1

Instabilidade institucional: uma das causas do atraso latino-americano

 

A recente tentativa de golpe na Bolívia é um reflexo perturbador da persistente instabilidade institucional que assola a América Latina. Esse evento não é isolado; ao contrário, é parte de um ciclo vicioso de insegurança jurídica, ativismo judicial, politização da Justiça e polarização social. Esses fatores combinados criam um ambiente hostil para investimentos, resultando em consequências nefastas, como altas taxas de juros e baixa produtividade. Esses elementos, por sua vez, são exacerbados pelos altos índices de desemprego e trabalho precarizado, além das condições sociais deploráveis que resultam em baixas taxas de aproveitamento educacional e insegurança alimentar e sanitária.

A instabilidade institucional é tanto causa quanto consequência da precária situação social na América Latina pois cria um ambiente de incerteza que desincentiva investimentos, tanto locais quanto estrangeiros. Investidores procuram previsibilidade e segurança para alocar seus recursos, e a constante ameaça de golpes, mudanças abruptas de governo e intervenções judiciais imprevisíveis tornam a região um local de alto risco. A fuga de capitais resulta, por sua vez, em uma alta taxa de juros, uma vez que os governos precisam oferecer retornos mais altos para atrair investimentos. Além disso, a baixa produtividade é um reflexo direto da falta de investimentos em infraestrutura, tecnologia e capacitação da força de trabalho.

A consequência econômica imediata da instabilidade é o desemprego e a precarização do trabalho. Com poucas oportunidades de emprego formal, muitos trabalhadores se veem forçados a aceitar empregos informais e mal remunerados, sem proteção social ou direitos trabalhistas.

Todas essas condições contribuem para um ciclo de pobreza que é difícil de quebrar. A precariedade econômica se reflete nas condições sociais: a educação sofre com falta de recursos e infraestrutura inadequada, resultando em baixas taxas de aproveitamento educacional. A insegurança alimentar e sanitária são outros graves problemas, com muitas famílias lutando para ter acesso a alimentos nutritivos e serviços básicos de saúde.

Curiosamente, as mesmas mazelas sociais que são consequência da instabilidade institucional também alimentam a conflituosidade social. A pobreza, a falta de oportunidades e a desesperança levam a um aumento da criminalidade, dos protestos e da polarização social. Os conflitos sociais, por sua vez, tornam a governança ainda mais difícil, perpetuando o ciclo de instabilidade. A falta de um ambiente estável e seguro impede o desenvolvimento econômico e social, que é necessário para superar as condições de precariedade. A instabilidade institucional é, portanto, uma das principais causas do atraso latino-americano.

Apesar do cenário sombrio, a recente tentativa de golpe na Bolívia traz um sinal de esperança. A condenação quase unânime dessa tentativa, tanto por líderes políticos quanto pela população e pela comunidade internacional, indica que há um desejo crescente por estabilidade e respeito às instituições democráticas. A reação firme contra a quartelada, desde os líderes da oposição até os partidários do presidente Luís Arce, demonstra que há um consenso sobre a importância de manter a ordem constitucional. Esse consenso é crucial para a construção de uma sociedade mais estável e próspera. A conscientização pode ser o primeiro passo para quebrar o ciclo vicioso e iniciar um ciclo de prosperidade social na América Latina.

 

André Naves é Defensor Público Federal, especialista em Direitos Humanos, Inclusão Social e Economia Política. Escritor. professor, ganhador do Prêmio Best Seller, pelo livro “Caminho – a Beleza é Enxergar”, da Editora UICLAP (@andrenaves.def).

 




Fundação João Paulo II: os braços, o coração e o rosto de Cristo!

 

 

Neste ano de 2024, a Fundação João Paulo II completa 42 anos de existência. Fundada em 1982, a entidade, que é filantrópica e sem fins lucrativos, é mais conhecida devido à abrangência nacional e internacional do Sistema Canção Nova de Comunicação com canais de TV, emissoras de rádio e atividade da internet.

Mas além da Comunicação, outra maneira da instituição atuar fortemente a favor da promoção dos valores sociais e cristãos é por meio da sua Rede de Desenvolvimento Social, que conta com sete projetos sociais abrangendo as áreas da Educação, Saúde e Assistência Social.

Na área da Educação, a Fundação João Paulo II mantém o Instituto Canção Nova, com educação gratuita e de qualidade para mais de mil alunos do Ensino Infantil até o Ensino Médio. E a Faculdade Canção Nova com cursos de graduação, pós-graduação e de extensão.

