cruciais sobre a possível influência de ideologias extremistas nas práticas de segurança pública. Esse cenário exige uma reflexão profunda sobre como discursos de ódio e narrativas discriminatórias podem se traduzir em políticas e ações que afetam desproporcionalmente grupos marginalizados.

Instada a se manifestar, a Secretaria da Segurança Pública afirmou que as abordagens policiais seguem parâmetros técnicos e legais, com os agentes recebendo treinamento em direitos humanos e ações antirracistas. Além disso, a secretaria apontou que todos os casos são rigorosamente investigados.

Contudo, a realidade parece distante das declarações da Secretaria. A população carcerária brasileira reflete esse abismo: mais de 60% dos presos são negros ou pardos, evidenciando uma histórica tendência de maior abordagem e repressão policial sobre essa parcela da população.

A sociedade brasileira enfrenta o desafio de não apenas confrontar essas estatísticas alarmantes, mas também abordar as raízes ideológicas que podem estar alimentando essas tendências. Um debate amplo e inclusivo sobre segurança pública, direitos humanos e igualdade racial é essencial para reverter essa perigosa trajetória. O discurso de “bandido bom é bandido morto” não pode prosperar em um país como o Brasil, e é imperativo que discursos de ódio não vençam.

 

Marcelo Aith é advogado criminalista. Doutorando Estado de Derecho y Gobernanza Global pela Universidad de Salamanca – ESP. Mestre em Direito Penal pela PUC-SP. Latin Legum Magister (LL.M) em Direito Penal Econômico pelo Instituto Brasileiro de Ensino e Pesquisa – IDP. Especialista em Blanqueo de Capitales pela Universidad de Salamanca

 

 




Mulheres no mercado de trabalho: a legalidade de uma política de contratação exclusiva para mulheres

Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) apontam que, em 2023, o número de mulheres ocupadas no mercado de trabalho alcançou um recorde histórico, totalizando 43.380.636, superando os 42.675.531 registrados no ano anterior. Não é à toa que a diversidade e inclusão no ambiente laboral tornou-se um tema bastante relevante no país nos últimos anos, especialmente no que diz respeito à equidade salarial entre homens e mulheres e ao acesso a cargos de alta gestão. 

Como resposta, várias empresas têm adotado políticas para promover a igualdade de gênero e aumentar a participação das mulheres em diversos setores, entre elas a contratação exclusiva de mulheres. Porém, essa prática levanta questões sobre a sua legalidade.

        De acordo com a legislação brasileira, a contratação exclusiva de mulheres é  permitida desde que vise reduzir a desigualdade de gênero no mercado de trabalho e estimule a maior participação feminina. Essa ação, quando justificada de maneira razoável e destinada a promover a igualdade real, não é considerada discriminatória. Pelo contrário.  A Lei nº 14.611/2023 reforça essa posição ao garantir a igualdade entre os gêneros, estabelecida pelo artigo 5º da Constituição Federal, e ao prever instrumentos de transparência e averiguação interna para identificar e corrigir desequilíbrios salariais e critérios de remuneração.

Podemos citar como exemplo o setor de tecnologia, por muitos anos um ambiente predominantemente masculino, em que grandes empresas e startups têm criado vagas exclusivamente para mulheres, buscando reduzir a desigualdade e incentivar a presença feminina neste campo. Neste caso, a prática tem amparo da lei. 

Entretanto, se a contratação exclusiva de mulheres for utilizada para promover estigmas de gênero, como a imposição de padrões de beleza para determinadas vagas, pode ser considerada discriminatória. 

Não é só com o índice de  participação das mulheres no mercado de trabalho que as empresas devem se preocupar. Outro tema bastante relevante e que merece atenção é a equidade salarial. Ainda há um longo caminho a percorrer neste tópico. A edição de 2022 do estudo “Estatísticas de Gênero: Indicadores Sociais das Mulheres no Brasil”, elaborada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostra que essa evolução ainda está nos estágios iniciais. Contudo, espera-se que a edição de 2025 já reflita os impactos positivos das medidas legais implementadas a partir de 2023.

