Folclore numa perspectiva cristã
O Dia do Folclore Brasileiro é comemorado em 22 de agosto. A data foi criada com o intuito de alertar para a importância e valorização das manifestações folclóricas no país, e se refere à primeira vez em que a palavra folclore foi utilizada para designar os costumes de um povo. Isso aconteceu em 1846, quando o folclorista britânico William John Thoms (1803-1885) uniu as palavras “folk”, que significa “povo”, e “lore”, que significa “conhecimento”.
O Folclore é parte da cultura de um povo e é um conjunto de costumes transmitidos de pai para filho e também através da comunidade, de uma geração à outra. O que precisamos ressaltar, é que a cultura foi e sempre será influenciada pelas crenças de um povo. Em suma, a cultura é o reflexo dos valores e das práticas.
Folclore, então, é o conjunto de conhecimentos de um povo, tais como os costumes, crenças, parlendas, contos, mitos, lendas, adivinhas, músicas, danças e festas populares de uma cultura e região. O folclore brasileiro é fruto da união das culturas indígena, africana e europeia. A respeito disso, a cultura europeia entrou no Brasil a partir da colonização, que começou no século XVI. E a cultura europeia tem, entre suas raízes, a fé cristã, que foi transmitida e continua sendo transmitida de geração em geração por parte daqueles que se identificam com esta opção religiosa. Por isso, as manifestações religiosas, por força popular, acabam tornando-se manifestações folclóricas de determinada região.
Neste sentido, gostaria de apresentar alguns exemplos, a partir da minha vivência. Sou de nacionalidade italiana, mas moro em Aparecida (SP) desde 1981. E impressionou-me, seja em Aparecida, como na vizinha cidade de Guaratinguetá (SP), a manifestação religiosa popular em honra a São Benedito. No dia da festa, passam na Avenida principal que une as duas cidades mais ou menos dois mil cavalos, cujos cavaleiros se dirigem até a Igreja de São Benedito para homenagear esse santo.
Trata-se, então, de uma modalidade de folclore religioso cristão, que reúne uma multidão de fiéis provenientes inclusive de vários estados do Brasil. Mesmo assim, muitos brasileiros não sabem que este santo negro era italiano. Ele nasceu no ano de 1526 em São Fratello, perto da cidade de Messina, na ilha da Sicília, Itália. Era filho de escravos vindos da Etiópia (África). Ainda jovem, tornou-se religioso franciscano. E, anos mais tarde, apesar de ser simples irmão sem ter frequentado os estudos de filosofia e de teologia, tornou-se superior do Convento de Santa Maria de Jesus, perto de Palermo, capital da Sicília. Morreu no ano de 1589.
Eu desconhecia a existência desse santo antes de chegar no Brasil. E, no mês passado, exatamente no dia 14 de julho, um domingo, fiz questão de participar da Missa celebrada perto do Convento de Palermo, onde viveu São Benedito. Mas eis a minha surpresa: havia poucas pessoas participando da missa. E percebi que na cidade de Palermo ele é pouco conhecido. Interpretei como uma espécie de racismo religioso, por ser ele negro. Mas bem perto do convento vi placas enviadas de várias partes do mundo, inclusive do Brasil, homenageando São Benedito: por exemplo placas de Guaratinguetá, Aparecida, Piquete, Sorocaba, São Paulo.
Nesse mesmo dia 14 de julho, um domingo, a cidade de Palermo celebrava a padroeira Santa Rosalia, uma virgem, que viveu entre 1130 e 1160. Depois da missa celebrada no fim da tarde, havia uma imensa multidão de fiéis que, ao anoitecer, assistiam a um vídeo que apresentava a intercessão de Santa Rosalia para acabar com uma peste que tinha atingido a cidade no ano de 1624. Logo depois, muitos cantores se exibiram e, em seguida, uma longa procissão foi até o mar. Quando chegou a meia noite, houve fogos de artifício por duas horas.
Por que relato tudo isso? Para mostrar duas modalidades do folclore religioso. Mas aí é importante não se limitar à parte exterior dessas celebrações. É preciso não somente pedir a intercessão desses santos, mas, ainda mais, seguir o exemplo deles, dentro do estado de vida em que cada um se encontra. Neste sentido, o folclore religioso pode tornar-se um caminho para o amadurecimento da nossa fé cristã.
Lino Rampazzo é doutor em Teologia e professor nos cursos de Filosofia e Teologia da Faculdade Canção Nova, em Cachoeira Paulista (SP).