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Diocese de Assis

Vivemos dias de provações. Apartar-se da sociedade, afastar-se dos familiares, abandonar o trabalho, os afazeres cotidianos, isolar-se da vida e do mundo não nos parece uma atitude coerente de pessoas minimamente normais. Nem cristãs. Mas, de repente, passou a ser. Em nome da saúde e até da responsabilidade social; em nome da caridade e do bem querer comunitário ou familiar, o isolamento momentâneo passou a ser uma atitude de responsabilidade e de fé.

Quanto tempo há de durar essa fuga para um deserto de privações ainda não o sabemos. Jesus se isolou por quarenta dias. O povo de Deus por quarenta anos, naquela histórica travessia do deserto. Nem oito, nem oitenta. O que aqui temos é uma atitude de confronto em vista das ameaças externas de uma pandemia devastadora. No deserto se dá o confronto, a ponderação de nossas responsabilidades com a vida, com o outro, conosco mesmos. Mesmo quando o convite do mundo seja tentador. A fome de liberdade grite em nosso íntimo. As ilusões das pedras não sejam os pães desejados. E nossas derrocadas financeiras nos roubem as ilusões de poder, de fama, de vitórias, sucessos que somos obrigados a abortar. A única certeza que hoje temos é que o deserto é purificador. Nos faz melhores, mais fortes. Que nos diga o povo de Deus naqueles quarenta anos. Que nos diga Jesus, citando Deuteronômio, o livro dos mandamentos e das leis sagradas: “Não só de pão vive o homem, mas de toda a palavra de Deus”.

Nessa verdade devemos nos fiar em momentos de dores e aflições. Deus é o cerne, a esperança maior de um povo sofredor, escravo em seu mundinho contaminado pelas mazelas de um corpo perecível, frágil, sensível aos humores da saúde física. Por outro lado, um povo forte, guerreiro, vencedor e humanamente glorioso quando purificado nas promessas da Palavra de Deus, que lhe restitui o tesouro da alma, seu cerne de fé, sua saúde espiritual.

Esse é o grande segredo que muitos estão redescobrindo no isolamento, no confronto consigo mesmo, com sua realidade física e espiritual. O demônio não quer esse confronto, essa percepção do que somos neste mundo. Ao conduzir Jesus para o ponto mais alto do templo de Jerusalém, desafiou-o a se lançar dali, pois seus anjos haveriam de salvá-lo .Se o fizesse, teria o mundo a seus pés. Moisés chegou perto, pode contemplar a Terra Prometida do alto de um monte, mas não entrou em seu gozo. Nem por isso se atirou daquele monte; morreu ali. Nem por isso o povo de Deus deixou de conquistar o “sonho do deserto”, a posse da terra. Penetrou em novo domínio “sustentado pela mão de Deus, sem ferir seus pés em pedra alguma” – referência à terceira tentação de Cristo (Sal 90). O isolamento nos ensina a ponderação, a nunca tentar Deus com nossas ambições desmedidas, nossos sonhos de grandeza, pois nossa fragilidade é gritante.

Muitos há por aí que ainda não perceberam a preciosidade desse momento. Se por um lado há um isolamento forçado, por outro a fé se torna a fortaleza de muitos. Nunca se rezou tanto neste mundo. Uma corrente de clamor aos céus, de verdadeiro grito de socorro e até de gratidão por pequenas vitórias aqui e ali, faz emergir um mundo novo, uma humanidade restaurada em seus princípios de fé e esperança. Louvado seja Deus que nos purifica até na dor. Louvado o Senhor Jesus, que também viveu seu isolamento social para nos dar um exemplo de fortaleza sempre. O demônio é capaz de tudo, até de se disfarçar como doença virulenta para nos destruir. Mas Deus é maior. “Depois de tê-lo assim tentado, o demônio apartou-se dele até outra ocasião” (Lc 4,13).

WAGNER PEDRO MENEZES [email protected]