O encontro de ditadores sob a névoa do conflito
O líder chinês Xi Jinping encontrou sua igualmente autoritária contraparte Vladimir Putin em Moscou. É a primeira visita de Jinping à Rússia após a invasão à Ucrânia. A recepção dos russos ocorreu com toda a pompa e honra com a qual é possível receber um chefe de Estado que pode ser o fiel da balança no mais violento conflito na Europa desde o fim da Segunda Guerra Mundial e desde a fragmentação da ex-Iugoslávia.
Para a mídia russa, Xi Jinping destacou que a relação entre China e Rússia aprofundou-se bastante nos últimos 10 anos, afirmando que a visita se trata de uma “jornada de amizade, cooperação e paz”. As palavras de Jinping, no entanto, não conseguem esconder aquelas que parecem ser as reais intenções da visita. Pouco antes de ordenar a invasão da Ucrânia, Putin esteve em Pequim na abertura dos jogos olímpicos de inverno. Àquela ocasião, Xi Jinping teria pedido que os russos aguardassem o fim das competições para iniciar a invasão. Foi o que os russos fizeram. Até aqui, a postura chinesa de neutralidade é muito mais pró-Moscou do que realmente neutra ou pró-Kiev.
Na segunda, terça e quarta-feira, ambos os ditadores realizaram eventos oficiais conjuntos. Tratam-se de longas conversas que podem dar o tom de parte importante da política global para os próximos anos. Como assinalou o porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, houve uma “troca minuciosa de pontos de vista”, além da apresentação de um plano de paz chinês para o conflito na Ucrânia. Ainda que esse plano não tenha sido revelado, sabe-se que contempla os planos russos – como a anexação da região ucraniana do Donbass à Federação Russa.
Em paralelo ao encontro dos tiranos em Moscou, o primeiro-ministro do Japão, Fumio Kishida, visitou Volodymyr Zelenskiy em Kiev. À visita seguiram-se movimentações de bombardeiros nucleares russos, mostrando que o conflito pode ganhar uma nova escala a qualquer momento.
Da visita de Jinping a Putin pode-se perceber três coisas. A primeira, o encontro em si. As honras militares, as liturgias e o tempo em que os déspotas estiveram juntos mostra o maior evento da diplomacia russa desde o início da guerra. A segunda percepção é o timing da visita, apenas três dias após o Tribunal Penal Internacional expedir um mandado de prisão contra Putin. Por mais que os russos não tenham ratificado o Estatuto de Roma que criou o tribunal, o mandado tem forte conotação política: na prática, Putin pode ser preso caso visite qualquer um dos 123 Estados-parte do acordo, ainda que seja bastante improvável sua prisão. Ainda assim, isso certamente limita a mobilidade do russo. Uma das acusações inclusive já foi confirmada por Moscou: o deslocamento de crianças ucranianas para a Rússia.
Por último, chama a atenção a mais preocupante fala do encontro. Xi Jinping afirmou que China e Rússia “compartilham objetivos semelhantes”. Sabemos já há algum tempo das pretensões chinesas sobre Taiwan. A ilha – que sozinha exporta mais do que o Brasil – é a maior fabricante de chips, semicondutores e condutores do mundo. Sem os itens vindos de Taiwan, a economia global simplesmente pode parar. Pior do que isso é o fato de que qualquer ataque chinês sobre Taiwan traria os EUA para um conflito com a China, uma vez que estadunidenses tem com taiwaneses um acordo de proteção.
Em paralelo, preocupa o ocidente o potencial envio de armas chinesas à Rússia. Vídeos vindos do front europeu mostram soldados russos mal armados, com armas velhas, blindados obsoletos e treinamento fraco. Enquanto ucranianos, armados pela OTAN, têm conseguido manter seu país, os russos vêm enfrentando dificuldades de suprimento – mesmo com a compra de armas do Irã e da Coreia do Norte. Com armas chinesas novas, o conflito na Ucrânia pode entrar em nova fase de crueldade.
João Alfredo Lopes Nyegray é doutor e mestre em Internacionalização e Estratégia. Especialista em Negócios Internacionais. Advogado, graduado em Relações Internacionais. Coordenador do curso de Comércio Exterior na Universidade Positivo (UP). Instagram: @janyegray