O exercício do contraditório para quem está disposto a ele
Por Candice Almeida
“Somos cada vez mais conduzidos por nossos hábitos online, pelos cliques que fazemos ou deixamos de fazer. O algoritmo reconhece e incentiva a repetição: ir aos mesmos endereços, rodar as mesmas timelines, consultar as mesmas vozes, ouvir os mesmos argumentos”. Nessa fala, a jornalista Renata Lo Prete estava refletindo sobre o fazer jornalístico, mas ela serve de alerta para o modo como conduzimos nossa busca por informação.
A grande dificuldade do debate hoje – especialmente no ambiente virtual – é a formação de bolhas. Como disse Lo Prete, o algoritmo nos apresenta aquilo de que já gostamos. Isso acaba por nos impedir de ampliarmos o horizonte de informação, além de reforçar – e até radicalizar – aquilo em que já acreditamos. Hoje, invariavelmente, buscamos as confirmações de nossas crenças.
Nesse cenário, torna-se imperativo que escolas e universidades criem ambientes de promoção da pluralidade de ideias. O exercício do contraditório é enriquecedor, para quem está disposto a ele. O método de pesquisa é o caminho para a busca do conhecimento. É preciso, entretanto, tomar cuidado para não dar voz ao absurdo. Entra aqui o paradoxo da tolerância de Karl Popper, filósofo inglês. Devemos ser intolerantes com quem deseja acabar com a tolerância? Fazer apologia ao nazismo na Alemanha é crime, pois ameaçar a vida de alguém não é liberdade de expressão. A vida está antes da liberdade até na Constituição.
O debate é importante, a pluralidade de ideias também, mas há temas que não são mais debate: nosso planeta não é plano e isso já foi resolvido na Grécia antiga; é a Terra que gira em torno do Sol, e não o contrário, isso já foi estudado no século 16; o nazismo não é um movimento de esquerda, já na 2a guerra isso era claro; o aquecimento global é um fato e foi identificado nos anos 80; vacinas salvam vidas sim e o SUS tem um programa de dar orgulho em muito estrangeiro. Ou seja, o debate deve ser sobre como evitar o aquecimento global, sobre como não permitir outro genocídio e sobre como ampliar o alcance dos imunizantes, e não se tudo isso existiu ou é verdade. Isso não é opinião, é desonestidade, maldade ou ignorância mesmo.
Dois clássicos da literatura foram proféticos nesse debate: 1984 e Admirável mundo novo. Orwell temia que a informação nos fosse privada. Já Huxley temia que não houvesse mais motivo para nos privar de informação, pois teríamos tanta que nos perderíamos. O que seria pior: esconder a verdade – temor de Orwell – ou ninguém lhe dar importância – receio de Huxley? Nem dá para dizer qual deles têm mais razão, pois somos a mistura de tudo. Opiniões tomam ares de informação e ofensas se escondem na constitucional liberdade de expressão.
Por tudo isso, faz pouco sentido diminuir a carga horária das aulas de Filosofia e Sociologia nas escolas. Faz menos sentido ainda desprezar essa formação humana tão importante para construção de consensos e de propostas de enfrentamento para uma sociedade melhor. Para promover maior abertura de ideias é preciso reduzir as desigualdades e facilitar a mobilidade social. É preciso entender que o diálogo é que promove o consenso nas sociedades democráticas. Para promover o debate, escolas e universidades devem partir de dois pontos: razão e respeito.
Tudo, claro, a partir do ponto da igualdade de direitos e a partir de fatos. Tudo fora disso é tirania. O Paraná está na 3a divisão, isso é um fato. Não há Copa João Havelange que nos salve de lá. Isso é injusto, eis uma opinião.
Candice Almeida, professora de Redação do Colégio Positivo e assessora pedagógica de Redação no Centro de Inovação Pedagógica, Pesquisa e Desenvolvimento (CIPP) dos colégios do Grupo Positivo.