Quando a desinformação é menos tecnológica e mais cultural
Por Alexsandro Ribeiro
Passou longe a realidade de que a democratização do acesso à internet se apontava como possibilidade no horizonte, em que teríamos longos e frutíferos debates da juventude em uma esfera pública digital, e em que promoveríamos a participação cidadã on-line. Décadas depois, o excesso de informação e a capacidade quase que infinita de armazenamento em nuvem não resultaram em um aumento do conhecimento e de reflexão. Longe de recair em um determinismo tecnológico, a crítica, de fato, está sobre o comportamento irresponsável, agravado nos últimos tempos pelas fake news.
Na mesma velocidade com que tecnologias em prol do aprendizado e da educação ganham novas ferramentas, surgem novos canais e formatos de entretenimento que disputam com força desproporcional a atenção das pessoas. Na batalha entre interesse público, como informações fundamentais para a vida do indivíduo, e interesse “do” público, como informações desnecessárias ou de pouco valor prático, é nítido qual prevalece.
A facilidade do acesso muitas vezes prevalece ante a dificuldade da reflexão, e a camada de sites e de espaços que vendem conteúdo raso, mastigado e sobretudo de origem e qualidade duvidosa, não é rompida. O ranqueamento é alimentado, em parte, pelo volume de acesso da massa. Assim, firma-se um círculo vicioso, em que os maiores pontuados são os mais acessados, que por sua vez são aqueles que são generalistas e com conteúdo planificado. O problema cultural aqui é justamente o de ‘se render ao mais fácil’, que é a reflexão vendida por caracteres em sites que lucram com o fluxo de internautas.
Esse lucro é maior ainda quando o internauta interage com os demais conteúdos publicitários na página, cujo destino certamente não dialoga com a informação que se buscava. Ou seja, à fragilidade da atenção soma-se ainda o potencial de dispersão que banners animados, links para outros sites, propaganda de entretenimento, entre outras inúmeras iscas que são lançadas nesses sites para desviar o leitor do caminho da informação.
É nesse espaço de disputa de atenção e de desnorteamento com a quantidade crescente de dados que a desinformação ecoa e se multiplica. E as técnicas e estratégias para isso evoluem. Se antes os boatos boca a boca criavam uma distopia, hoje a manipulação ou o desvio da atenção do que de fato é importante para a população se dá por meio de mentiras com marcas de verdades. A manipulação não é de agora, mas a capacidade de propagação do meio on-line torna mais rápida e potente a viralização.
Contudo, isso não significa que o problema esteja na tecnologia, caso contrário, a desinformação seria generalizada. Ele é, em grande parte, comportamental, e é reforçado pelos contornos da contestação gratuita aos métodos científicos e à solidez das instituições que sob a técnica e objetividade atuam no cenário da informação de qualidade, como é o caso do jornalismo. Aqui, o que se estabelece é o fenômeno da pós-verdade.
O cenário é propício para o descrédito de pesquisas, dados, documentos e uma série de evidências de veracidade, dando espaço para o discurso da mentira que se propõe com marcas de realidade. A falta de atenção, por um lado, e a busca por confirmação dos próprios ideais e opiniões é o que vale neste espaço, em que informações em falso contexto, deslocadas do tempo, parodiadas ou com conteúdo manipulado são compartilhadas sem qualquer critério e pudor.
Se é menos a máquina e mais o humano, é neste que devemos nos centrar para prevalecer a lógica do bom uso, do interesse público e do uso da ferramenta tecnológica como base para a emancipação do indivíduo. Para isso, é importante que uma educação de base também seja orientada para o entendimento do on-line e do universo digital como o mesmo do off-line, que dê possibilidade para que cada vez mais os nativos digitais possam se orientar no mar de informações, e que acenda o alerta de que na internet não existem curtidas ou compartilhamentos gratuitos e nem livres de responsabilidade.
.