A implementação de programas de diversidade, ações afirmativas e parcerias estratégicas são passos fundamentais para alcançar maior  equidade  feminina no mercado de trabalho. Além de atender às exigências legais, essas iniciativas trazem benefícios tanto para a sociedade quanto para o sucesso das empresas.

Byanca de Farias é advogada trabalhista no Escritório Marcos Martins Advogados 




Ignição e incerteza

Há um ano, em 7 de outubro de 2023, o ataque coordenado pelo Hamas a Israel, a partir da Faixa de Gaza, marcou o início de um novo ciclo de violência no Oriente Médio. Com uma resposta israelense considerada desproporcional pela comunidade internacional, especialmente devido aos alarmantes números de civis palestinos mortos, incluindo mulheres e crianças, somada às condições de pobreza extrema e isolamento na Faixa de Gaza, criou-se uma narrativa que atraiu a solidariedade de outros grupos na região, como os Houthi, no Iêmen, e o Hezbollah, no Líbano.

Com o envolvimento de múltiplos atores, o conflito entre Israel e o Hamas rapidamente se expandiu. As ações israelenses, incluindo o suposto uso de explosivos em pagers interceptados do Hezbollah e o assassinato do líder do grupo, Hassan Nasrallah, ocorrido há duas semanas, colocaram o Líbano diretamente no campo de batalha. A retaliação com mísseis balísticos pelo Irã na semana passada, em resposta à morte de líderes como Ismail Haniyeh, intensifica ainda mais a situação.

Nunca antes a situação no Oriente Médio esteve tão volátil. Com a morte de figuras centrais de grupos como o Hezbollah e o Hamas, aliados regionais desses movimentos sentem a necessidade de agir em solidariedade, temendo que a crescente agressividade de Israel e seu apoio ocidental possam comprometer suas próprias estruturas de poder.

O ataque inédito do Irã a Israel, com o lançamento de 180 mísseis balísticos, representa uma escalada perigosa com o potencial de envolver não apenas potências regionais, mas globais. O Irã, já sob forte pressão econômica e política devido às sanções impostas pelos Estados Unidos e seus aliados, pode estar calculando suas ações como uma tentativa de fortalecer sua posição no Oriente Médio, buscando evitar que sua influência sobre grupos como o Hezbollah e o Hamas seja enfraquecida.

Este cenário evidencia um realinhamento das alianças globais, com consequências diretas para a estabilidade do sistema internacional. A guerra na Ucrânia e o conflito no Oriente Médio são dois pontos de ignição que ilustram a fragmentação do poder global. Não se trata mais apenas de uma competição entre grandes potências; há uma rede complexa de atores menores que, com o apoio indireto de grandes nações, podem desencadear conflitos regionais com repercussões globais.

Os Estados Unidos e seus aliados da OTAN encontram-se divididos entre continuar o apoio militar e financeiro à Ucrânia e lidar com a crescente ameaça no Oriente Médio, que agora envolve um conflito direto com o Irã. Esse dilema estratégico coloca o Ocidente em uma posição delicada, especialmente considerando que a China, embora mantenha uma posição relativamente neutra em ambos os conflitos, busca consolidar sua influência global, aproveitando-se das fraquezas e distrações do Ocidente.

A escalada contínua de violência pode resultar em um novo tipo de Guerra Fria, envolvendo não apenas superpotências, mas também uma rede descentralizada de atores estatais e não estatais, todos competindo por espaço e influência em um sistema internacional cada vez mais fragmentado.

Este cenário exige uma abordagem diplomática renovada, mas também expõe as limitações de instituições internacionais, como a ONU e o Conselho de Segurança, que não têm conseguido conter a intensificação dos conflitos. Com o Oriente Médio à beira de um confronto regional maior e a Ucrânia ainda lutando por sua sobrevivência, o futuro próximo parece sombrio e cheio de incertezas.

O Oriente Médio é uma região já marcada por conflitos sectários, rivalidades geopolíticas e disputas por recursos naturais. A eclosão de uma guerra generalizada poderia rapidamente se expandir além das fronteiras dos países diretamente envolvidos, arrastando potências regionais como Irã, Arábia Saudita, Turquia e Israel, além de atores não estatais como o Hezbollah, o Hamas, os Houthi no Iêmen e milícias apoiadas pelo Irã no Iraque e na Síria.