Na área da Saúde, a Fundação mantém o Centro Médico Pe. Pio, uma unidade de saúde que, a partir do tratamento humanizado, realiza todos os anos milhares de atendimentos gratuitos, procedimentos e exames, voltados, especialmente, para a população mais vulnerável.

Na área de Assistência Social, a entidade mantém quatro projetos, também com todas as atividades e serviços gratuitos, voltados para a população mais vulnerável. O Progen (Projeto Geração Nova), O CAC (Centro de Atendimento Comunitário) e a Cia de Artes e Esportes que oferecem cursos, oficinas, workshops e eventos diversos, visando o desenvolvimento profissional, cultural, espiritual e da saúde física, entre outras áreas, promovendo as habilidades e o bem-estar geral dos seus atendidos.

Há também a Casa do Bom Samaritano com atendimento voltado para a população em situação de rua, fornecendo apoio através de serviços como: refeições, rouparia, kit de higiene pessoal, atendimento psicológico e de assistência social. Há também o atendimento às famílias em situação de vulnerabilidade, através, por exemplo, da entrega de cestas básicas e atividades voltadas para o fortalecimento de laços e vínculos familiares.

A Fundação João Paulo II, nesses 42 anos de existência, vem seguindo a orientação dada por seu fundador, padre Jonas Abib, que dizia: “Somos os braços, o coração e o rosto do Senhor”. Sendo assim, vida longa a esta Instituição que, mantendo o legado do seu fundador, colabora diretamente no aperfeiçoamento humano e consequente melhora da sociedade.

Parabéns ao fundador, Padre Jonas Abib! E parabéns a todas as pessoas que, acreditando nessa missão, colaboram para que a Fundação João Paulo II continue sendo os braços, o coração e o rosto de Cristo para todas as pessoas!

 

Denis Duarte é gerente da Rede de Desenvolvimento Social Canção Nova.




A força da colaboração municipal

 

Quando voltamos nossos olhares para os municípios brasileiros espalhados pelo país, notamos que as paisagens e as culturas são diversas, assim como as capacidades e a forma de funcionamento das redes de ensino, especialmente aquelas de pequeno e médio porte. Isso nos mostra o quanto a atuação colaborativa pode ser um caminho imprescindível para a redução das desigualdades financeiras, técnicas e estruturais que impactam o alcance de melhores resultados educacionais. Uma das soluções que esses municípios têm encontrado é aprender a trabalhar em Regime de Colaboração Intermunicipal. 

Nos últimos anos, surgiram experiências expressivas nesse sentido, e uma das que têm se destacado são os Arranjos de Desenvolvimento da Educação, os ADEs – que consistem em um acordo de cooperação desburocratizado entre municípios próximos, essencialmente horizontal, visando eleger e concretizar metas comuns para melhorar a qualidade da Educação Pública da região. Segundo o professor Fernando Abrucio, da FGV, “os ADEs têm ensinado muito os gestores e as lideranças locais, revelando que a cooperação pode melhorar, em alguma medida, a qualidade da política educacional municipal em contextos de assimetria e baixas capacidades estatais”.

A primeira iniciativa de Arranjo surgiu há quase 30 anos, em 1996, na região da Chapada Diamantina, na Bahia – no chamado ADE Chapada –, reunindo municípios que têm conseguido, desde então, elevar radicalmente seus índices educacionais, formar continuamente os profissionais da educação e firmar parcerias com universidades, associações, institutos e iniciativas privadas.  

Essa metodologia colaborativa está presente atualmente em 18 territórios brasileiros. São eles: ADE Alto Solimões (AM), ADE dos Guarás (MA), ADE dos Balaios (MA), ADE do Alto Turi (MA), ADE Adera (MA), ADE GE 4 (PI), ADE GE 5 (PI), ADE Chapada Diamantina (BA), ADE Agreste Litoral (BA), ADE Parecis (MT), ADE Adetam (MG), ADE Noroeste Paulista (SP), ADE SP 5+ (SP), ADE Litoral Paranaense (PR), ADE Granfpolis (SC), ADE CoGemfri (SC), ADE Serra Catarinense (SC) e ADE Norte Gaúcho (RS). 

Ainda este ano, o Maranhão (que hoje é o estado com o maior número de territórios colaborativos) está em vias de constituir mais dois Arranjos – o ADE do Vale do Pindaré e o ADE da Baixada Maranhense. Desde a implantação, em 2019, o Arranjo tem alcançado resultados relevantes, como a melhoria dos processos de gestão escolar e as formações para os professores do 6.° ao 9.° ano. 

