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O Legislativo que queremos e o Brasil precisa

 

Muito se cobra dos ocupantes do maior cargo do Executivo nacional – a Presidência da República – as medidas necessárias para o Brasil retomar o ritmo do desenvolvimento socioeconômico, de forma mais justa, consistente a ambientalmente responsável, para oferecer condições de vida digna aos cidadãos. Erroneamente, porém, muito pouco se exige dos ocupantes do Parlamento – deputados federais e senadores – a respeito do cumprimento de seu papel constitucional.

É inegável que os parlamentares podem, nos limites de suas atribuições, dar importante contribuição para a transformação que o País reclama, diante do quadro atual de aumento da pobreza e das desigualdades sociais e regionais, do agravamento da violência, da corrupção irrefreada, da depauperação da qualidade de vida.

Tão importante quanto o papel fiscalizador do Executivo que lhes cabe, deputados federais e senadores detêm o poder de propor e aprovar mudanças legislativas. E o Brasil precisa de muitas delas, em caráter urgente, para a correção de distorções implantadas ao longo do tempo e que se transformaram em verdadeiros entraves ao desenvolvimento e cristalizaram sérios prejuízos ao cidadão.

Uma das mais importantes seria propor a redução drástica da tributação sobre consumo de gêneros alimentícios, medicamentos, produtos de higiene e limpeza, vestuário, materiais básicos de construção, energia elétrica, óleo diesel e gás de cozinha, todos de grande impacto no bolso do brasileiro. É possível reduzir em 20% a tributação sobre esses produtos, por meio da compensação com outras receitas na ordem de R$ 125 bilhões/ano, considerando-se que atualmente 44% das receitas públicas são oriundas do consumo e que a esses produtos correspondem a 45% da arrecadação desse segmento.

Sempre respeitando as competências constitucionais, outra proposta relevante seria a de obrigar o governo federal a fazer a correção anual das tabelas do Imposto de Renda da Pessoa Física. Na verdade, isso significaria cumprir a Constituição, uma vez que é vedado aumentar tributos sem lei autorizativa e, ademais, deve ser respeitada a capacidade financeira dos contribuintes, o que hoje é ignorado.

         O Congresso também precisa enxergar o prejuízo causado pelas renúncias fiscais da forma como são concedidas atualmente – com desrespeito à previsão constitucional de servir à redução das desigualdades sociais e regionais -, proibindo essa prática totalmente discricionária, sem temporariedade e sem transparência.

Não faltam argumentos em favor dessas mudanças. O custo estimado da corrupção, somado ao custo do funcionalismo – hoje de 13,4% do PIB – e acrescido dos gastos tributários e do valor das renúncias tributárias ilegítimas atinge a gigantesca cifra de R$ 800 a R$ 900 bilhões/ano. Isso é suficiente para compensar em algumas vezes o montante necessário para a redução da tributação sobre o consumo e para pagar a correção anual das tabelas do Imposto de Renda da Pessoa Física.  

Fora do âmbito tributário, o Legislativo Nacional deveria atuar para eliminar a possibilidade de reeleição para cargos executivos, admitindo-se a ampliação dos mandatos dos atuais 4 anos para 5 anos. A reeleição é uma experiência que se mostrou desastrosa, uma vez que o vencedor da eleição começa a pensar em sua recondução já no primeiro dia em que assume o cargo. Isso leva, inevitavelmente, à construção de governos de cooptação, nos quais acordos políticos espúrios são mais frequentes que planos de metas. Mandatos mais longos, sem o instrumento da reeleição, seriam mais eficientes e dariam aos governantes tempo suficiente para executarem seus planos de governo, seus projetos e suas obras, o que nem sempre é possível no mandato de 4 anos.

Outra medida fundamental seria a aprovação de lei proibindo que parentes de primeiro, segundo e terceiro graus figurem como suplentes na chapa de candidatos a senador, e vices na chapa de candidatos a prefeito, governador e presidente. A permissão legal hoje em vigor é convite ao nepotismo e favorece a corrupção porque em caso de afastamento do titular do cargo em razão de improbidade administrativa, a família – potencialmente beneficiada pelos malfeitos – continua no poder; um contrassenso.