Um estudo publicado por Mearsheimer & Walt sobre alianças regionais destaca que a complexa teia de alianças no Oriente Médio — com o Irã apoiando grupos como o Hezbollah e o Hamas, enquanto Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos apoiam facções sunitas em países como o Iêmen e Síria — pode transformar rapidamente conflitos localizados em confrontos mais amplos e incontroláveis.

O Oriente Médio é o centro da produção global de petróleo e gás natural, e uma guerra generalizada teria impactos imediatos sobre o mercado de energia. O estreito de Ormuz, por onde passa cerca de 20% do petróleo mundial, poderia ser bloqueado ou se tornar um campo de batalha.

O Oriente Médio já enfrenta algumas das maiores crises de refugiados do mundo, especialmente devido aos conflitos na Síria, Iraque e Iêmen. Uma guerra generalizada exacerbaria significativamente esses fluxos migratórios, criando milhões de novos deslocados internos e refugiados. Estudos conduzidos por Crawford et al. (2020) mostram que conflitos prolongados na região forçam populações civis a buscar refúgio em países vizinhos, sobrecarregando as economias locais e os sistemas de assistência humanitária.

Um efeito significativo de uma guerra generalizada no Oriente Médio seria o fortalecimento de grupos extremistas e a disseminação de ideologias radicais. Conflitos prolongados, especialmente aqueles envolvendo intervenções estrangeiras e bombardeios, criam um terreno fértil para a radicalização de jovens. Gerges (2016) analisa o crescimento do jihadismo no contexto do colapso de Estados no Oriente Médio, destacando como esses cenários alimentam movimentos radicais. Nas constantes ignições daquela região, a incerteza é a única constante.

João Alfredo Lopes Nyegray é doutor e mestre em Internacionalização e Estratégia. Especialista em Negócios Internacionais. Advogado, graduado em Relações Internacionais. Coordenador do curso de Comércio Exterior e do Observatório Global da Universidade Positivo (UP). Instagram: @janyegray




Peregrinos da Esperança em caminhada com a mãe Aparecida

 

Já ouviu a expressão: “Coração de mãe, sempre cabe mais um?” Este dizer se aplica perfeitamente quando falamos da cidade de Aparecida, no Vale do Paraíba Paulista, com seu imponente santuário, o maior do mundo, dedicado à Rainha e Padroeira do Brasil. A pequena imagem, que atrai milhares de peregrinos, nos recorda a humilde serva, que se tornou Mãe do Redentor, aberta ao plano salvífico de Deus.

Ao longo da história, Deus fez e continua fazendo questão de se comunicar com a humanidade. Nossa Senhora, como via segura de um caminho que leva ao Pai, é também essa via segura de comunicação e atualização. As águas do Rio Paraíba do Sul foram como um canal da graça e permitiu que tantos corações fossem tocados por essa belíssima devoção mariana da Igreja.

Maria, o primeiro Sacrário Eucarístico. Por ela, recebemos o pão do céu. Seguramente, não caminhamos sozinhos, por duas razões: o acolhimento da graça de Deus e o generoso amor de uma mãe que não desampara seus filhos. Esse tempo de festa em honra à Padroeira do Brasil é um convite para um itinerário devocional de fé e virtudes. Somente por isso, o sentimento de pertença em contarmos com a Senhora Aparecida é suficiente para preencher-nos com o anúncio querigmático que se atualiza para quem abre o coração.

Padre Jonas Abib enxergou, como um bom salesiano, que tudo ela estava fazendo. O fundador da Canção Nova – obra que temos a graça de poder colaborar, sobretudo pela comunicação -, nos inspira a caminhar com Nossa Senhora. Ela, como protetora, não se deixa vencer em generosidade.

A Senhora Aparecida é uma devoção nossa, do Brasil. Especificamente no Vale do Paraíba,  este é o período de maior movimentação de romeiros rumo ao Santuário Nacional. De perto ou de longe, os devotos pedem, agradecem e são acolhidos como peregrinos da esperança, em sintonia com a proposta do Ano Jubilar, proclamado pelo Papa Francisco para 2025.