Da mesma maneira, recentemente, o estado do Amazonas criou o primeiro Arranjo, o ADE Alto Solimões. Nessa região, assim como em boa parte do Amazonas, as vias de tráfego são os rios. Por isso, as Secretarias de Educação Municipais enfrentam desafios para a entrega de merendas em escolas afastadas e para a formação de professores bilíngues, já que, em alguns dos municípios, 80% das escolas são indígenas. Essa região, que ainda tem a particularidade de fazer divisa com Peru e Colômbia, certamente vai ganhar força para enfrentar os desafios educacionais. 

Na história dos ADEs, além dos avanços notórios, percebe-se que, mesmo com as transições políticas de prefeitos e secretários municipais de Educação, muitos Arranjos seguem vigentes após as trocas de governo. Isso se deve à criação de lideranças nas municipalidades, à implementação de projetos relevantes para o conjunto de municípios e à formação de uma cultura de colaboração nas regiões. O potencial cooperativo dos Arranjos é imenso, pois amplia a intensidade e a qualidade das relações entre os municípios parceiros e promove a possibilidade de equidade educacional. Provavelmente, em poucos anos, o número de ADEs existentes no Brasil vai crescer ainda mais. Assim esperamos.

Maíra Weber, doutora em Educação, é coordenadora de Produção e Disseminação de Conhecimento do Instituto Positivo (IP).




Balas e chicletes realmente ajudam a combater a halitose?

 

A halitose, comumente conhecida como mau hálito, é uma preocupação persistente para muitas pessoas, afetando não apenas a saúde bucal, mas também o bem-estar social. Dados da Associação Brasileira de Halitose (ABHA) indicam que cerca de 30% da população brasileira pode sofrer com o problema em algum momento da vida.

As causas podem variar, desde problemas bucais, como má higiene oral, cáries ou doenças gengivais, até mesmo condições de saúde, como é o caso da rinite, sinusite, amigdalite, infecções respiratórias ou doença do refluxo gastroesofágico.

Além das práticas de higiene bucal, como a escovação regular, o uso do fio dental e exames dentários periódicos, muitas pessoas também buscam “métodos paliativos” para enfrentar o problema, sobretudo por meio do uso de balas e gomas de mascar, a fim de amenizar o odor e o incômodo causado pela halitose. 

A dúvida que fica, no entanto, é até que ponto elas realmente são eficientes para este propósito. Afinal, muitos desses produtos contêm açúcar em sua composição. E, uma vez que as bactérias presentes na boca se alimentam de açúcares, ocorre uma proliferação destas e, consequentemente, maior produção dos gases causadores do mau hálito.

Nesse contexto, portanto, a escolha do tipo de bala ou goma que se consome para tal finalidade é fator preponderante. Não à toa que, hoje em dia, há uma enorme quantidade de balas e chicletes que não contêm açúcar em sua composição. Além da questão calórica, esses itens também podem atuar de forma positiva no combate aos maus odores do hálito.

Isso porque a ação de mastigar estimula a produção de saliva, contribuindo para a hidratação da mucosa, controle do pH e até mesmo da limpeza mecânica, desalojando parte dos resíduos aprisionados e, dessa forma, auxiliando na manutenção de um hálito saudável.

 Embora possam proporcionar alívio temporário do mau hálito, as balas e chicletes não são suficientes para de fato combater as causas subjacentes do problema. Por isso, é tão importante a avaliação de um profissional de saúde para um diagnóstico preciso e um plano de tratamento adequado. 

A solução, muitas vezes, é simples, demandando apenas uma higiene oral adequada, principalmente no que se refere à limpeza da língua, uso de fio dental e visitas regulares ao dentista, além de uma alimentação saudável e balanceada, bem como uma hidratação correta ao longo do dia.

Evitar hábitos como o consumo de álcool e cigarro também ajuda bastante na prevenção desse problema, que tanto interfere nas relações interpessoais e, até mesmo, na autoestima das pessoas.

Dessa forma, postergar o diagnóstico só contribui para torná-lo ainda mais prejudicial à saúde física e psicológica de quem sofre com ele. Portanto, por mais que as balas e chicletes sirvam de paliativos, é preciso conhecer a origem do problema para combatê-lo efetivamente.

Ligia Maeda é médica otorrinolaringologista, especialista em halitose e compõe o corpo-clínico do Hospital Paulista – referência nacional em saúde de ouvido, nariz e garganta




Como superar as limitações nutricionais de crianças com alergias alimentares

 

 

 

 

A alimentação da criança está extremamente relacionada com o seu desenvolvimento físico e muscular, estatura, resistência a infecções e, já na fase intrauterina e durante os primeiros mil dias, com o desenvolvimento do sistema neuropsicomotor. ¹ Existem muitos trabalhos mostrando, inclusive, retardo do desenvolvimento neuropsicomotor em crianças mal alimentadas após o nascimento.

