Diocese de Assis
Em muitas feiras agropecuárias, comuns no interior, é possível encontrar um stand com o curioso título acima. Nele são exibidas curiosidades coletadas como lixos em nossas cidades. Há preciosidades como livros raríssimos, fotos familiares, vestidos de noivas quase intactos, anéis, jóias, dentaduras, perucas, cristais, relógios com cuco, de bolso, de pulso, de parede, et cetera e tal. Dentre os livros, o mais predominante são exemplares quase intactos da Bíblia Sagrada, seguido pelos dicionários da língua pátria. Real e sintomático esse detalhe. Você mesmo pode conferir em qualquer usina de reciclagem ou empresa de coletas do lixo urbano.
Dentre eles – o luxo do nosso lixo – nunca soube de um recém-nascido. De fetos abortados sim, e muitos, que a razão e a ética não expõem publicamente, nem sequer os cataloga, para evitar problemas com a polícia ou coisa assim. Mas que são muitos, isto são. Porém, é sabido que se quisermos conhecer uma família em sua essência, sem invadir sua privacidade, basta analisarmos o lixo que produz. Ele diz mais que qualquer histórico formal. Ele é capaz de fornecer um raio x completo não só da realidade financeira de qualquer família, como até dos padrões morais e éticos dos que ali convivem. Incrível, mas o lixo que produzimos reflete o que somos!
O que dizer, então, de uma sociedade onde uma mãe com aparentes sintomas de depressão pós parto, sentindo-se o lixo dos lixos, é capaz de caminhar serena e decididamente até uma caçamba de entulhos urbanos e nela depositar sua filha recém-nascida? Uma sociedade saturada pela violência, pelas afrontas aos direitos patrimoniais, pela falta de confiança entre seus pares, que vê suas ruas e praças infestadas de câmeras de vigilância, que nos roubam a liberdade de ir e vir sem sermos vigiados, mas que flagram a cena da pobre mãe que condenamos de imediato? Em contrapartida – e dando continuidade ao triste roteiro da realidade não exibida nas feiras, mas no cotidiano suburbano e sob o breu das noites dos andarilhos de nossas ruas – um segundo desafortunado busca no lixo o que comer, o que possa proporcionar um pouco de esperança para sua vida também solitária e talvez deprimida e, ó susto!, ali encontra a pobre criança, o estranho entulho dessa sociedade… Por fim, fechando o drama, inseguro diante de sua própria insegurança social, o pobre andarilho não é capaz de agir por si, mas busca a ajuda de alguém de maior conceito social, um professor e depois a autoridade policial. E a mãe, pobre mãe, da mesma forma como entrou, sai de cena, tranqüila, aliviada de um peso a mais, uma filha pra criar Deus sabe lá com que condições! Posteriormente, acaba presa e definitivamente estigmatizada pelo delito.
A Bíblia tem histórias assemelhadas. José, o menino oculto em um poço e depois vendido pelos irmãos, tornou-se rei e salvou seu povo da miséria e da fome. Moisés, o menino salvo das águas, foi de certa forma um enjeitado pela classe dominante de sua época. Para ganhar o direito à vida, sua mãe colocou sua vida sob risco. Tornou-se o libertador de seu povo. Jesus, a criança que a caça infanticida de Herodes não conseguiu alcançar, – mas que forçou José e Maria a buscarem o exílio em terras distantes da própria origem – também experimentou em sua infância a dor da rejeição e do infortúnio longe dos seus. Tornou-se o Messias, o Salvador do Mundo. Mesmo com esse histórico de provações e injustiças durante suas infâncias, nenhum deles foi atirado ao lixo. Porque a pedra que os construtores rejeitaram tornou-se pedra angular. Mas, diz a palavra: “De teus escombros não se poderá tirar pedra de ângulo, nem pedra de alicerce, porque te hás de transformar em eterna ruína” (Jer 51,26). Do lixo social em que nos metemos se erguem as muralhas de uma nova Babilônia e desta não restará pedra sobre pedra. Nada do seu luxo aparente terá valor, se a injustiça continuar maior que a solidariedade.
WAGNER PEDRO MENEZES [email protected]