Prisão em segunda instância: venceu a Constituição
Por Marcelo Aith
O Supremo Tribunal Federal concluiu o julgamento do mérito das Ações Declaratórias de Constitucionalidade nº 43, 44 e 54, cujo objeto consistia na verificação da harmonização do artigo 283 do Código de Processo Penal ao artigo 5º, LVII, da Constituição da República. As ações discutiam a possibilidade da chamada “prisão em segunda instância”
O voto de desempate foi proferido pelo ministro Presidente Dias Toffoli, que, corretamente, entendeu que o mencionado artigo do Código de Processo Penal estava em perfeita consonância com a lei suprema desse país. Sua Excelência pontuou, com total razão, que se tratava de uma análise em abstrato da constitucionalidade do artigo 283 do CPP à Constituição da República, ou seja, se o mencionado preceito legal tinha correspondência na lei maior e não uma análise em concreto de um caso específico, como, por exemplo, do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Ademais, o ministro Toffoli, como não poderia ser diferente, salientou que a decisão pela constitucionalidade do artigo 283 não impedirá as prisões cautelares quando estiverem presentes os pressupostos e os requisitos para o encarceramento provisório. Os requisitos para a decretação estão previstos nos artigos 312 e 313 do Código de Processo Penal. “Art. 312. A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria”.
Os ministros do STF que votaram de acordo com a Constituição e não para agradar a voz do povo, que na maioria das vezes é alimentada por falsas notícias plantadas por representantes irresponsáveis do Ministério Público, que a todo custo buscam alcançar o resultado por eles desejado (condenação os acusados – sem qualquer limitador para isso), mesmo que para tanto tenham que praticar toda espécie de ilegalidades e abusos de autoridade, como estão sendo evidenciados com as notícias veiculadas pelo site intercept e não desmentidas pelos interlocutores (Procuradores da República atuantes na “Lava Jato” e o ex-Juiz Sergio Moro”), sofreram enormes pressões para julgar improcedentes as ADCs 43, 44 e 45, porém, valentemente, cumpriram seus compromissos de respeitar a Lei Suprema dessa Nação.
Com efeito, os ministros foram alvos de insinuações descabidas e de operações publicitárias orquestradas pelos “paladinos da justiça”, que inadvertidamente noticiavam que a decisão da Suprema Corte resultaria na soltura de centenas de milhares de pessoas, que impediriam as prisões cautelares, que proporcionariam a impunidade, etc. Uma aberração para dizer o menos!
O Conselho Nacional de Justiça, responsável pela fiscalização externa do Poder Judiciário nacional, foi obrigado, após a divulgação açodada e desleal do Procurador Dallagnol, em seu twitter, que a decisão do STF resultaria na soltura de mais de cem mil presos provisórios no Brasil, a declarar e comprovar que seriam alcançados algo próximo a 4800 pessoas detidas cautelarmente. Cumpre destacar que eram indivíduos que estavam presos em decorrência de decisão de segunda instância, mas que passaram todo o processo em liberdade, comparecendo a todos os atos e não preencheriam os requisitos e pressupostos previstos para a prisão preventiva.
Posteriormente, os ministros foram acusados de acabar com a prisão em segunda instância. A prisão popularmente conhecida como “prisão em segunda instância”, consistiria no automático início do cumprimento provisório da pena, sem que houve o esgotamento das possibilidades de recursos, ou seja, sem que houvesse trânsito em julgado da decisão condenatória. Portanto, haveria o início da execução da pena, com a possibilidade da reversão pelas instâncias extraordinária – STF e STJ, o que poderia resultar no encarceramento de pessoas, que, posteriormente, poderiam ter revista sua condenação, por exemplo, com a redução da pena injustamente majorada pelas instâncias ordinárias (Primeira Instância e Tribunais De Justiça – Tribunais Regionais) ou a anulação da condenação pelo utilização de provas ilícitas. Tal possibilidade ofenderia o disposto artigo 5º, LVII, da Constituição da República, o que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória“, uma vez que a pena seria cumprida sem que houvesse a definitividade da ocorrência do crime, haja vista que crime é fato típico, antijurídico e culpável, se apenas com o trânsito em julgado pode ser considerado culpado, não há como dar início ao cumprimento da pena se não há o reconhecimento da ocorrência do crime antes da definição da sentença (coisa julgada material – que ocorre com o esgotamento das vias recursais).
Destarte, a decisão do Supremo Tribunal Federal simplesmente fez cumprimento um comando constitucional, ou seja, os ministros cumpriram fielmente a condição de guardiões da Lei Suprema desse país. Dizer o contrário é defender que os direitos e garantias fundamentais do homem, insculpidos no artigo 5º da Constituição podem ser flexibilizados ao bel prazer do Poder Judiciário. Assim, quem venceu a batalha foi a Constituição da República e os Estado Democrático de Direito!
Marcelo Aith é especialista em Direito Criminal e Direito Público e professor de Escola Paulista de Direito