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Nômades digitais: um futuro presente e um desafio para o Direito do Trabalho

 

 

O encurtamento dos espaços globais, ocasionado pela ampla conexão das redes, tornou possível a ausência de fixação num único território (rua, bairro, município, estado, país) do humano. Empresas e trabalhadores com um simples endereço de e-mail ou blog necessitam apenas de uma boa conexão para realização de grande parte dos trabalhos. Até mesmo a telemedicina e a advocacia já se atrevem a atuar através de plataformas para o atendimento de seus pacientes e clientes.

Segundo dados colhidos no mercado, ainda em 2022, teremos cerca de 1,87 bilhões de pessoas trabalhando através de referida forma, a saber: sem um local definido. Esse número se aproxima de 43% da mão de obra mundial, segundo dados da Strategy Analitics.

Não estamos tratando de home office, pois nesse caso não há, na verdade, uma casa com endereço fixo que se transmuda em escritório ou com ele se confunde durante o trabalho. Também se afasta tal modalidade, em certa medida, do próprio teletrabalho, que ainda que modestamente se apresenta com uma fixação ambiental física, não obstante seja realizado via plataformas.

Tratamos de um novo formato de trabalhador, que se desloca a todo tempo e o tempo todo, imigrando ou migrando entre localidades espaciais, com ou sem sua família, necessitando apenas de uma conexão para realização do seu trabalho. Noutras palavras, o mundo é seu local de trabalho e seu mundo é a conexão com a rede. São eles os nômades digitais ou porque não os apátridas digitais, ou ainda os ciganos das redes.

Referida forma de prestar serviços será capaz de suscitar questões de grande relevância em todos os espectros do Direito.

No Direito Internacional, questões de soberania de aplicação da norma. No Direito Tributário, questões inerentes ao recolhimento de impostos. No Direito e Processo Civil, local de cumprimento da obrigação, citação, escolha de foro, além do próprio direito substancial a ser aplicado.

Na seara do Direito do Trabalho, as questões serão infinitas, desde a própria possibilidade ou não da formação de uma possível relação de emprego até quem poderá declará-la, tendo em vista a possibilidade da atividade itinerante do trabalhador por inúmeros países, sendo muitas vezes até mesmo a empresa itinerante. Isso porque, em algumas hipóteses, a própria direção da empresa pode estar em diferentes países com diversas legislações. E ainda que em algumas situações se reconheça a relação de emprego, teremos temas que deverão ser enfrentados sob uma nova ótica como, por exemplo, o adicional de transferência, a equiparação salarial e outros tantos. Não podemos esquecer ainda, que nas questões coletivas teremos que enfrentar situações como de eventuais associações ou até mesmo categorias ditas digitais, unidas pela similitude da forma da prestação de serviços, mesmo existentes os limites espaciais da normatização existente.

Vê-se, então, a extrema necessidade de revisitação ou adequação  de conceitos para que referidos trabalhadores e empresas contratantes tenham um tratamento renovado em razão da ausência da relação espacial até então inserida na legislação. Aguardemos o que nossa doutrina construirá.

Ricardo Pereira de Freitas Guimarães é advogado especialista, mestre e doutor pela PUC-SP, titular da cadeira 81 da Academia Brasileira de Direito do Trabalho e professor da especialização da PUC-SP (COGEAE) e dos programas de mestrado e doutorado da FADISD-SP