Diocese de Assis
Saudades dos bons tempos. Da normalidade cotidiana. Do bom-dia, boa noite, benção pai, benção mãe… Desculpe, com licença… Saudades da vidinha pacata e feliz, do leite no curral (diretamente da fonte para o consumidor), dos ovos colhidos debaixo da galinha e do milho verde assado na brasa. Do luar prateado em noites de inverno e dourado intenso no verão. Do canto ameaçador do quero-quero vigiando seu ninho e das maritacas em algazarra na palmeira cacheada. Saudades da vida livre no campo.
Sei que muitos não a tiveram, mas imaginam o que tudo isso possa representar. Sei que a saudade é o inconsciente que produz e sempre nos deixa rastros de nostalgia. Que esta, real ou imaginaria, remete-nos a atitudes de bons propósitos e acerto de rumos na nossa vida. Que assim seja, que as graças e bênçãos desses propósitos de retomada, de mudanças, de resgate do que nos parece bom, renovável, retornável, possa acontecer na vida de todos. Abençoado seja o bom propósito. Abençoado seu sonho de vida nova, de mudança, de novo olhar sobre sua vida após tantas tormentas e decepções.
Não fique no saudosismo apenas. Não se finque no passado, na lembrança do que foi bom, mas que também pode acontecer no aqui e agora, no hoje de nossas vidas. O que passou, passou. Mas o que virá depende de como reagirmos às perdas da estrada percorrida. Se apenas olharmos pela janela do passado perdemos o encantamento das janelas que o futuro nos reserva. Quem vive no passado, sem perspectivas de renovação ou repetição de seus bons momentos, corre o risco de estacionar no tempo, matar seus dias na madorra de lembranças apenas. Projetos mais positivos nos dão alento, nos oxigenam novas esperanças e, quando muito, nos animam a reencontrar seus hiatos no tempo presente. Sem essas possibilidades, revivem em nós um sentimento de gratidão pela experiência positiva. Outras acontecerão e deixarão saudades. É essa a arte do bem viver. Cada dia, cada passo, cada momento.
E os que ficaram nessa estrada? Dizia uma frase tumular que os mortos vivem na saudade dos vivos. Revivem em nós. Também os bons costumes. A bênção mútua (recomendada recentemente pelo Papa Francisco) o cumprimento cordial, a educação no trato com nossos semelhantes, a cultura da solidariedade, o respeito às diferenças, tudo isso é possível reconquistar e valorizar novamente, depois de experimentarmos o quão difícil é um mundo onde a dor e o sofrimento imperam. Tempos difíceis anseiam por tempos de paz e harmonia maiores. O saudosismo refaz a esperança. A guerra luta pela paz.
Essas contradições estão aí, a testar nossa capacidade de renovação. Não chore o tempo passado, o leite derramado. Olhe não apenas a curva do passado, mas a retidão da estrada futura. Essa não deixa poeira, mas um horizonte límpido, imaculado, de luz e luar sempre cativantes. O trem sempre apita na curva, porque seu condutor se preocupa em evitar acidentes na estrada futura. Nessa viagem, nosso condutor é tão cauteloso quanto. Lembra-nos a tranquilidade da criança num voo turbulento, onde todos demonstravam pavor, medo do que estava por acontecer. Menos aquela criança…
Indagada do porquê de estar tão tranquila, respondeu:
– Não tenho medo. Meu pai é o piloto!
WAGNER PEDRO MENEZES [email protected]