Testemunhas de Jeová recordam as vítimas esquecidas do terror nazista

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Em 27 de janeiro, milhares de pessoas no mundo todo recordarão as vítimas do terror nazista, no Dia Internacional da Memória do Holocausto. Um fato ainda pouco conhecido é que dentre essas vítimas estão milhares de Testemunhas de Jeová que foram executadas ou torturadas em campos de concentração nazistas.

Apesar de o terror nazista ter como alvo milhões de pessoas por razões biológicas, políticas ou de nacionalidade, as Testemunhas de Jeová foram “o único grupo no Terceiro Reich a ser perseguido com base somente em suas crenças religiosas”, declara o Professor Robert Gerwarth.[1]

Por que os Nazistas odiavam esse grupo Cristão?

De acordo com a historiadora e doutora Christine King, O regime nazista taxou as Testemunhas de Jeová como “inimigos do estado”, por causa da “sua recusa pública em aceitar mesmo o menor elemento do [Nazismo], que não estivesse de acordo com sua fé e suas crenças.” [2]

Devido à sua crença nos ensinos de Cristo, as Testemunhas de Jeová adotaram uma posição politicamente neutra. Por causa disso, se recusavam a fazer a saudação “Heil Hitler”, a participar em atos racistas e violentos e a se juntar ao exército alemão. Também é interessante notar que em suas publicações “elas identificaram publicamente as maldades do regime, incluindo o que estava acontecendo com os judeus,” diz a dra. King.[3]

Consequentemente, as Testemunhas de Jeová estavam entre os primeiros a serem enviados aos campos de concentração e receberam um símbolo de uniforme exclusivo: o triângulo roxo. Ao contrário dos outros grupos de vítimas, elas recebiam a chance de fazer uma escolha que poderia salvá-las do terror nazista.

Por que as Testemunhas receberam uma escolha?

Para os nazistas, desviar as Testemunhas de Jeová de suas convicções religiosas era uma vitória maior do que matá-las ou enviá-las aos campos de concentração.  Por isso, os nazistas ofereciam a elas a oportunidade de evitar a execução e de serem libertadas do campo se assinassem um documento, conhecido em alemão como “Erklärung” (criado no começo de 1938) comprometendo-se a renunciar a sua fé, denunciar outras Testemunhas para a polícia, submeter-se completamente ao regime nazista e a defender a “Pátria” com armas. Oficiais de prisões e campos utilizavam frequentemente a tortura e a privação para induzir as Testemunhas de Jeová a assinarem essa declaração.

A esmagadora maioria não renunciou às suas convicções. De acordo com o historiador Detlef Garbe, “uma quantidade muito pequena de Testemunhas renegou a sua fé”. [4] Garbe acrescenta que “a intenção declarada dos governantes nazistas era eliminar completamente os Estudantes da Bíblia da história da Alemanha.” [5]

Tema do Dia de Memória do Holocausto da ONU para 2023: “Lar e Pertencer”

O tema escolhido pela ONU para o Dia de Memória do Holocausto de 2023 é Lar e Pertencer. A ONU explica: “O tema destaca a humanidade das vítimas e sobreviventes do Holocausto, que tiveram sua casa e seu senso de pertencimento arrancados pelos perpetradores do Holocausto.”

Os números –

Quantas Testemunhas de Jeová perderam a sua casa e seu senso de pertencimento:

  • Quase 4.200 foram enviadas a campos de concentração nazistas;
  • Cerca de 1.600 morreram – 548 executadas (fuziladas ou decapitadas, por exemplo), incluindo pelo menos 39 menores[6];
  • Centenas de crianças foram retiradas de suas famílias e levadas a casas de nazistas ou reformatórios.

Geneviève de Gaulle, sobrinha do General e membro da Resistência Francesa Charles de Gaulle, pôde conhecer prisioneiras Testemunhas de Jeová enquanto esteve no campo de concentração de Ravensbrück. Ela relata: “O que eu admiro muito nelas é que elas poderiam ter saído a qualquer momento apenas por assinar a renúncia à sua fé… Por fim, essas mulheres, que aparentavam ser fracas e cansadas, eram mais fortes que a SS, que tinha todo o poder e meios à sua disposição. Elas tinham a sua força, e era a sua força de vontade que ninguém podia vencer.” [7] Essas mulheres fiéis e humildes provaram ser vitoriosas e não meras vítimas. A comunidade das Testemunhas de Jeová sobreviveu ao Holocausto e continua a se desenvolver décadas depois de o regime nazista ter caído.

Museus do Holocausto e memoriais ao redor do mundo mostram artefatos e placas relembrando a perseguição às Testemunhas de Jeová. Relembrar as experiências delas é importante, já que elas são sistematicamente perseguidas, presas, espancadas e torturadas até os dias de hoje, por praticarem pacificamente a sua fé em alguns países, sendo a Rússia o seu maior perseguidor.

Aniversário da liberação Auschwitz-Birkenau | 27 de janeiro

O aniversário da liberação Auschwitz-Birkenau coincide com o Dia de Memória do Holocausto em 27 de janeiro.  De acordo com o site do Auschwitz-Birkenau State Museum, “além de breves menções, a literatura sobre a história do Campo de Concentração de Auschwitz não leva em conta as Testemunhas de Jeová, (referidas nos registros do campo como Estudantes da Bíblia) que foram presas por causa de suas convicções religiosas. Esses presos merecem maior atenção pela forma como conseguiram manter seus princípios morais nas condições do campo”.

