Diocese de Assis

CURA COM CUSPE E SALIVA

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          A pedagogia cristã se choca contra a lógica humana. Por certo, criaria asco e repugnância alguém cuspir na própria mão e com ela tocar seu rosto como ritual de cura ou simples gesto de benção. Foi exatamente isso que aconteceu com um pobre homem surdo e gago. “Jesus afastou-se com o homem para fora da multidão; em seguida, colocou os dedos nos seus ouvidos, cuspiu e, com a saliva, tocou a língua dele” (Mc 7, 33). Muitos iriam revidar com violência ou aversão a essa atitude no mínimo estranha. Não é o cuspe diante de alguém um ato vexatório de desprezo ou humilhação?

Para tentarmos compreender esse gesto, primeiramente se destaca a preocupação do mestre de afastar-se do público ali presente. Não queria plateia, pois não iria realizar um espetáculo. A graça do milagre seria algo muito pessoal, entre Ele e o pobre homem. Deveriam estar em plena sintonia, um ansioso pela cura e o outro disposto a ajudar. Os meios necessários viriam da energia estabelecida entre ambos, que bem poderiam fluir do magnetismo entre as forças celestiais e as energias naturais da realidade humana, como também da própria insignificância e profunda dependência da criatura com seu Criador. Não era a primeira vez que Jesus usava desses recursos para salientar nossa pequenez. No caso da mulher com hemorragia, sentiu que uma energia positiva saiu da fímbria de suas vestes. Algum contato físico provou a fé daquela mulher, que obteve a cura. Também no caso da ressurreição da filha de Jairo vemos essa preocupação de afastar-se do público e impedir a comoção das multidões. Igualmente quando usou do barro para a cura de um cego. E em tantos outros milagres, o gestual ou o rito sempre ligaram a realidade humana à sua origem e predileção divina. “Tu és pó”, mas também “Tua fé te salvou!”.

O uso da saliva, bem como da lama, era um gesto quase medicinal entre os povos daquela época. Também tinha uma conotação mágica. Jesus recomendou segredo, porque o que interessava no caso era a fé, aquela que se manifestava no homem doente, mas que também fluía do próprio Jesus. O encontro dessas duas forças geraria o milagre. O ritual era uma lição pedagógica, para salientar que mesmo usando dos recursos e da medicina humana (no caso a saliva, tida como excelente remédio para os olhos), nada seria eficaz sem a força divina da ação e do consentimento de Jesus. Por isso a graça deveria ser uma concessão bem intimista, pessoal, segredo de fé. Por isso Jesus “olhando para o céu, suspirou e disse: “Efatá”, que quer dizer “abre-te” (Mc 7, 34). A unidade céu e terra, Deus e os homens, matéria e espírito se tornavam evidentes nesse simples olhar de intercessão. A recíproca seria a consequência da cura, abrir não só os olhos da visão física, mas igualmente da visão espiritual. Reconhecer o milagre e, somente então, o proclamar com gratidão, sem alardes, mas aceitando a força e ação do Messias entre nós: “Ele tem feito bem todas as coisas”.

Agora, se sua fé ainda titubeia entre rituais de magia e sinais quase macabros de forças desconhecidas, suspeitas, melhor mesmo uma cusparada em sua cara. Esse desaforo merecem os caçadores de milagres que infestam muitas das comunidades de fé. Não buscam a cura da graça, mas espetáculos mirabolantes, intervenções sem a unção da pureza e humildade que só a fé genuína é capaz de possuir. Por isso, cuidado! Porque o espírito demoníaco também faz milagres. Melhor um corpo cego e mudo, ou mesmo paralítico e atrofiado, do que uma alma condenada.

WAGNER PEDRO MENEZES [email protected]

 

 

 

 

 

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