A graça desta celebração é como uma música, cujas melodias são históricas. Das 1550 basílicas menores existentes em todo o mundo, 60 estão no Brasil. A mais antiga é a dedicada a Nossa Senhora Aparecida, cuja honraria – a mais alta concedida a um templo fora de Roma – foi concedida há 116 anos pelo Papa Pio X, hoje Santo da Igreja, e que intercede do céu, ao lado da Padroeira, por cada brasileiro.

A Basílica de Aparecida é a casa onde muitos milagres, pela graça de Deus, são testemunhados. São gerações que por Maria buscam o Senhor, enquanto Ele se deixa encontrar. Como em um repicar de sinos, chega o anúncio esperançoso do tempo que se aproxima. Na Sala das Promessas, por exemplo, descobri há algum tempo, que são recebidos cerca de 20 mil ‘ex-votos’ por mês. Esta é uma expressão do Latim que se refere aos objetos deixados pelos devotos naquele espaço.

São os sinais visíveis da ação de Deus pela intercessão da “Mãe do Céu Morena”. Fotos, objetos de cera, cartas e outros dos mais variados segmentos, como instrumentos musicais e até mesmo troféus e medalhas. E, cada vez que visito esse ambiente, percebo que os corações alcançados por Maria compreenderam que, por expressarem a gratidão desta forma, não perderam de vista a meta cristã: o prêmio eterno de estarem no céu.

Seja em Aparecida ou na sua paróquia, no dia 12 de outubro procure vivenciar a missa colocando no altar do Senhor sua prece. Poderíamos discorrer a respeito dessa história por vários ângulos. Contudo, a mensagem principal que deve ecoar nos corações é que, por Nossa Senhora, buscamos a dignidade e a simplicidade. Duas palavras que se complementam na história de Aparecida.
Viva a Mãe de Deus e nossa!

Emerson Tersigni é repórter do telejornal Canção Nova Notícias




Por mais espaço para as mulheres na política e nas estruturas de poder

Nos dias de hoje, a representatividade feminina na Política brasileira é de pouco mais de 15%. Se fizermos um recorte das candidaturas negras, o percentual é ainda menor: 3%. Considerando que existem 5.568 municípios no Brasil, e levando em conta o número de mulheres eleitas no último pleito, significa que 900 cidades não têm nenhuma vereadora; 1,8 mil contam com apenas uma representante feminina no Poder Legislativo; e em outros 2.868 municípios há mais de uma mulher exercendo a Vereança. E mais: apenas uma em cada dez Câmaras Municipais em todo o País têm assento feminino em 30%.

Neste contexto, infelizmente, o Brasil é uma das nações campeãs em baixa representatividade feminina nas estruturas de poder.

A primeira medida afirmativa implementada pela Justiça Eleitoral no sentido de alterar este cenário foi a criação de cotas, por meio da lei 9.100/1995, que assegurou 20% das vagas de cada partido, ou de uma coligação para candidaturas femininas. Depois, com a aprovação da legislação 9.504/1997, este percentual foi elevado para o mínimo de 30%.

Ainda assim, a assimetria de gênero é gritante no processo eleitoral. Este quadro é agravado pela falta de percentual mínimo na distribuição de vagas – com proporção obrigatória para mulheres eleitas – e, também, pela ausência de divisão mais justa das verbas partidárias de forma igualitária.

Embora tenhamos no Brasil legislação eleitoral vigente, cabe destacar a necessária fiscalização, com a aplicação das sanções já regulamentadas, no intuito de combater o descumprimento das normas e levar proteção às candidaturas femininas. Isso porque, partidos políticos, a todo tempo, tendem a burlar a distribuição de recursos eleitorais, o que, muitas vezes, acentua a desigualdade na corrida ao pleito eleitoral para candidaturas femininas.

Infelizmente, o sistema eleitoral brasileiro tem várias “brechas” para contornar a lei de cotas. Vejamos: o processo de tomada de decisões é organizado pelos partidos – entidades que deveriam promover o trabalho político de forma transparente e igualitária. Mas as siglas são, majoritariamente, controladas por homens e pelos mesmos “caciques” há várias décadas – e que não abrem mão do poder.