A proteína é um dos nutrientes mais importantes para o crescimento infantojuvenil. Proteínas são macromoléculas formadas por cadeias de aminoácidos. Elas são essenciais para o funcionamento do corpo humano, desempenhando papéis cruciais na estrutura, função e regulação dos tecidos e órgãos. Entre suas funções, as proteínas são responsáveis por construir e reparar tecidos, produzir enzimas e hormônios, além de auxiliar na imunidade, transportar moléculas e equilibrar fluidos.

A alergia alimentar é uma resposta imunológica adversa a certos alimentos, como, por exemplo, a alergia à proteína do Leite de Vaca (APLV), que é uma das alergias mais comuns em bebês de até um ano. Com a escassez dos nutrientes produzidos pelo alimento de origem animal no corpo da criança, há que se buscar alternativas para estabelecer o equilíbrio nutricional com aportes adequados de nutrientes. Uma das opções que ganha cada vez mais relevância no meio científico são os alimentos produzidos à base de plantas. Conhecida como “plant-based”, essa dieta consiste em ingerir produtos naturais, sendo a melhor solução para crianças alérgicas a alimentos de origem animal.

² Alguns estudos já mostram que 51% dos brasileiros apresentam predisposição para alguns tipos de intolerância à lactose, mas atualmente já sabemos que a proteína animal pode ser perfeitamente substituída por proteína vegetal. Sabemos que a escolha dessa proteína passa também pelo poder aquisitivo. Se fossem inseridos na Cesta Básica Nacional, esses alimentos poderiam ter uma redução de custos de até 40%, segundo a Associação Base Planta.

Alguns grãos como amêndoas, castanhas, feijão, ervilha e lentilha, são bons fornecedores de proteína vegetal, que tem uma importante função na formação neuropsicomotora das crianças. É importante, sob certos aspectos também, evitar a baixa atividade e a oferta de muitas calorias, principalmente vindas de carboidratos e gorduras.

Entre as alergias alimentares mais comuns em crianças, destacam-se: leite, ovos, amendoim, nozes, trigo, soja e peixes. A falta desses alimentos pode levar a várias deficiências nutricionais, especialmente se não for feita uma substituição adequada, como a troca do leite de vaca pela bebida de origem vegetal.

A substituição dos alimentos de origem animal ricos em proteínas, como carne vermelha (bovina, suína, ovina), frango e outras aves, peixes e frutos do mar, ovos e laticínios (leite, queijo, iogurte), pode ser feita por alimentos de origem vegetal que, como estes, também são ricos em proteínas: leguminosas (feijão, lentilha, grão-de-bico), soja e produtos derivados (tofu, tempeh), quinoa, sementes (chia, linhaça), nozes e castanhas e cereais integrais (amaranto, trigo-sarraceno).

Superar as limitações nutricionais em crianças com alergias alimentares é desafiador, mas existem alternativas para vencer as limitações que passam obrigatoriamente pela orientação médica, sempre baseada em ciência. As proteínas vegetais figuram como uma opção importante para substituir as proteínas animais, permitindo que as crianças recebam os nutrientes essenciais para seu desenvolvimento. Ao incorporar uma variedade de fontes vegetais à dieta e incentivar de forma contínua as boas práticas alimentares, conseguimos impulsionar um crescimento saudável e robusto do público infantil, mesmo diante de restrições alimentares.

 

Daniel Magnoni é nutrólogo, cardiologista e presidente do Instituto de Metabolismo e Nutrição.

Referências

  1. Link
  2. Link

 




Hiperjudicialização da saúde no Brasil: gargalos e soluções

 

 

A hiperjudicialização da saúde no Brasil é um fenômeno crescente que tem gerado preocupações significativas no sistema Judiciário. Atualmente, tramitam pelos tribunais brasileiros cerca de 600 mil ações relacionadas aos problemas que os brasileiros enfrentam como setor de saúde. A falta de acesso e de informações, além do grave problema de atendimento ao paciente na área pública e privada no país, refletem no alto número de processos.

Os principais gargalos identificados no sistema de judiciário, no tocante às ações de saúde, incluem a falta de uniformidade nas decisões judiciais, a ausência de critérios técnicos específicos para embasar sentenças e a sobrecarga dos tribunais. A falta de padronização nas decisões resulta em insegurança jurídica, onde casos semelhantes podem receber tratamentos distintos, causando desigualdades e injustiças. Além disso, a ausência de diretrizes técnicas claras faz com que muitos juízes, sem o devido conhecimento especializado, baseiem suas decisões em laudos e pareceres muitas vezes contraditórios, o que só aumenta a incerteza e a morosidade no julgamento dos processos.

