Diocese de Assis
De todas as doutrinas e teorias religiosas que o mundo conhece, nenhuma é mais radical do que o cristianismo. Seu estandarte é o do sofrimento; sua bandeira, a cruz. Daí a razão da resistência de muitos em trilhar o caminho estreito que o homem de Nazaré apontou a seus seguidores. Daí, e com razões, a rejeição quase global dos grandes pensadores e iluminados espiritualistas de verem o cristianismo como uma seita de fanáticos sonhadores, cuja prédica é apaixonadamente cativante, mas cuja prática é contraditoriamente chocante com a realidade e os ideais de vida de qualquer humano mais sensato. Como conciliar uma pregação de paz e amor com a ultrajante humilhação da sentença de uma cruz? Ainda não existiu castigo mais cruel contra a dignidade humana do que a morte de cruz. Mas o Mestre da mansidão e paz de espírito vem a público e declara com todas as letras: “Quem quiser me seguir, renuncie-se a si mesmo, tome sua cruz e siga-me”.
Penso ser este o momento da grande demandada dos seguidores de Jesus. Quantos ali renunciaram, não a si, mas ao Cristo? Quantos, a partir daquele desafio inesperado, viraram seus calcanhares e sacudiram as poeiras de seus pés, buscando não mais o calor causticante das areias incertas de um deserto repleto de miragens, para retomarem os mármores e as muralhas de seus palácios, da civilização injusta que o reinado humano construía aos trancos e barrancos. Trocaram a Via Crucis pela Via Ápia. Melhor a certeza de um Reino de glória e poderes terrenos do que a incerteza de um reino do outro mundo, cujo preço cheirava a sangue e sacrifícios “em troca” de uma vida palpável, real, plausível. Cristo pedia muito. Trocar as benesses de um status social, privilégios de um reino bem sucedido, uma hierarquia solidamente constituída, uma posição de poder, o respeito adquirido ao custo de muita garra e determinação, não… não era o caso da grande maioria de seus ouvintes. Pior ainda para aqueles que bem entendiam o significado humilhante, degradante, abjeto de qualquer condenado ao castigo da cruz romana. Não, isso não!
Isso, sim! Esse é o caminho mais coerente e certeiro do seguimento cristão. O único! Jesus não deixou por menos, acusando até mesmo Pedro, seu fiel escudeiro, de estar possuído por Satanás por tentar dissuadi-lo dessa ideia de morte… e morte de cruz! “Tu és para mim um escândalo; teus pensamentos não são de Deus, mas dos homens”! – disse-lhe Jesus (Mt 16, 23). O anúncio da paixão era ainda um enigma na cabeça de seus seguidores. Não se encaixava no projeto de um Novo Reino, ideia central de sua pregação, que até então se tornara a principal motivação daqueles que seguiam seus passos. Ainda hoje, muitos se deixam guiar pelas aspirações de um Mundo Novo no aqui de uma realidade contraditória com os sonhos de justiça, paz, esperança, dignidade ou quaisquer outras expectativas que possam contribuir para a construção de um mundo mais humano. Neste sonho a cruz cotidiana está fora. No entanto, para surpresa geral, essa é a chave da redenção que almejamos. Cristianismo e cruz são sinônimos! Sem a realidade crucial dos sacrifícios, das renúncias, das mortificações, da morte em favor do outro… nunca entenderemos a riqueza dos ensinamentos cristãos! O radicalismo cristão não é mera utopia, mas certeza de um caminho a seguir.
WAGNER PEDRO MENEZES [email protected]