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MOTOS E MORTOS

 

Imaginem ir ao médico queixando-se de muito cansaço, dor no corpo e febre e sair do consultório com um tapinha nas costas e “não se preocupe, isso não é nada”. No mínimo, qualquer um ficaria inseguro. Outras pessoas passam a sentir a mesma coisa que você, umas pioram muito, outras tantas vão precisar de tratamento intensivo, os telejornais passam a informar o número de óbitos, que se mantém em mais de 2 mil vidas por dia, e seu médico continua a dizer, “não se preocupe. Isso é assim mesmo”. É evidente, que qualquer um de bom senso, trocaria de médico. Mas, se mesmo assim, uma parcela de pessoas, uma minoria, mesmo diante de pessoas enlutadas, passasse a se manifestar favoravelmente ao descaso e ao tapinha nas costas? Seria inimaginável! Mas é isso, exatamente isso, que está acontecendo.
Tem gente que está indo para rua defender o descaso, a negligência e, pior, o deboche de um quadro, que se tornou ainda mais dramático pela omissão do presidente da República. Não se trata de ter opinião política divergente de A ou B. Estamos nos referindo a maior crise sanitária vivida pelo País, que, até o momento, nos tirou quase 500 mil pessoas, que eram pais, mães, filhos, sobrinhas, tios, amigos ou que de, alguma forma, era importante para alguém e cuja ausência nos entristece profundamente.
Recebi uma mensagem pelo whatsapp, cujo conteúdo celebrava o “recorde mundial de passeata de motos…1.324.523 motos” no último fim de semana. É isso mesmo. Dizia a postagem que mais de um milhão de motos participaram do tal evento. E, ao final, se intitulava como a turma do bem, da luz; sendo essa a diferença entre a direita e a esquerda. Mas eu pergunto, o que é ser de direita ou de esquerda para essa gente? O que é ser do mal ou do bem? Temos muita diferença, quer seja do ponto de vista econômico e social, quer dos costumes. São diferenças também ideológicas. Mas quem pode ser contra a vacinação em massa em um País que tem o maior Plano Nacional de Imunização? Quem é contra a políticas públicas que permitam dignidade à vida, que estimulem a geração de empregos e distribuição de renda de modo que todas as pessoas que têm um coração batendo no peito possam comer?
O que o motoqueiro da tal passeata estava defendendo? A vida?
Eu quero vacina, emprego e dignidade para o nosso povo. Abaixo aos interesses mesquinhos de grupos, de um lado e de outro, que aprofundam uma polarização de opinião que não interessa a quem está desempregado, sem dinheiro para o aluguel e com fome. Vamos lutar pela vida construindo um projeto de desenvolvimento social em uma nação pródiga em riquezas naturais. Não somos pobres por destino, mas por projeto de uma minoria que, secularmente, sangra nosso chão e dele retira sua riqueza. É possível fazer diferente. Esse beco tem saída.

Marcio Aurelio Soares, médico especialista em clínica médica, medicina do trabalho e saúde pública com 36 anos de profissão.