Outro ponto crítico é a ineficiência no manejo das demandas repetitivas, que abarrotam os tribunais com casos similares e que poderiam ser resolvidos de forma mais célere através de mecanismos de resolução coletiva de litígios. A falta de uma estrutura adequada para tratar estas demandas em massa contribui para a morosidade processual e para o acúmulo de processos não solucionados. A falta de investimento em tecnologias e sistemas de informação que poderiam otimizar a gestão processual também é um fator que agrava a situação.

Além disso, contribuem para a hiperjudicialização da saúde a insuficiência de políticas públicas eficazes, a falta de clareza na regulamentação dos serviços de saúde e a demora na prestação dos serviços pelo Sistema Único de Saúde (SUS). E, ainda, a atuação das operadoras de planos de saúde, que muitas vezes negam ou restringem procedimentos e tratamentos, também impulsiona o aumento do número de ações judiciais.

Entre os temas mais recorrentes nas ações judiciais sobre saúde, destacam-se:

– Fornecimento de Medicamentos e Tratamentos: Pacientes frequentemente recorrem ao Judiciário para obter medicamentos de alto custo ou tratamentos não disponíveis pelo SUS ou não cobertos pelos planos de saúde. A ausência de uma lista atualizada e transparente de medicamentos e tratamentos oferecidos pelo SUS e pelas operadoras agrava o problema.

-Internações e Procedimentos Cirúrgicos: A demora ou negativa de vagas para internações e a realização de cirurgias essenciais têm levado um grande número de pacientes a buscar judicialmente a garantia de seus direitos à saúde.

-Planos de Saúde: As controvérsias em torno das coberturas obrigatórias, reajustes abusivos, e a negativa de procedimentos são motivos constantes de judicialização. A falta de uma regulação clara e eficiente por parte da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) também é um fator agravante.

Para enfrentar a hiperjudicialização, algumas soluções podem ser propostas, como, por exemplo a criação de protocolos e diretrizes clínicas. É essencial estabelecer protocolos clínicos e diretrizes terapêuticas que orientem a prática médica e a cobertura de tratamentos e medicamentos tanto no SUS quanto nos planos de saúde pode trazer maior segurança jurídica e reduzir a necessidade de judicialização.

Vale destacar também que o fortalecimento das câmaras e núcleos de conciliação e mediação em questões de saúde pode facilitar acordos entre as partes, evitando a judicialização de um grande número de casos.

Outro ponto fundamental é o aperfeiçoamento da regulação e fiscalização. Uma regulação mais clara e rigorosa por parte da ANS, aliada a uma fiscalização efetiva, pode coibir práticas abusivas das operadoras de planos de saúde e garantir que os direitos dos consumidores sejam respeitados sem necessidade de intervenção judicial.

Pelo lado do sistema judiciário também são necessárias algumas mudanças e investimento. É essencial promover a capacitação constante dos magistrados e técnicos do Judiciário em matérias técnicas de saúde pode auxiliar na tomada de decisões mais fundamentadas e eficazes, reduzindo a necessidade de perícias e prolongamento dos processos. E aliado a está capacitação deve-se implementar sistemas de informatização e integração de dados entre os diferentes órgãos do sistema de saúde e o Judiciário pode agilizar o acesso às informações necessárias para a tomada de decisões e reduzir a carga processual.

Também se faz necessário a adoção de teses jurídicas vinculantes pelo Conselho da Justiça Federal, para uniformizar decisões e a trazer maior previsibilidade e segurança jurídica.

Em suma, a hiperjudicialização da saúde no Brasil é um desafio complexo que demanda soluções multidimensionais. A conjunção de esforços entre o Judiciário, Executivo, Legislativo e as partes interessadas é fundamental para criar um sistema de saúde mais eficiente, justo e menos dependente da intervenção judicial.

 

Natália Soriani é especialista em Direito da Saúde e sócia do escritório Natália Soriani Advocacia

 




Primeiro semestre: como estão as metas traçadas para 2024?

  

O que mais escutamos nas conversas é: “Já estamos em junho! E daqui a pouco é Natal!” Para alguns, chega a ser desesperador, porque o tempo parece passar mais rápido do que conseguimos assimilar. Sim, meio ano já se passou e como estão as metas que traçamos para 2024? 