Na realidade, estamos falando, historicamente, de uma relação de dominância estabelecida há séculos, que, muito embora em processo de transformação, caminha a passos lentos, demandando, não de hoje, profunda mudança nos padrões culturais vigentes.

Nesta esteira de raciocínio, precisamos de uma mudança na legislação brasileira que exija a reserva de cadeiras nas Casas Legislativas às mulheres, e quem sabe, um dia, nem precisaremos mais da lei de cotas.

A igualdade da mulher na Política, além de garantir meios para se combater a desigualdade de gênero e de violência que grassam em nosso País, tem o grande desafio à frente de enfrentar, de fortalecer e de ampliar a participação feminina nos mais diversos espaços de poder e de decisão – tarefa nada fácil, uma vez que os homens não abrirão, cordialmente, esses espaços para que nós possamos entrar e ocupar.

Afinal, para se construir uma verdadeira democracia, é fundamental ter a salvaguarda de que todas as vozes sejam ouvidas.

 

Alessandra Caligiuri Calabresi Pinto é advogada especialista em Direito da Mulher; em Direito da Família; em Direito Eleitoral; e em Defesa do Consumidor; é diretora da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) – Pinheiros; e consultora jurídica da Federação Empresarial de Hotéis, Restaurantes e Bares do Estado de São Paulo (Fhoresp).

 




Desafio da seca e o uso de fertilizantes

 

As ondas de calor e a escassez hídrica estão se tornando problemas cada vez mais frequentes e graves para a agricultura global. Esses eventos extremos não apenas prejudicam as plantações, mas também afetam a segurança alimentar e têm um impacto direto sobre os consumidores. As mudanças climáticas estão intensificando a frequência e a severidade das secas e ondas de calor.

Estes desajustes climáticos impactam diretamente no desenvolvimento de plantas, que para enfrentar o estresse hídrico elas fecham seus estômatos para economizar água, o que reduz a absorção de dióxido de carbono necessário para a fotossíntese. Essa redução compromete a produção de açúcares, essenciais para o seu crescimento e desenvolvimento. Durante períodos de seca, a planta perde água mais rapidamente do que consegue absorver, o que pode reduzir drasticamente a produtividade das colheitas e até levar à perda total das safras. Além disso, a seca também reduz a disponibilidade de água no solo para dissolver os nutrientes, prejudicando a absorção de elementos essenciais pelas raízes.

Os efeitos das secas e das ondas de calor não se limitam às áreas de cultivo; eles têm repercussões diretas sobre os consumidores. A diminuição na produção de alimentos leva a aumentos de preços e possível escassez de itens essenciais. O custo dos alimentos pode subir devido à redução da oferta e ao aumento dos custos de produção. Além disso, a qualidade pode ser comprometida, o que pode afetar a segurança alimentar e a nutrição. As flutuações na oferta e nos preços têm um impacto direto no orçamento familiar e na acessibilidade de alimentos nutritivos para a população.

Mas os fertilizantes podem desempenhar um papel crucial na adaptação das plantas às condições adversas causadas pela seca e pelo calor extremo. O potássio, por exemplo, é vital para a regulação da água dentro das plantas e para a manutenção da função dos estômatos. Ele ajuda as plantas a resistir melhor ao estresse hídrico. O manganês é outro nutriente importante, pois está envolvido na fotossíntese e na gestão da água. O fósforo, quando aplicado próximo das raízes durante a semeadura, também contribui para o desenvolvimento radicular e a eficiência na absorção de nutrientes.

Além disso, a utilização adequada de fertilizantes pode aumentar a eficiência no uso da água. Fertilizantes bem formulados ajudam as plantas a melhorarem a capacidade de retenção de água no solo e a aumentar o crescimento das raízes, o que contribui para uma melhor absorção de água e nutrientes mesmo durante períodos de estiagem. Com isso, as plantas se tornam mais resilientes às condições adversas e conseguem utilizar melhor os recursos disponíveis.

