Diocese de Assis
Máscaras existem de todas as formas, cores e para todo gosto. Máscaras usamos, às vezes até inconscientemente. Difícil mesmo é encontrar alguém de cara limpa, cabeça erguida e sorriso meigo, sem as marcas do dia a dia, dos desafios que enfrenta para se manter vivo, sobreviver a tudo e a todos. As rugas são marcas das rusgas que a vida nos apresenta cotidianamente. Dessas ninguém escapa.
Nem por isso vamos entregar os pontos e vestir a carapuça que nos cabe, sem ao menos ampliar nossa visão para as razões desse embate cotidiano, esse encontro constante com as arestas da nossa própria fragilidade. Ou seja: aqui estamos para provar nossa capacidade de ação, buscando aprimorar nossos conhecimentos, ampliar nossas conquistas e valorizar nossas relações pessoais. A religião diz ser esta a luta do homem consigo mesmo, para melhor compreensão de sua verdade e maior distinção entre o bem e o mal, o que é certo ou errado, o que lhe oferece paz de espírito e o que contraria sua harmonia espiritual ou dificulta suas relações interpessoais. Cara limpa, rosto sem máscaras, espírito sereno só é possível quando confrontamos nossos falsetes com a força interior que se debate dentro de nós, nossa alma.
Essa não usa máscaras. Nem subterfúgios, pois sua única e maior aspiração é se libertar um dia, gloriosa, vencedora, purificada, para tão somente contemplar, ao vivo, o rosto sereno e glorioso do seu Criador. Acontece que, fazendo uso crescente e habitual de nossas máscaras, acabamos por atrofiar e tornar quase impossível esse desejo de purificação que todo e qualquer ser humano tem dentro de si. Perdemos a possibilidade de nos assentarmos ao lado de Cristo na Ceia da Redenção, o banquete da glorificação do qual nos fala a fé cristã.
Nesta ceia cairão por terra nossas máscaras e apresentaremos a Deus nossa face verdadeira, real, sem subterfúgios. Será o confronto da nossa verdade com a Verdade de Deus. Único momento em que o Bem e o Mal medirão realmente forças para um veredicto final sobre o quadro que pintamos em vida. Pois toda vida é uma obra de arte; nós os artistas.
Construo essa ponte metafórica baseado na história que circunda um famoso quadro da arte humana: A Última Ceia, de Da Vinci. Dizem os historiadores que, ao pintar o rosto de Cristo, o artista buscou seu modelo nas faces dos transeuntes que cruzavam seu caminho. Foi longa sua busca, pois teria que ser um rosto sereno, sem máscaras, idealista, sonhador, intrépido, respeitoso, alegre e possuidor de tantas outras qualidades que emanam do rosto de Jesus. A jovialidade e autenticidade de um jovem altruísta e respeitado por todos, foi o que mais se aproximou do modelo que buscava. Serviu de inspiração para pintar o rosto do Mestre, síntese perfeita de todo Bem.
Mas o artista não conseguia concluir sua obra. Faltava-lhe agora um modelo para personificar o rosto de Judas, símbolo de todo Mal. Teria que ser alguém bem falso, medíocre, cujas rugas denunciassem de imediato a maldade alojada em seu coração. Três anos se passaram e, quando quase desistia de sua obra, eis que encontra o modelo: um andarilho torpe, dado aos vícios, aos furtos e à embriaguez, jogado nos becos como farrapo humano, rejeitado e odiado por todos. Por trocados, aceitou ser o modelo.
Diante do quadro, o andarilho se reconheceu no rosto de Cristo. Há três anos passados havia sido ele o modelo para o artista… Provou que o Bem e o Mal têm a mesma face. Essa é a lição: às vezes pensamos personificar a imagem de Cristo – e realmente a irradiamos – quando lançamos fora nossas máscaras. Mas isso não nos impede de traí-lo logo a seguir. O que nos consola é que podemos reverter esse processo sempre que um olhar mais atento para nossas fragilidades refletir em nós o rosto sereno de Cristo. Cuide-se e sorria, pois a misericórdia do Pai é maior.
WAGNER PEDRO MENEZES [email protected]