A passagem dos dias nos convida sempre a uma revisão daquilo que está dando certo e daquilo que precisa ser mudado, com relação ao que planejamos para o ano. Aquela meta de guardar dinheiro, emagrecer, fazer atividade física, melhorar o relacionamento com a família, entre outras, saíram do papel? O que você já conseguiu fazer? Tem algo que foi abandonado pelo meio do caminho? 

De fato, ao traçarmos nossas metas para um novo ano, frequentemente nos deixamos levar pelo entusiasmo e pela visão otimista do que queremos alcançar. No entanto, é fundamental reconhecer que a vida é repleta de incertezas e surpresas.

O tempo, algo que parece tão simples de lidar, passa rapidamente e nos faz pensar como estamos levando a nossa vida. Vamos percebendo a importância de valorizar cada minuto e usar bem o tempo, os recursos que temos e a famosa energia, ou disposição para fazer algo. Muitas pessoas se desgastam, vivem emocionalmente abaladas porque estão diretamente afetadas pela falta de planejamento e organização. Não se trata de engessar a vida, muito pelo contrário! Quando nos organizamos, conseguimos mudar a rota quando necessário. 

Muitos de nós temos dificuldades para lidar com a frustração ou o desapontamento, mas isso não deve ser considerado o fim. No nosso percurso anual, o inevitável desafio das reviravoltas emerge como um elemento crucial e, por vezes, desconcertante. Quando inicialmente traçamos os nossos planos e estabelecemos metas, é comum esquecer que o curso da vida é tão imprevisível quanto pode ser incrível.

Talvez este primeiro semestre não tenha saído como você planejou. Entretanto, essa experiência não foi em vão. Você aprendeu a importância de ser flexível e adaptável. Percebeu que, embora seja essencial ter metas claras, é igualmente crucial estar preparado para ajustes e mudanças de direção. As adversidades ensinaram você a valorizar pequenos progressos e a encontrar satisfação nas conquistas diárias, por menores que sejam.

É importante aprender com aquilo que não deu certo. E com o segundo semestre se aproximando, você pode ajustar suas metas e avaliar o que não deu certo ou mesmo se o passo dado não teve o tamanho que você conseguiria dar; ou ainda, se você não se aplicou tanto assim. O planejamento pode não ter dado certo, mas as lições aprendidas são importantes e capazes de gerar oportunidades de crescimento.  

As reviravoltas da vida, que vêm de forma inesperada, têm um papel significativo: moldar nossas experiências e nosso crescimento pessoal. Esses desafios, embora possam ser desconcertantes e até mesmo desanimadores, oferecem ricas oportunidades de aprendizado e adaptação. Se forem vistos apenas como obstáculos, nos cegam a possibilidade de olhar além e percebermos as oportunidades e a chance de desenvolvermos resiliência e fortalecer nossa capacidade de lidar com mudanças. 

Pense diferente e siga daqui para frente empenhado da forma possível e com o tempo que tem daqui para frente, comemorando aquilo que conseguiu e desafiando-se no que ainda precisa ser concluído. 

Elaine Ribeiro é psicóloga clínica e organizacional da Fundação João Paulo II / Canção Nova. Instagram: @elaineribeiro_psicologa. Site: Elaine Ribeiro 




Causas e consequências da venda mais restrita de Zolpidem

 

O Zolpidem é um medicamento hipnótico amplamente prescrito para o tratamento de insônia. Contudo, devido ao seu potencial de abuso, dependência e efeitos adversos, várias jurisdições, incluindo o Brasil, têm adotado medidas para restringir sua venda e uso.

As restrições foram implementadas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), órgão que regulamenta a prescrição e dispensação de medicamentos controlados. O aumento dos casos de abuso e dependência associados ao fármaco traziam um cenário preocupante.

Relatos de efeitos adversos bizarros como sonambulismo e compras compulsivas, apagões de memória, alucinações e confusão mental são citados em redes sociais e fóruns por pacientes e usuários. Jovens procuram a droga para regular o ciclo de sono e vigília, mas não há indicação terapêutica para esse tipo de distúrbio.

Introduzido no início dos anos 1990, o fármaco é um medicamento da classe dos hipnóticos, utilizado para induzir o sono. Ele é recomendado para uso a curto prazo — no máximo, quatro semanas — por pessoas que têm dificuldades para adormecer ou manter o sono por um período adequado.

Em maio de 2024, a Anvisa publicou uma nova instrução normativa especificando a necessidade de receita especial azul e um limite de quantidade do fármaco prescrita por período.