  • As Testemunhas de Jeová estão entre os primeiros prisioneiros de Auschwitz, de acordo com os registros do museu, “desde os primeiros meses em que o campo estava em operação.”
  • Pelo menos 387 Testemunhas de Jeová foram enviadas para Auschwitz durante os seus 5 anos de operação.
  • Pelo menos 152 (cerca de 40%) morreram no campo.

Rudolf Hoess, Comandante da SS de Auschwitz, escreveu em sua autobiografia sobre a execução de certas Testemunhas de Jeová por se recusarem a violar a sua neutralidade cristã. Ele disse: “Assim deveria ser o aspecto dos primeiros mártires cristãos, enquanto esperavam no circo que animais selvagens os dilacerassem. Suas faces completamente transformadas, seus olhos erguidos para o céu, de mãos unidas e erguidas em oração, eles enfrentavam a morte. Todos os que os viram morrer ficaram profundamente comovidos, e até mesmo o pelotão de execução foi afetado.”

Perfis dos Prisioneiros

  • Andrzej Szalbot (prisioneiro # 108703) foi preso e levado ao escritório Cieszyn da Gestapo por se recusar a entrar para o exército alemão em 1943. Foi prometida a ele liberdade imediata se ele assinasse um documento renunciando à sua associação com a organização e declarando que seus ensinos eram errados. Andrzej relata: “Eu perdi a consciência algumas vezes; eu não consegui sair de lá sozinho.” Depois de seis semanas de interrogação, com 19 anos de idade, Andrzej foi enviado para Auschwitz.
  • Família Cienciała – Em 1943 a Gestapo prendeu Helena Cienciała e a enviou para Auschwitz (prisioneira #45856). Dois meses depois, o pai dela, Paweł, chegou em Auschwitz e em mais dois meses, a mãe dela, Ewa, que morreu no campo. A razão para prender a família inteira foi simplesmente porque eram Testemunhas de Jeová.

Sobreviventes não Testemunhas falam sobre as Testemunhas de Jeová

  • Anna Pawełczyńska: em seu livro Valores e Violência em Auschwitz, diz: “Este pequeno grupo de prisioneiros era uma sólida força ideológica e eles venceram a sua batalha contra o nazismo. O grupo alemão desta seita era uma pequena ilha de resistência férrea no seio de uma nação dominada pelo terror, e, com este mesmo espírito intrépido, agia no campo de Auschwitz. Todos sabiam que nenhuma Testemunha de Jeová cumpriria uma ordem contrária à sua crença e às suas convicções religiosas.”
  • Tibor Wohl: Em seu livro Arbeit macht tot—Eine Jugend in Auschwitz, (O Trabalho Mata – Juventude em Auschwitz) ele relata uma conversa que ouviu entre dois companheiros de prisão. Um deles, austríaco, afirmava não ser Testemunha de Jeová. Todavia, elogiava os prisioneiros que usavam a insígnia do triângulo roxo — os Estudantes da Bíblia, como eram chamadas as Testemunhas de Jeová no campo de concentração: “Eles não vão à guerra”, disse o austríaco ao seu companheiro. “Preferem ser mortos a matar alguém. Na minha opinião, é assim que os cristãos verdadeiros devem se comportar. Tenho de lhe contar um episódio bem agradável que tive com eles. Estávamos junto com judeus e Estudantes da Bíblia num mesmo bloco do campo de concentração de Stutthof. Naqueles dias os Estudantes da Bíblia tinham de executar trabalhos forçados, ao ar livre e num frio cortante. Era difícil de entender como eles conseguiam sobreviver. Eles diziam que Jeová lhes dava forças. Necessitavam desesperadamente de seu pão, visto que estavam ‘mortos de fome’. Mas o que faziam? Juntavam todo o pão que tinham, pegavam metade e davam a outra metade aos seus irmãos, irmãos espirituais, que chegavam esfomeados de outros campos. E eles os acolhiam e os beijavam. Antes de comer, oravam, e depois o rosto deles irradiava felicidade. Diziam que ninguém estava mais com fome. Assim, sabe, pensei comigo mesmo: ‘Esses são cristãos de verdade.’ Foi assim que sempre imaginei que deviam ser. Como teria sido bom dar tal acolhida aos companheiros que chegavam famintos aqui em Auschwitz!”

[1] Hitler’s Hangman: The Life of Heydrich, pág. 105

[2] Jehovah’s Witnesses Stand Firm Against Nazi Assault, Watch Tower Bible and Tract Society of Pennsylvania, 1996.

[3] Responses Outside the Mainstream Catholic and Protestant Traditions (yadvashem.org), accessed on Jan. 3, 2022.

[4] Garbe, pp. 287-288.

[5] Garbe, Detlef (2008). Between Resistance and Martyrdom: Jehovah’s Witnesses in the Third Reich. Madison, Wisconsin: University of Wisconsin Press, p. 521. ISBN 978-0-299-20794-6.

[6] “Number of victims persecuted in National Socialist Germany and in occupied countries,” Central Europe PID fact sheet.

[7] Jehovah’s Witnesses Stand Firm Against Nazi Assault (vcf/-E), Watch Tower Bible and Tract Society of Pennsylvania, 1996.

 

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