Prazer em queimar

Por José Renato Nalini

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O escritor Ray Douglas Bradbury faria 100 anos em 22.08.2020. Para celebrar seu centenário, a editora Biblioteca Azul publica o livro “Prazer em queimar”, com dezesseis contos do autor. Para os aficionados em boa leitura, desnecessário lembrar que ele escreveu “Fahrenheit 451”, que depois virou filme.

Visão dantesca de um planeta que queimava livros, de repente volta a ser atual, com a intenção de se tributar mais pesadamente a publicação no Brasil. Paradoxal que o instrumento de libertação da mente, aquilo que faz as pessoas enxergarem a liberdade, seja tão vilipendiado por quem recebeu do povo, único titular da soberania, mandato para fazer o melhor pela nação.

Impossível deixar de observar que o pessimismo é baseado na crua realidade. Afora o fanatismo cego e surdo à verdade, as poucas pessoas que conservam o discernimento pressentem que o planeta vai muito mal. É incendiado, tem suas florestas devastadas, teima-se em ignorar os fatos e, para culminar, a cultura é objeto de aniquilamento.

Profético, Ray Bradbury previu o que parecia inimaginável. Ler seu livro e também “1984”, de George Orwell, “Admirável Mundo Novo”, de Aldous Huxley, “Não verás país nenhum” de Ignácio de Loyola Brandão, permite concluir que os escritores estão anos luz à frente dos demais.

Terá o Brasil condições de se opor a essa tentativa de acabar com o livro, exatamente no momento em que ardem as florestas tropicais da última grande reserva mundial? Qual será o prazer de seres tidos por racionais em queimar a cobertura vegetal nativa e a literatura?

Um país em que o analfabetismo ainda persiste, mostrando a face cruel da ignorância no elevado número de analfabetos funcionais, uma República a capengar nas avaliações internas e internacionais que apuram o nível educacional, uma terra em que não se lê, mas se pratica a arte da maledicência, esse o remate necessário para o mergulho no precipício do obscurantismo.

Quem fica a encarar o precipício vê o precipício entrar em sua alma, dizia Nietzsche. É o que parece ocorrer num Brasil que retrocede, aceleradamente, em tudo aquilo que realmente interessa. Faz lembrar o Evangelho: “de que vale ao homem ganhar o mundo todo (materialmente) se vem a perder sua alma?”.

 

José Renato Nalini é Reitor da UNIREGISTRAL, docente da pós-graduação da UNINOVE e presidente da ACADEMIA PAULISTA DE LETRAS – 2019-2020.

 

 

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