O Zolpidem já estava classificado na lista B1 (psicotrópicos), que é mais rigorosa. No entanto, o Adendo 4 dessa mesma lista atenuava essa restrição, permitindo que medicamentos com até 10 mg de Zolpidem por unidade fossem tratados como equivalentes aos medicamentos da Lista C1 – Lista de Substâncias Sujeitas a Controle Especial. Para a categoria C1, a prescrição pode ser feita em receita branca de duas vias, sendo admitida a prescrição eletrônica. Já a recém-obrigatória receita azul não permite a modalidade eletrônica, porque tem talonários numerados para controle da vigilância sanitária local.

Há que se ressaltar que as restrições mais rígidas na venda de Zolpidem impactam diretamente médicos, farmacêuticos e pacientes. A necessidade de uma receita especial azul e a limitação da quantidade disponível por prescrição buscam reduzir o risco de abuso e dependência, mas também podem causar dificuldades no acesso ao tratamento adequado para pacientes que realmente necessitam do medicamento.

A venda mais restrita do Zolpidem no Brasil reflete uma preocupação crescente com a segurança dos pacientes e o potencial de abuso desse medicamento. Embora as novas regulamentações imponham desafios, elas são essenciais para garantir o uso seguro e responsável do fármaco. Profissionais de saúde devem se manter informados sobre as mudanças normativas e orientar seus pacientes de forma adequada, minimizando riscos e garantindo a conformidade legal.

Claudia de Lucca Mano é advogada e consultora empresarial atuando desde 1999 na área de vigilância sanitária e assuntos regulatórios, fundadora da banca DLM e responsável pelo jurídico da associação Farmacann

 




O flagelo dos precatórios 

 

O problema dos precatórios de caráter alimentar no Brasil, que poderia ser traduzido como um grande calote superior a 40 anos, é de extrema gravidade, pois afeta principalmente servidores públicos, aposentados e pensionistas, com impacto mais nocivo nos dois últimos grupos. Estes são constituídos por pessoas com idade avançada, que dependem muito dos recursos para sua sobrevivência, cuidados essenciais e assistência à saúde.

O imenso número de precatórios, que significam dívidas concretas do Estado, resultantes de ações judiciais que já transitaram em julgado, reflete o descumprimento de leis e acordos firmados com o funcionalismo. Além disso, observa-se a não aplicação de correções salariais devidas, falta de pagamento de adicionais de insalubridade e/ou periculosidade e outras diversas transgressões de gestores dos Três Poderes contra direitos de natureza alimentar atrelados aos salários, aposentadorias, pensões e previdência. São equívocos acumulados em mais de quatro décadas, que não deixaram alternativas às pessoas prejudicadas a não ser procurar a Justiça.

Recorreram, obtiveram ganho de causa, mas não se concretizaram os direitos. Isso porque se instituiu no Brasil esse instrumento chamado precatório, que só existe em nosso país, para postergar os pagamentos, em prejuízo de milhares de pessoas, cujos direitos foram desrespeitados por sucessivos governantes e gestores do poder público, na União, estados e municípios. São mais de 40 anos de flagrante calote.

Segundo a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), só o governo estadual de São Paulo tem 600 mil credores. Nesse período, mais de cem mil deles morreram sem receber os valores devidos, depois de toda uma vida de trabalho. Como se não bastasse, ainda existe a ameaça da Proposta de Emenda à Constituição 66/2023, que prorroga mais uma vez o prazo dos pagamentos.

Essa insólita e descabida situação gera outro problema grave: instituições financeiras costumam propor a compra de precatórios, mas com deságios exagerados. O Supremo Tribunal Federal (STF) referendou a Emenda Constitucional 62/2009, que permite um deságio de até 40%. Porém, esse percentual, muito alto, é invariavelmente ultrapassado na realidade do mercado. Muitas vezes, premidos pela necessidade urgente de recursos e desesperançosos quanto à possibilidade de receber em vida o que lhes é legitimamente devido, os credores acabam aceitando essas condições absurdas e de cunho oportunista.

Por isso, é fundamental que, ao receber uma proposta desse tipo, a pessoa procure um advogado, para que tenha a devida orientação e para que os cálculos referentes à atualização dos valores sejam corretos. Isso é importante, pois se, além do deságio, o montante estiver desatualizado ou dimensionado a menor, o prejuízo será ainda maior.

O problema dos precatórios atingiu um grau inaceitável no Estado Democrático de Direito. Estão sendo prejudicadas de modo contundente milhares de pessoas que ganharam ações judiciais movidas exatamente porque tiveram direitos legítimos desrespeitados. Agora, são punidas novamente pelo não cumprimento da reparação dos danos sofridos há anos ou décadas. Trata-se de uma profunda injustiça do poder público, um flagelo que atinge grande número de brasileiros. É premente solucionar essa grotesca distorção.
 

