O indulto presidencial e a crise política
A polêmica dos últimos dias foi a “graça” concedida pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) ao deputado federal Daniel Silveira (PTB/RJ), condenado pelo Supremo Tribunal Federal por crimes contra as instituições democráticas. O deputado recebeu a pena de oito anos e nove meses de prisão em regime fechado por ter agido de maneira reiterada contra as instituições e, por diversas vezes, contra a integridade física dos ministros do STF. Sem dúvida, a conduta do parlamentar coloca em xeque não só a democracia como também autoridades de suma importância para nossa República. A condenação foi tida como emblemática pelo conteúdo e aplicação de pena, que causavam a impressão de ser um exemplo para todos aqueles que atentam contra as instituições.
Daniel Silveira foi condenado também a perda do mandato como deputado federal, ao pagamento de multas e, por consequência, inelegibilidade pelo prazo de oito anos, não podendo concorrer às eleições de 2022. Entretanto, a concessão do indulto pelo presidente, conforme previsto na Constituição Federal no artigo 84, XII, colocou a aplicação de pena de restrição de liberdade em xeque, causando a impressão de impunidade para um parlamentar que utilizou o mandato para abusar do direito de liberdade de expressão e trabalhar contra o Estado democrático de direito. A decisão do presidente não pode ser considerada inconstitucional até que o STF debata o tema, afinal, está amparada de legalidade, mas coloca uma grande dúvida à autoridade do tribunal e mostra que Jair Bolsonaro não medirá esforços para demonstrar todo seu autoritarismo enquanto estiver no cargo de presidente.
O que mais chama atenção é que o presidente lança mão de um ataque ao Poder Judiciário de forma gratuita para defender um parlamentar novato e de atuação pífia, sem se importar com os possíveis efeitos do seu ato, com a justificativa de que sua decisão busca defender as liberdades de expressão e política. Bolsonaro considera que a liberdade de expressão é absoluta e que não existem limites para seu exercício. Isso já ficou claro durante toda sua história no Congresso Nacional. Entretanto, a visão do presidente é absolutamente equivocada, e pode ser facilmente contestada com uma simples leitura da Constituição ou uma consulta da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. A liberdade de expressão, as liberdades políticas e a imunidade parlamentar não podem ser utilizadas como pretexto para o cometimento de crimes e situações de abusividade. O presidente tem uma visão deturpada do tema, coloca seus correligionários em erro, criando uma crise política jamais observada desde a redemocratização.
Além disso, Bolsonaro faz uso de instituto do indulto presidencial de forma inédita para apenas um condenado e de maneira imediata à decisão do Supremo Tribunal Federal, com objetivo de afrontar a autoridade da corte constitucional, e dando a impressão de que foi provocado a se portar dessa forma. O presidente tem agido de forma insistente, afrontando as instituições, a Constituição Federal e o Estado democrático de direito, isso diante de uma eleição extremamente complicada e disputada, por isso, não se assuste se um possível segundo mandato vier recheado de crises políticas e atos autoritários por parte de Bolsonaro. Estamos caminhando a passos largos para considerar que o improvável é uma possibilidade cada vez mais real. (Foto: Rebbeca Leão).
Francis Ricken é advogado, mestre em Ciência Política e professor da Escola de Direito e Ciências Sociais da Universidade Positivo (UP).