Diocese de Assis

PROCURAI AS COISAS DO ALTO

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Todo homem que recebe de Deus riquezas e bens para que possa sustentar-se, ter a sua porção e desfrutar do seu trabalho, considere isso dom de Deus. Desse modo, o homem não se preocupa demais com sua vida fugaz, porque Deus o mantém ocupado na alegria do coração” (Eclesiastes 5,18-19).

Em comparação com aquele que se sacia de suas posses, nas trevas das preocupações e, com grande tédio da vida, acumula as coisas perecíveis, declara ser preferível aquele que desfruta coisas presentes. Este, pelo menos, sente-se feliz em usá-las; para aquele, porém, apenas o peso das inquietações. E diz porque é um dom de Deus poder gozar das riquezas. É porque não terá muito que pensar nos dias de sua vida.

Com efeito, Deus o ocupa com a alegria de seu coração: não terá tristeza, não se afligirá com pensamentos, levado pela alegria e o prazer das coisas diante de si. Contudo, melhor ainda é entender, com o Apóstolo, o alimento e a bebida espirituais, dados por Deus, e ver a bondade de todo seu esforço, porque com enorme trabalho e desejo vamos poder contemplar os bens verdadeiros.

É esta a nossa porção: alegrarmo-nos em nosso desejo e fadiga. Este é um bem, sem dúvida, mas até que Cristo, nossa vida, se manifeste, ainda não é a plenitude do bem.

Todo o trabalho do homem é para sua boca e, no entanto, seu espírito não se sacia. Qual é a vantagem do sábio sobre o insensato? Qual a do pobre, se não de saber como caminhar em face da vida?

O fruto de todo trabalho dos homens neste mundo é consumido pela boca, mastigado e desce ao estômago para ser digerido. E por muito pouco tempo deleita o paladar, pois dá prazer somente enquanto está na boca.

Além disto, não se sacia a alma de quem comeu com o alimento. Primeiro, porque ele deseja comer de novo. Pois, quer o sábio, quer o tolo, não pode viver sem alimento, e a preocupação do pobre é sustentar seu mirrado corpo para não morrer à míngua. Segundo, porque a alma não encontra utilidade alguma na refeição do corpo, o alimento é comum ao sábio e ao ignorante, e o pobre vai aonde percebe haver recursos.

Apesar de tudo é preferível entender a expressão do autor do Eclesiastes que, instruído nas Escrituras celestes, concentra todo o trabalho em sua boca, e sua alma não se sacia por desejar sempre aprender. Nisso tem mais o sábio do que o insensato; porque, embora se sinta pobre (aquele pobre que o Evangelho declara feliz), caminha para alcançar a vida, seguindo pela estrada apertada e difícil que a ela conduz. É pobre de obras, porém, sabe onde mora Cristo, a vida.

Finalmente, é preciso que o homem saiba que o futuro a Deus pertence, como diz o Eclesiastes 7,8-14: “Mais vale o fim de uma coisa do que o seu começo, e a paciência é melhor do que a pretensão. Não fique tão depressa com o espírito irritado, porque a irritação se abriga no peito dos insensatos. Não diga: ‘Por que os tempos passados eram melhores que os de hoje?’ Não é a sabedoria que faz você levantar essa questão. A sabedoria é boa como uma herança, e útil para aqueles que vêem o sol, pois à sombra da sabedoria se vive como se vive à sombra do dinheiro. Mas a sabedoria é mais vantajosa, porque faz viver quem a possui. Procure compreender a obra de Deus, porque ninguém endireita o que ele encurvou. Esteja alegre no dia feliz, e no dia da desgraça procure refletir, porque um e outro foram feitos por Deus, para que o homem nunca possa descobrir nada do seu próprio futuro.

(Texto a partir do comentário sobre o Eclesiastes, de São Jerônimo, século V).

Pe. Edivaldo Pereira dos Santos

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