QUESTÃO DE GOSTO
Entre as várias atividades culturais existe a cultura imobiliária. Esta inclui alguns exageros arquitetônicos de péssimo visual. Vale a metragem quadrada de uma imensa área útil totalmente inútil. Como aquele pseudo rico que construiu sua mansão no bairro mais sofisticado da cidade. Em um dos enormes cômodos, encomendou aos marceneiros e pedreiros “uma parede com dez metros e meio de livros”. “Acho bonito aquela “livraiada” toda em exposição”, justificou do alto da sua sapiência cultural.
E o que dizer da cultura do carro novo? Este tipo de mentalidade cultural faz com que o carro na garage seja mais para exposição do que para o uso. Para certa mentalidade cultural, o carro serve apenas de vitrine para mostrar quem pode mais. O problema cultural é a competitividade com o vizinho. Se na garage do vizinho ele coloca um carro mais potente e mais moderno, a cultura automobilística faz com que o vizinho concorrente perca o sono. Não sossega, enquanto não for à concessionária e comprar um Corolla de câmbio automático para colocar na sua garage, a fim de expor ao vizinho e aos que passam pela calçada que ele pode mais. Pouco importa se as prestações e os carnês são de perder de vista e o saldo bancário caia no vermelho. Neste tipo de cultura, prioritariamente o carro é para exibição; em segundo plano para transporte.
A cultura pirotécnica é um pouco mais barulhenta. Desta nem casamento escapa. Substituem a “Marcha Nupcial”, de Mendelsson, pelo pipocar de rojões. Nem as “Quatro Estações”, de Vivaldi, ou “Pompa e Circunstância”, de Eduard Elgar, são ouvidas. A maravilha é o pipocar de rojões a enfumaçar a porta da igreja e botar a cachorrada de rua a latir adoidado. Quanto mais estouro de rojões, mais cachorros latindo, mais cultural será a cerimônia, em que pese o cheiro de pólvora.
A cultura do rojão serve também para outras comemorações. Difícil é saber se trata de alguma inauguração, se alguém ganhou na telessena, ou se é um pai da Pátria que acabou de chegar à cidade. Quanto maiores forem os estampidos e mais forte o cheiro de pólvora, mais cultural será o evento.
Questão de gosto.
Alcindo Garcia é jornalista – e-mail: [email protected]