Diocese de Assis
Pela segunda vez, um período quaresmal encontra fiéis cristãos em plena quarentena sanitária. Há mais de ano a humanidade exercita esse isolamento forçado, com muitas percas e luto cada dia mais próximo do círculo familiar e social de todos, independentemente de sua classe social, religião ou nação. O ser humano deixou de ser uma raça dominante, dominada que está pela insignificante cepa de um vírus devastador. A prepotência perde pontos para a insignificância. Será isso mesmo?
Sei do delicado momento que a história humana vivencia; todos sabemos. Mas algo de bom é preciso realçar entre os escombros de um mundo assustado, aquebrantado pela força destrutiva de uma doença contagiosa. Muitas dessas já tivemos no passado. Muitas vidas encerraram seus dias, mas nunca como nos dias atuais, sob os holofotes acesos da comunicação instantânea que agiganta a desgraça e apequena a graça da grande maioria dos nossos sobreviventes. Noventa por cento ou mais deixam seus leitos e retomam suas vidas com fé e esperança renovadas. Isso poucos falam, constatam. Vivemos a intensidade do caos e desprezamos a generosidade das graças.
Nesse aspecto, essa segunda quaresma diferenciada tem muito a nos ensinar. Seria o tempo litúrgico mais emblemático da fé cristã um referencial para esses dias de dores e sofrimentos existenciais? Quarentena e quaresma têm algo em comum?
Vejamos: o período quaresmal é um tempo de jejum e abstinência, de mortificações e reflexões sobre a fragilidade da vida, o que não difere em muito dessa quarentena forçada que estamos praticando. A questão é: por que não a direcionar mais para seu aspecto de fortalecimento espiritual? Por que não aproveitar melhor esse tempo de isolamento e nos aproximar um pouco mais de nossa realidade também espiritual, moldando nossas vidas ao modelo mais que perfeito do humano sofredor que tudo venceu, até a própria morte? ´
É tempo quaresmal. De conversão ao aspecto primordial da vida, pois que ocupamos um corpo, mas neste pulsa a alma humana, nossa vida! Muitos ainda não se deram conta dessa preciosidade: a alma anima, fornece vida. O corpo apenas acata, enquanto saudável e capacitado para tanto. Um dia vai fenecer. Mas até lá, aproveite de forma justa e santa, todos os momentos que Deus nos deu neste mundo. Prefácio do outro, mais perfeito e justo, para o qual nos preparamos no aqui, no hoje da própria realidade, seja esta tranquila e serena ou circunstancialmente sofredora e pesarosa.
O assunto da morte é sempre inquietante. Porque aprendemos a amar a vida. E odiar a morte. “Uma grande inquietação foi imposta a todos os homens, e um pesado jugo acabrunha os filhos de Adão, desde o dia em que saem do seio materno, até o dia em que são sepultados no seio da mãe comum” (Ecle 40,1). Essa é nossa realidade. Porém, nem por isso vamos cruzar os braços e esperar nossa vez. A vida ainda é um dom de Deus, um direito sagrado, cujos dias estão contados nos planos do Pai, não nos nossos. Brigar, lutar, espernear se preciso faz parte do nosso instinto de sobrevivência, mas um dia seremos vencidos e, quando isso se der, que estejamos bem amadurecidos para merecer um diploma digno de bela moldura: “Combati o bom combate, acabei a carreira guardei a fé” (2 Tim 4,7).
WAGNER PEDRO MENEZES [email protected]