Artur Marques da Silva Filho é presidente da Associação dos Funcionários Públicos do Estado de São Paulo (AFPESP).




Terreno de marinha é diferente de praia; entenda a PEC 3/2022

 

A Proposta de Emenda à Constituição dos terrenos de marinha (PEC 3/2022), a chamada PEC das Praias, tem fomentado debates. Na consulta pública aberta no site do Senado Federal mais de 2 mil pessoas apoiam a proposição enquanto outras 159 mil não apoiam.

Antes de explicar a diferença entre terrenos de marinha e praia, vou contar o que propõem a PEC 3/2022. Ela tem como objetivo revogar o inciso VII do caput do artigo 20 da Constituição Federal e o parágrafo 3º do artigo 49 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. Em outras palavras, a PEC pretende anular as regras de que os terrenos de marinha e seus acrescidos são bens da União e que os valores atualmente cobrados pelo uso de terras públicas a particulares parem de ser aplicados aos terrenos de marinha e seus acrescidos, situados na faixa de segurança, a partir da orla marítima.

Pois bem, os terrenos de marinha foram delimitados em 1831 e correspondem a todas as áreas que sofrem influência de marés (costa marítima, margens de rios e lagoas, além daquelas áreas que contornam as respectivas ilhas). Eles estão localizados numa faixa que começa a 33 metros da linha do preamar-médio, isto é, do ponto mais alto de onde chegou a maré em direção à terra, numa média registrada há 193 anos, confirmada no artigo 2 do Decreto-Lei 9.760/1946.

Os imóveis situados nos terrenos de marinha são de propriedade da União – em alguns casos esporádicos a propriedade pertence aos Estados e aos Municípios – e os proprietários são, na verdade, detentores do domínio útil do imóvel. Deles, além do IPTU (Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbano) são cobradas basicamente três taxas: laudêmio, foro e taxa de ocupação.

O laudêmio, é uma taxa correspondente a 5% do valor do imóvel e é cobrada quando ele é comercializado. Como dito acima, a propriedade dos imóveis localizados em terrenos de marinha é da União, porém, muitos desses imóveis são ocupados por cidadãos, que são detentores do domínio útil sobre eles, e este domínio pode ser transacionado – ou seja, pode ser objeto de compra e venda, doação, cessão, etc. Assim, sempre que o domínio útil for objeto de uma transação onerosa (comercializado), será devida a taxa denominada laudêmio. Já o foro, é uma taxa de 0,6% do valor da edificação que é cobrada anualmente daqueles que ocupam imóveis edificados em áreas caracterizadas como terrenos de marinha. A taxa de ocupação, cujo valor é de 2% ou 5% do valor do imóvel, por sua vez, é exigida de quem ainda não firmou o contrato de aforamento com a União – uma espécie de contrato de arrendamento.

A defasagem das fronteiras estabelecidas em 1831 entre aquilo que prevê a legislação e aquilo que é considerado pela União para cálculo dessa faixa de 33 metros, os critérios de avaliação dos valores dos imóveis para cálculos dessas obrigações tributárias e os elevados aumentos dessas taxas são constantemente questionados no Poder Judiciário.

Logo, basicamente, se a Proposta de Emenda à Constituição dos terrenos de marinha for aprovada e sancionada com o texto que está hoje no Senado, ela permitirá a transferência dos territórios para ocupantes particulares, Estados e Municípios. Os moradores passarão a ser realmente os donos de seus imóveis sem precisar pagar laudêmio, foro e taxa de ocupação.

E as praias serão privatizadas?

A PEC 3/2022 não prevê alterações na Lei 7.661/1988, que instituiu o Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro (PNGC). Por isso, mesmo que aprovada, seguirá valendo o que rege o artigo 10 do PNGC: “as praias são bens públicos de uso comum do povo, sendo assegurado, sempre, livre e franco acesso a elas e ao mar, em qualquer direção e sentido”.

Deste modo, vale lembrar que a praia é um bem livre e insuscetível de privatização. O trânsito das pessoas pode ser restrito apenas aos trechos considerados de interesse de segurança nacional ou nas praias incluídas em áreas protegidas por legislação específica.

Agora que você já sabe um pouco mais sobre esse assunto, poderá emitir sua opinião favorável ou desfavorável sobre a PEC, mas sem incorrer no erro técnico de se falar em “privatização das praias”.

 

Fabricio Posocco é professor universitário e advogado no Posocco & Advogados Associados (www.posocco.com.br)