Usar fertilizantes de forma estratégica — na quantidade certa, no local certo e no momento certo — pode maximizar a eficiência dos recursos e garantir uma produção agrícola mais estável e sustentável, ajudando a enfrentar de maneira mais eficaz os desafios climáticos que o mundo e, em especial, o agro vem enfrentando.

Valter Casarin, coordenador geral e científico da Nutrientes Para a Vida é graduado em Agronomia pela Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias/UNESP, Jaboticabal, em 1986 e em Engenharia Florestal pela Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz”/USP, Piracicaba, em 1994.  

 




A responsabilização das vítimas em esquemas de pirâmide financeira: equívoco e inversão de valores

 

Recente decisão de um magistrado da Justiça de Santa Catarina causou revolta entre as milhares de vítimas de esquemas fraudulentos que assolam o país. A decisão negou o pedido de indenização de uma vítima de pirâmide financeira, sob o argumento de que sua conduta foi motivada pela busca de “ganhos fáceis”. E o pior, o juiz apontou dolo na conduta da própria vítima. Contudo, essa justificativa carece de uma análise mais profunda sobre a natureza das fraudes financeiras e o papel das vítimas.

É inegável que as promessas de lucros rápidos atraem muitos investidores, mas é crucial reconhecer que esses esquemas são planejados com sofisticação, explorando a vulnerabilidade e a confiança das pessoas. Essas armadilhas manipulam os investidores com falsas promessas de segurança e altos rendimentos.

Assim, comparar uma vítima de pirâmide financeira a um criminoso, ou sugerir dolo em sua conduta, ignora o caráter prejudicial dessas transações.

As vítimas, em sua maioria, são pessoas comuns, sem conhecimento técnico sobre o mercado financeiro. Elas são seduzidas pela confiança depositada nos promotores de esquemas fraudulentos, que se apresentam como legítimos.

A complexidade dessas fraudes é tão significativa que, muitas vezes, até investidores experientes falham em identificar sinais de alerta antes que seja tarde.

A pirâmide financeira é, por sua própria natureza, um esquema projetado para iludir e enganar. Os operadores desses esquemas são mestres da manipulação, utilizando estratégias psicológicas complexas e marketing agressivo, muitas vezes respaldados por figuras de autoridade ou influenciadores sociais, o que confere legitimidade às suas operações. Quando essas promessas vêm de pessoas ou instituições aparentemente respeitáveis, a barreira da desconfiança se reduz, tornando absurdo o argumento de que as vítimas agiram com dolo.

Além disso, o avanço tecnológico dessas fraudes evoluíram significativamente. Muitas pirâmides financeiras, agora, mascaram suas operações como investimentos sofisticados, usando termos financeiros complexos ou promessas de retorno ligadas a criptomoedas, marketing digital, ou outros setores em ascensão. Esse novo perfil atrai até mesmo pessoas que buscam proteger suas economias, e não necessariamente “ganhos fáceis”.

Na verdade, essas vítimas acreditam estar participando de um modelo de negócio inovador e legítimo. Culpar as vítimas por sua intenção de investir ou diversificar suas fontes de renda não apenas desafia a lógica, mas também mina a confiança nos sistemas financeiros e na justiça brasileira.

O papel do sistema judicial deve ser o de proteger essas vítimas, punir os infratores e garantir a reparação adequada pelos danos sofridos. Isso é fundamental para restaurar a confiança nas instituições e promover um ambiente mais seguro e transparente para os investidores. Somente assim será possível alcançar uma justiça plena e eficaz, que não apenas pune os culpados, mas também resgata a dignidade das vítimas.

Portanto, responsabilizar as vítimas de esquemas de pirâmide por sua própria ruína é um erro que desconsidera a natureza enganosa e complexa dessas fraudes. Ao negar indenização sob a alegação de que as vítimas buscavam “ganhos fáceis”, o Judiciário corre o risco de desviar o foco dos verdadeiros culpados: os fraudadores que arquitetam e lucram com essas operações ilícitas. As vítimas, muitas vezes, agiram de boa-fé ao confiar em promessas de rentabilidade, e tratá-las como cúmplices ou negligentes é um equívoco grave da justiça.

 

Mayra Vieira Dias é advogada e sócia do escritório Calazans e Vieira Dias