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Diocese de Assis

 

Desde que o mundo é mundo e o homem é homem, endemias e pandemias fazem parte da nossa história. Assustaram no passado e muito mais agora, quando a interatividade e mobilidade humanas transpõem fronteiras e vencem distâncias em questões de horas. Hoje estou aqui, amanhã… Júlio Verne e seus 80 dias para dar uma volta ao mundo, de aventura que era, tornou-se um conto de carochinha, história pra boi dormir. Nossa comunicação instantânea tem seu aspecto belo e positivo, pois uma declaração de amor ou uma notícia alvissareira podem ser dadas “ao vivo”, independentemente do fator distância. O mesmo para declarações de guerra ou anúncio de catástrofes. O mesmo para a proliferação das viroses ou muitas das doenças que nos rondam.

Esse é o preço do nosso espantoso progresso. Como abelhas atrevidas, insaciáveis em seus territórios, ávidas por desvendar seu mundinho, levando mel aqui e acolá, mas trazendo para suas colmeias o vírus desconhecido de seus voos exorbitantes, aventureiros, ambiciosos, sempre audaciosos e altaneiros… Bem resumiu uma simplória amiga: “Esse povo não sossega a bunda… É nisso que dá”. Mas não sejamos tão simplórios assim. A maior interatividade humana pode ser um fator de risco, mas talvez seja esta a maior conquista do nosso gênero, em busca do sonhado espírito de comunhão universal, apregoado por muitas crenças e sonhado por muitos povos que imaginam “um mundo sem fronteiras”. Sonho ou utopia, esse é o cerne da própria doutrina cristã.

Acontece que doenças e endemias desconhecem fronteiras. A China tornou-se o epicentro desse novo corona vírus, mas sua galopante proliferação e assustadora letalidade põe o mundo em alerta. Mais do que nunca, as fronteiras entre países tornam-se linhas demarcatórias de soberanias que mostram suas garras e forças defensivas. Alguns se mostram solidários, mas à distância. Outros apontam dedos em riste, para acusar. Muitos simplesmente se fecham em suas ilusórias defesas, pois que um descontrole ou negligência pode ser um lapso fatal. De repente, o grito de alerta ecoa em todos os quadrantes, mostrando aos tripulantes humanos o quão frágil somos e o quão vulnerável e nosso mundinho globalizado. O “cruzeiro” abortado não é um navio de alguns milhares de turistas ancorado em porto inseguro, mas todo e qualquer passageiro ou tripulante desse adorável planeta azul. Estamos num mesmo barco.

Os entendidos culpam até mesmo o regime político que ignorou um alerta médico. Coitado! Morreu o médico vítima da própria descoberta. Talvez se torne um herói popular, mas que mérito lhe coube? Buscar respostas na base de acusações, no momento, parece-me dispender esforços em vão. Além da solidariedade, há o fator da profilaxia, dos cuidados básicos de higiene e normas de etiqueta que a ocasião exige. Isso, sim, é preocupante, pois não somos uma raça exemplo desse comportamento saudável nos tempos atuais. Até por questões religiosas, nossa informalidade no trato interpessoal, muitas vezes, é preocupante. Moderação não é nosso forte. Conter alguns impulsos e aprimorar normas de conduta e comportamento social talvez seja algo oportuno.

Todavia, nada mais oportuno que rever nossos padrões de convivência. Não somos invulneráveis, indestrutíveis, inalcançáveis em nossos castelos de prepotência pessoal. O inimigo se faz invisível e nos ataca por todos os lados. Tanto física quanto espiritualmente falando. Vem donde menos se espera e reduz nossa existência a uma questão de fragilidade absoluta. Dias difíceis nos batem à porta. Mas ainda nos resta a fé, esta que ressurge nas tribulações. Como confortou o Mestre: “mas por causa dos escolhidos, aqueles dias serão abreviados” (Mt 24,22).

WAGNER PEDRO MENEZES wagner@meac.com.br