O PÁSSARO DEIXOU SEU CANTO
Diocese de Assis
Era bem cedo do dia. Eu acabara de acordar. Ainda estava bêbado de sono. O galo já tinha tomado conta da madrugada, com seu canto, para despertar a manhã e os muitos trabalhadores das primeiras horas. O sol inundava o dia com um crescente calor e uma luz irreprovável. Bendita manhã com seu lindo começo.
Enquanto me preparava para as primeiras higienes do dia, antes de abrir a porta que dava acesso ao quintal; antes de inverter os pés do chinelo que calcei trocado, na pressa de ir ao banheiro; antes de pegar o copo vazio que, ficou debaixo do sofá, antes de ser tomado pelo sono diante da TV ligada… ouvi ao longe o chilrear de um pássaro. Uma melodiosa canção sem compositor, nem regente, nem orquestra. Me detive um instante, para ouvir e procurar, entre as frestas da casa de madeira, aquele que produzia tão bonito espetáculo ao vivo. Que pássaro seria este de um canto tão raro? Por que cantava o pássaro? O que o fazia cantar? Deixei de lado as perguntas e, ao abrir a porta vi, somente o bater das asas de um pequeníssimo pássaro que foi embora mas, deixou seu canto.
Todos os dias os pássaros cantam, mas, este pássaro, entre tantas coisas, me fez pensar algo que eu, ainda, não tinha me dado conta, antes de ouvi-lo tão sonoro e tão inquietante, num dia comum de sol, nas primeiras horas do dia: a vida transbordamento. Isso mesmo, a vida é transbordamento.
Sabe aquela história de gota d’agua em copo cheio? Pois é, transborda; derrama.
Vivemos contidos; quase o tempo todo contidos. As vezes pelo medo de se arriscar, pela incompreensão, pela vergonha, pela antiga frustração, pelo julgamento, pelo dor, pelo sofrimento, pela demora…
A gente precisa de transbordamentos. E foi exatamente isso o que o pássaro fez comigo, naquele manhã: fez-me transbordar; encheu-me com seu ‘canto-gota-d’água’.
Na realidade, todos nós temos uma vida ‘copo-cheio’, repleta do necessário para viver, na forma de graça, aptidão, motivo, razão, força, energia… mas, contidos como somos, somente com transbordamentos diários para usufruirmos da graça, aptidão, motivo, razão, força, energia para vivermos sem medo do risco, da incompreensão, da vergonha, da antiga frustração, do julgamento, da dor, do sofrimento, da demora.
Na experiência da fé, o ‘canto-gota-d’água’ do pássaro é o Pentecostes. E, a Sagrada Escritura, além de At 2,1-11, fala de muitos outros Pentecostes (At 10,44; 11,15; 19,6). O dedo de Deus, como o canto do pássaro, realiza transbordamentos e, por conseguinte, nos permite encontrar o sentido da vida para cada dia e para a existência como um todo.
Naquela manhã, o pássaro que me visitou foi embora mas, deixou o seu canto comigo. E, eu me vi transbordando. E esse transbordamento era o que me faltava; tudo o que eu precisava para encher o dia com aquela alegria e contentamento tão necessário e oportuno do despertar interior.
Recordando o meu batismo, em 09 de janeiro e, os muitos Pentecostes que, pela força do dedo de Deus, me fez transbordar, dou-me conta das palavras do Divino Mestre:
“Eu não deixarei vocês órfãos (…). Mas o Advogado, o Espírito Santo, que o Pai vai enviar em meu nome, ele ensinará a vocês todas as coisas e fará vocês lembrarem tudo o que eu lhes disse” (Jo 14,18.16);
Todos os dias eu levanto bem cedo para ver se encontro o pássaro que me despertou com seu canto. Mas, ao invés do pássaro eu me encontro comigo mesmo e com a consciência de Deus tem muitas maneiras de renovar, em nós, o sopro vital do originário ato criador. E, eu entendo que o Espírito do Senhor está sobre mim (Is 61,1; Lc 4,18) e, que seu dedo provoca, em mim, inúmeros transbordamentos.
PE. EDIVALDO PEREIRA DOS SANTOS