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Sic transit gloria mundi : o ex-juiz virou réu

 

Sic transit gloria mundi (toda glória no mundo é transitória), a frase era utilizada no ritual das cerimônias da coroação papal até 1963. O recém-escolhido papa rumava da Basílica de São Pedro na Sede gestatória em procissão, que parava três vezes. Em cada ocasião, um mestre de cerimônias papal ficava de joelhos diante do papa, queimando uma mecha de estopa e dizia três vezes consecutivas, em voz alta: “Pater Sancte, sic transit gloria mundi!” (“Santo Padre, assim passa a glória mundana!”). Objetivava lembrar ao escolhido que a pompa e o poder são efêmeros. 

Sergio Moro, como tantos outros operadores do direito, com o pseudo-propósito de “combater” (termo equivocado, uma vez que denota um estado de guerra) a corrupção, despiu-se da toga e praticou infindáveis atos contrários as suas prerrogativas constitucionais, manipulando à instrução probatória, divulgando seletiva e ilegalmente trechos de delações premiadas, inclusive com divulgação interceptação ilegal de Presidente da República, esquecendo-se que a pompa e o poder são transitórios. 

Pedro Benedito Maciel Neto, no artigo publicado no Conjur de 25 de maio de 2022, asseverou que: “Moro corrompeu a institucionalidade, praticou, em tese, diversos crimes e tramou contra a Democracia e o Estado de Direito, além de causar danos enormes à economia”. 

As ilegalidades praticadas pelo ex-juiz Moro são objeto de ação popular promovida pelos deputados Rui Falcão (SP), Erika Kokay (DF), Natália Bonavides (RN), José Guimarães (CE) e Paulo Pimenta (RS). Eles afirmaram que “o ex-juiz Sergio Moro manipulou a maior empresa brasileira, a Petrobras, como mero instrumento útil ao acobertamento dos seus interesses pessoais”. E que: “O distúrbio na Petrobras afetou toda a cadeia produtiva e mercantil brasileira, principalmente o setor de óleo e gás”.

Cumpre questionar se as ações ilegais do ex-juiz causaram efetivamente prejuízo aos cofres da Petrobrás?

Os autores apontam que Moro cometeu “desvio de finalidade, excessos e abusos de poder” na Lava Jato, o que “resultaram em perdas e danos muito superiores ao interesse público”, produzindo, assim, “um cenário de desarranjo econômico de altíssimo custo social em nosso país”. Destacaram, também, que o ex-juiz afrontou o caro princípio da imparcialidade, que impera para os prestadores de jurisdição (ou seja, para os magistrados de todas as instâncias) e praticou “condutas profundamente alheias aos ditames imponíveis à atividade judicial”.

Frisaram, ainda, que empreiteiras e grandes fornecedores de equipamentos para os setores da construção e óleo e gás foram atingidas por Moro. “A sanha persecutória do magistrado condutor da ‘Lava Jato’ atrofiou as cadeias produtivas dos setores de óleo e gás e construção civil, reduzindo-as a uma fração ínfima do que subsistia anteriormente”. 

Pois bem, não há dúvida que a conduta de Moro, como juiz, foi deplorável, abjeta e causou a derrocada de empresas privadas e públicas, com um rastro de desemprego como aponta a pesquisa realizada pelo DIEESE, que sinaliza que mais de 4,4 milhões de empregos foram limados, nos mais diferentes setores. 

Para além dessa nefasta consequência, as ações irresponsáveis de Moro e dos procuradores da República de Curitiba, resultaram na retirada de investimentos no Brasil, o que levou à paralisação de 53 obras grandes públicas em todo o país, gerando perdas coletivas para a sociedade brasileira, com a redução do recolhimento de tributos que afetaram não só a União, como Estados e Municípios.

Dessa forma, não há dúvida de que ações ilegais de Moro podem ter resultado em prejuízo aos cofres da Petrobras. Mas isso é suficiente para o manejo da ação popular? 

O Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial nº 1.447.237, firmou entendimento de que para a existência de uma ação popular são necessários três pressupostos: a condição de eleitor do proponente, a ilegalidade ou ilegitimidade do ato e a lesividade decorrente do ato praticado.

Consoante se observa da petição inicial da ação popular, os pressupostos de admissibilidade da ação estão presentes. Os autores são cidadãos no gozo dos seus direitos políticos; além disso, em tese, estão evidenciadas as ilegalidades praticadas por Sergio Moro quando atuava como juiz federal e; há, aparentemente, nexo de causalidade entre as ilegalidades praticadas pelo ex-juiz e os prejuízos causados à Petrobras.

No entanto, diversamente do que Moro e os procuradores da República faziam, não há como condená-lo sem possibilitar que exerça o direito ao contraditório e a ampla defesa. Mas uma coisa independe da resposta do ex-juiz: Sic transit gloria mundi!

 

Marcelo Aith é advogado, latin legum magister (LL.M) em direito penal econômico pelo Instituto Brasileiro de Ensino e Pesquisa – IDP, especialista em Blanqueo de Capitales pela Universidade de Salamanca, mestrando em Direito Penal pela PUC-SP, professor convidado da Escola Paulista de Direito e presidente da Comissão Estadual de Direito Penal Econômico da ABRACRIM-SP