Diocese de Assis
TRADIÇÃO E PRECEITOS HUMANOS
De ritos, costumes e leis o mundo está cheio. Povos e nações entulham suas populações com tradições arcaicas, preservando-as como costumes e dando-lhes valores há muito superados pela evolução, tecnologia ou mesmo novos conhecimentos. Muitos dos preceitos ainda respeitados por certas culturas ou heranças religiosas são hoje conceitos contrários a uma sociedade que evolui, que descobre novos caminhos e valores comportamentais. Mesmo assim, há valores imutáveis na história humana. Senão, vejamos…
Quando o povo de Deus iniciou sua caminhada libertadora, fugindo dos grilhões egípcios, foi preciso dar-lhes uma diretriz com normas e leis a serem seguidas. Moisés, depois de muita oração, desce o monte portando os dez mandamentos, dez leis suscintas e objetivas que lhes serviriam de estatutos disciplinares naquela longa caminhada. Do amor a Deus à fidelidade conjugal, do respeito à vida ao respeito às coisas alheias, aquele povo recebeu uma constituição cujo seguimento lhes daria liberdade e soberania em terras onde jorravam “leite e mel”. No entanto, quarenta longos anos foram necessários. Muitos ficaram pelo caminho e uma nova geração, nascida naquela caminhada, alcançou a Terra Prometida.
O povo eleito cresceu e se multiplicou. Tinham em mãos as tábuas da lei, acrescidas agora de muitas normas e adendos que a organização do povo exigiu ao longo dos anos. Extrapolaram. O zelo de seus governantes pecou pelo exagero, ao ponto de acrescentarem às dez leis divinas quase setecentas outras leis confusas e estapafúrdias. Algumas delas eram as normas comportamentais questionadas por Jesus, como “a maneira certa de lavar copos, jarras e vasilhas de cobre” ou o desrespeito à tradição judaica de não fazerem as purificações necessárias antes de qualquer refeição. Como exigir de um povo habitante de regiões desérticas ritos de higiene com água, quando a fome e a sede eram maiores? “De nada adianta o culto que me prestam, pois as doutrinas que ensinam são preceitos humanos. Vós abandonais o mandamento de Deus para seguir a tradição dos homens” – respondeu-lhes Jesus (Mc 7, 7-8).
Esse era o ponto. Uma questão de pureza ou impureza. Não só no asseio pessoal, mas igualmente na pureza da alma. De nada adiantava o cumprimento à risca de tantas normas e leis, se não houvesse um mínimo de pureza interior, aquela que respeita e faz valer a dignidade humana em sua plenitude, de corpo e de alma. Nesse ponto, Jesus é magnânimo: “Escutai, todos, e compreendei: o que torna impuro o homem não é o que entra nele vindo de fora, mas o que sai do seu interior” (Mc155,15). Pois os ritos e comportamentos farisaicos ainda são típicos de nossa sociedade de aparência e lisura comportamentais, não autenticamente fraternais. Estamos por demais apegados às aparências, ao supérfluo, quando a fé nos pede muito mais, além dos ritos, da tradição, dos preceitos comportamentais que rege uma sociedade de conduta dita civilizada. Se quisermos fazer valer a lei da fraternidade universal, o mandamento único e essencial que garante nossa posse na Terra Prometida, a civilização do Amor, basta um olhar mais atento para dentro de nós mesmos. No pulsar de um coração que renova nossas energias diárias está a fonte de todas as leis que nos regem, o amor.
WAGNER PEDRO MENEZES [email protected]