Diocese de Assis
Páscoa significa passagem. Recorda, em sua origem, a passagem libertadora do povo de Deus pelo Mar Vermelho, quando de sua fuga do Egito. Passagem da escravidão para a liberdade, da morte para a vida… Essa memória histórica de um tempo de dor e sofrimento, transformado pela ação miraculosa de Deus, é que faz da data um acontecimento especial para o povo judeu.
Para nós, cristãos, a data ganhou um novo rosto. Da dor e sofrimento de um homem, cuspido, escarrado, zombado e coroado por espinhos por ter dito “Eu sou aquele que é”, ou seja “Javé”, Deus e Senhor, a quem seus inimigos, ironicamente, diziam ser o rei dos judeus; dos lábios entumecidos de um prisioneiro do sistema político e religioso que disse ser “a ressurreição e a vida”, do rosto esbofeteado de um homem comum é que nasce a nova esperança pela “vida nova” sonhada e desejada pelo homem novo, ressuscitado com Ele. Essa é nossa passagem, mudança de conceito, novo olhar que o túmulo vazio da Madalena arrependida trouxe ao mundo: Cristo ressuscitou!
Compreender essa mudança da morte para a vida, essa misteriosa passagem da escravidão do pecado para a graça da vida plena é o grande desafio que a Páscoa cristã proporciona aos seguidores do Mestre de Nazaré. Pode vir algo de bom desse povoado pobre e insignificante? Pois não é que veio? Não é que a improvisada carpintaria de um vilarejo distante tornou-se o epicentro do maior construtor de uma nova esperança humana, o artesão da madeira bruta tornou-se o modulador de corações renovados pela vida nova que brotou de um túmulo novo, sem contaminações anteriores, sem manchas putrefatas comuns aos cadáveres humanos, porém pleno de vida! Tomé, toque essas chagas, olhe o lado perfurado! No deserto, da rocha perfurada por Moisés jorrou água. No calvário, daquela rocha humana de um novo Moisés brotou sangue e água. Tomé viu, tocou, acreditou. Felizes os que não viram, mas acreditaram! Felizes somos nós!
Pedro, um dos que viram e creram, o mesmo que negara sua fé por três vezes, escreveu um dia: “Na sua grande misericórdia ele nos fez renascer pela ressurreição de Jesus Cristo dentre os mortos para uma viva esperança” (I Ped 1,3) e Paulo, que não viu, mas trombou com Ele na estrada de Damasco, confessou: “Se Cristo não ressuscitasse, nossa fé seria vã” (I Cor 15,17). Como vemos, crer na ressurreição não é um simples dogma de fé, mas essência desta. É o primeiro grande passo para a conversão cristã, sem o qual não se entende cristianismo como profissão de fé. “Eu sou Aquele que É” não se revela em separado da outra afirmativa “Eu sou a ressurreição e a vida” e conduz-nos à mais consoladora das palavras do nosso mestre: “Quem crê em mim, ainda que esteja morto, ressuscitará para a vida eterna”. Esse é um grande mistério da nossa fé. Tão grandioso quanto o mistério eucarístico!
Disso tudo, o que nos sobra é a vergonha de duvidarmos de quando em vez. As incertezas são aliadas de nossas inseguranças pessoais, das dúvidas corriqueiras que temos por viver uma vida atrelada à realidade da matéria, da lógica e do ponderável que nos ronda diuturnamente, mas a fé extrapola tudo para tão somente encher nossos corações de uma esperança maior, ressuscitada com Cristo. Nisso reside e consiste a fé verdadeira. Acreditar não basta. É preciso abandonar nossas lógicas e ciências limitadas, asfixiantes muitas vezes, que tudo explica, mas se perde em teorias e conceitos quando o assunto é questão de fé. Não explica a teoria do tudo. O ponderável vem da lógica, mas a lógica é imponderável diante dos mistérios da vida. Só um de nós disse ser ressurreição e vida. E também “Javé”, aquele que É.
WAGNER PEDRO MENEZES [email protected]