Diocese de Assis
Sozinha uma letra nada diz. Exceção ao verbo ser, cuja conjugação acentua um adverbio de ligação e o apresenta como aquele que é. “Eu sou aquele que É”, descobriria Moisés em revelação divina. É, verbo ser, primeira pessoa do indicativo, não é letra morta, mas substancialmente viva, divina. Já os caracteres bíblicos, o maior compêndio de sagradas palavras que dizemos reveladas por Deus, possuem algo mais que simples conjunto de letras vazias. Delas fluem palavras de vida, que pulsam aos olhos, que saltam, que vivem. No princípio revela os mistérios da criação, para, ao final, dar graças a Jesus Cristo com um sonoro e gratificante amém. Essa é a Bíblia, o maior e mais enigmático conjunto de livros redigido por humanos com inspiração divina.
Apesar dos milênios que se desdobraram na constituição desse livro sagrado, apesar de ser este o mais lido e reproduzido de todos os livros que a sabedoria humana conseguiu compilar, apesar de sua abordagem misteriosa, estritamente religiosa e espetacularmente histórica, apesar dos ensinamentos dogmáticos, morais e proféticos presentes em suas linhas, é ainda uma obra rejeitada, criticada e preconceituosamente ignorada pelos intelectuais, os “doutores da lei” da prepotência humana. O mundo seria outro se prestássemos maiores atenções ao conteúdo bíblico. Isso não é conversa de fanático, discurso de religioso fechado à realidade, mas constatação pura e simples de alguém que ainda é capaz de abrir sua bíblia com respeito e admiração. Simplesmente isso. Não precisamos de uma abordagem tendenciosa, nem de uma defesa teológica restrita, para entender e respeitar a bíblia como um livro sagrado ou filosófico apenas. Suas palavras dão respostas a muitas das ansiedades e necessidades de qualquer ser humano, independentemente de sua crença ou profissão religiosa.
Fonte de inspirações religiosas, políticas e até de muitos dos conflitos bélicos da humanidade, as palavras bíblicas até hoje geram estudos e publicações paralelas das mais variadas tendências, desde filosofias e teorias, até estratégicas políticas ou libertárias de vários povos, tais como a histórica luta judaica, seus feitos heroicos baseados em argumentos bíblicos, até fanatismos religiosos advindos de sua má interpretação. Nesse aspecto, a revelação bíblica está contaminada pela superficialidade de sua leitura sem critérios, o que se torna uma ameaça pública. Eis porque durante séculos a Bíblia foi uma leitura proibida pela própria Igreja. Só eram permitidas as leituras contextualizadas na liturgia, com as devidas explicações teológicas. Hoje, traduzida pela maioria dos idiomas humanos, está fora da jurisdição unicamente religiosa, e passou a ser fonte eclética das maiores tendências sociais da humanidade. No cristianismo é sua inspiração única.
Para tanto, são precisos critérios, olhar de fé e de respeito à tradição. Uma leitura bíblica sem um mínimo de conhecimento histórico ou mesmo orientação teológica pode ser uma ameaça à própria fé. No catolicismo esse critério é sagrado, fundamental, baseado em suas escolas bíblicas, catequese e reflexões litúrgicas. Não está aqui uma tendência manipuladora da fé, mas um critério de unidade bem próprio da escola apostólica, fonte da origem cristã, que o catolicismo tenta preservar. Por isso é característica do catolicismo as notas explicativas de sua bíblia, para que seus fiéis não se percam em interpretações perigosas à própria fé. Não é isso manipulação, mas proteção maternal, sabedoria de vida, experiência. Leia a Bíblia. Mas siga o milenar aprendizado da Santa Madre Igreja. Não se perca em caminhos tendenciosos de interpretações fora do contexto. Esse é o mal que dividiu a Igreja e que nos divide como irmãos. Um mesmo texto, uma mesma doutrina, mas divididos pelas letras mortas dos critérios pessoais. A Bíblia contém Palavras Vivas. Só aos cegos as letras nada dizem.
WAGNER PEDRO MENEZES [email protected]