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DIOCESE DE ASSIS

A recente viagem missionária do Papa Francisco ao Iraque deixou preocupados vários setores da diplomacia mundial. Não seria uma atitude provocativa de um organismo sempre criticado e visado pelos movimentos terroristas, políticos e ou religiosos daquela região? Não estaria o Papa interferindo no processo de paz tão longa e penosamente desenvolvido por nações imperialistas? O momento crítico da pandemia mundial não seria afetado por possíveis aglomerações de adeptos? As perguntas se sucediam tão rapidamente quanto a decisão do líder religioso em levar a termo essa importante visita pastoral, fosse em que época fosse ou estivesse ou não em perigo sua integridade física.

O Papa ignorou tudo isso para priorizar algo mais precioso, a necessidade do diálogo, a construção de pontes, não muros. Ir à fonte da fé monoteísta, onde o Pai Abraão iniciou sua caminhada missionária rumo aos povos bárbaros, era um sonho que não mais poderia ser adiado. O então Papa João Paulo II desejou ardentemente essa visita, mas à época sua cabeça estava a prêmio por lá. No entanto, seu coração pulsava de amor por essa missão que lhe foi impossível. A porta do diálogo e das ações ecumênicas desenvolvidas desde então traçou o roteiro que Francisco enfim realizou. Ur, terra da Promissão às avessas daquela caminhada libertadora de Moisés, eis que chegou sua hora! Eis que a caminhada inversa de um líder religioso resgatou sua memória de predileção divina, fonte e origem das promessas de Deus a seu povo e ordem missionária sempre presente na nossa história de fé: Quem enviarei eu? Vai, vai tu, missionário do Pai. Ou: Se Deus é por nós, quem será contra nós? Aqui estou, Senhor! Envia-me. Essas questões de certa forma tiverem origem na pequena e emblemática Ur, terra de Abrão, fonte da nossa fé num único e verdadeiro Deus.

Pois bem: o Papa teimou e foi. O povo iraquiano o recebeu de braços abertos, com o coração em júbilo e agradecido pela esperança renovada nessa preciosa visita fraternal, paternal, filial… Recebido pelas lideranças das maiores religiões que atestam a unicidade e veracidade divina, Francisco pisou o solo iraquiano como um bom e dileto filho pisaria a terra de seus pais, com respeito e admiração pela história bem contada e consagrada no seio de seu povo santo e predileto do Pai. Não só o pai da fé, mas sobretudo o Pai de todas as coisas, Aquele que nos criou e nos confiou uma missão: Ide!

O bom filho à casa torna! Uma das civilizações mais antigas da história da humanidade, Ur é considerada terra do patriarca Abraão, que deu origem às três principais religiões monoteístas: islamismo, judaísmo e cristianismo. “Deste lugar, onde nasceu a fé, da terra de nosso pai Abraão, vamos afirmar que Deus é misericordioso e que a maior blasfêmia é profanar seu nome odiando nossos irmãos e irmãs”, afirmou Francisco, que acrescentou: “Hostilidade, extremismo e violência não nascem de um coração religioso: são traições da religião”. A linguagem ponderada, cautelosa e sempre propícia ao diálogo dera o tom dessa visita histórica. Pela primeira vez um líder do catolicismo e o principal clérigo muçulmano do Iraque, o aiatolá Ali Al-Sistani, estiveram frente a frente por mais de hora, num encontro que propunha paz e coexistência, já que a população muçulmana no Iraque é de 95 % e as vertentes cristãs somam pouco mais de 1%.

O que fica desse esforço de diálogo é quase um gesto concreto dum momento quaresmal onde muitas Igrejas tendem a maiores aberturas ecumênicas, em especial onde campanhas fraternais fazem desse tema um projeto de longo prazo. Eis a realidade: esse prazo não mais existe, é agora, no aqui, no hoje da história que estamos vivendo. O Papa não espera, faz acontecer. Tenhamos nesse exemplo a prática que nos falta. Para Deus não existe missão impossível, ela acontece mediante nossa disponibilidade de sair de nosso mundinho e contemplar a realidade. Com Abraão foi assim. Com Francisco está sendo assim.

WAGNER PEDRO MENEZES [email protected]