O PERCURSO DE UMA ESTRADA PERIGOSA

Todo jornalista hoje tem suas lembranças das aulas de português quando criança. Já naquela época travaram homéricas batalhas para vencer os monstros que surgiam no aprendizado. Bichos com nomes esquisitos como silepse, sintaxe, gerúndio, polinômio, fonética, ortografia, etmologia. Entre eles, monstros terríveis que soltavam fogo pelas ventas, como o dígrafo, o polinômio e o logaritmo. Levei muitos zeros, mas sempre os vencia. Com lançadas certeiras ia atingindo a cada um deles, desmascarando-os. Descobri que o dígrafo compunha um grupo de duas letras que representava um único som ou articulação, como o LH. Como se escreve o nome da lhama, mamífero oriundo da Cordilheira dos Andes. A lhama era fruto do cruzamento do dígrafo com a gramática. Com certeza, pulavam cerca às escondidas.

Armado com a minha lança imaginária desafiei o logaritmo e o polinômio.  Monstros que vinham nos livros do matemático Cretella Júnior. O logaritmo e o polinômio foram os responsáveis pela mais sinistra forma de terror, a tortura mental. Eram monstros que teriam sido criados pelos inquisidores da Idade Média. Comecei a combatê-los no ensino primário. Naquela época eu os via como a cuca e o bicho-papão. Mais tarde passei a vê-los como protagonistas do filme A Vingança da Múmia. O logaritmo seria o expoente a que se deve elevar um número constante para se obter outro número. Objetivo era dar nó no miolo! Havia dois tipos de logaritmos: o natural e o hiperbólico. Nunca fiquei sabendo se o segundo vinha com conservante. Em batalhas homéricas enfrentei também o polinômio, monstro alado, cujos coeficientes das potências do mesmo grau seriam iguais. Dois polinômios equivaleriam a um domínio igual a zero. Uma explicação sinistra, sem pé nem cabeça, que visava destruir os neurônios dos futuros escribas para decretar a extinção da espécie. Com minha lança reluzente e certeira eu queimava etapas e ia vencendo batalhas.

Hoje cravo minha lança no chão em sinal de vitória. Depois de vencer esses monstros que povoaram a minha imaginação, eles passaram a ser os únicos palavrões que eu conheço: dígrafo, logaritmo e polinômio. Um dia dei uma martelada no dedo. Minha reação, depois de chupar o dedo ofendido, no auge da dor, foi murmurar educadamente em voz baixa: “polinômio”! Como poderia simplesmente ter dito: “dígrafo!”, ou “logaritmo”!  São palavrões educados. Para não dizer outros.

Alcindo Garcia é jornalista – email:[email protected]