No mesmo sentido, os parlamentares deveriam propor e aprovar a tipificação como crime de responsabilidade a geração de déficit público primário por chefes do Poder Executivo. É evidente que tal prática de maus gestores comprometem as receitas públicas e inviabilizam investimentos em áreas prioritárias como educação, saúde, saneamento, segurança e habitação. Tal tipificação, com vigência após quatro anos – a título de adaptação – e pena de inelegibilidade por 20 anos depois disso, seguramente inibiria uma prática hoje bastante comum em todo o território nacional.

De igual modo, muito salutar seria proibir gastos com funcionalismo público (ativos e inativos) que ultrapassem 10% do Produto Interno Bruto nacional, percentual semelhante à média dos 37 países da OCDE, também com enquadramento penal e pena de inelegibilidade em caso de descumprimento.

É preciso exigir dos parlamentares menos corporativismo e mais coragem para se dedicar a temas sensíveis à nação, como a proibição de orçamento secreto e de qualquer outro mecanismo que não seja transparente.

Um Parlamento verdadeiramente preocupado com os principais gargalos do desenvolvimento faria uma mudança legislativa para restringir drasticamente o instituto do foro privilegiado, hoje escudo de impunidade que protege cerca de 55.000 ocupantes de cargos públicos, abrangência sem similar no mundo. O ideal seria limitar o instituto aos chefes dos Três Poderes e, ainda assim, excluindo os crimes praticados contra a administração pública. Ou mesmo aprovar proposta de emenda constitucional que tramita desde 2017 e restringe o foro privilegiado apenas para cinco cargos: presidente da República, vice-presidente da República, o chefe do Poder Judiciário e os presidentes da Câmara e do Senado Federal, e apenas para crimes ocorridos durante o exercício do mandato e em decorrência do próprio mandato.

Deputados e senadores precisam trabalhar para reduzir a sensação de impunidade que permeia a sociedade brasileira e estimula práticas criminosas. Um bom caminho é legislar para restabelecer a possibilidade de prisão em segunda instância após condenação por decisão colegiada do Judiciário. É necessário, ainda, criar lei proibindo a candidatura a cargos públicos de qualquer pessoa que seja ré (também por decisão colegiada) em razão de prática de crime contra a administração pública, seja por corrupção, peculato ou participação em organização criminosa.

São medidas imprescindíveis para o Brasil mudar o rumo e se transformar em uma nação menos injusta socialmente, com maior responsabilidade administrativa, menos corrupção, menos fome, mais segurança, mais emprego e maior poder de consumo das classes hoje com menor poder econômico.

Não há dúvidas de que haveria reflexos muito positivos para o crescimento consistente do PIB, para oi aumento do PIB per capita, para o aumento do consumo, para a geração de emprego e renda, para a melhoria do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) e do coeficiente GINI, modelo matemático utilizado para medir a desigualdade social.

O período eleitoral, no qual os candidatos se apresentam aos eleitores, é um momento propício a essa reflexão. O processo de tornar o Congresso uma instituição muito melhor do que é exige o olhar mais atento da grande mídia e, principalmente, o mea-culpa da própria classe política. Critérios mais rígidos nas exigências para a filiação partidária e maior austeridade na homologação de candidaturas ao Legislativo, aliás custeadas com dinheiro público por meio do Fundo Eleitoral, seriam muito benéficos ao país. Olhar o passado é um bom termômetro para avaliar o presente. E construir o futuro com bases mais criteriosas resgataria a credibilidade popular nos políticos e fortaleceria a democracia.

O Legislativo precisa, enfim, assumir o compromisso definitivo de apoio ao desenvolvimento nacional sem desviar um milímetro de suas funções constitucionalmente definidas. Mas, para isso, deputados e senadores necessitam enxergar os brasileiros como detentores de direitos e não apenas como eleitores em potencial.

 

Samuel Hanan é engenheiro com especialização nas áreas de macroeconomia, administração de empresas e finanças, empresário, e foi vice-governador do Amazonas (1999-2002). Autor dos livros “Brasil, um país à deriva” e “Caminhos para um país sem rumo”. Site: https://samuelhanan.com.br